12 Agosto 2020
O novo retrato de Teresa Benedita da Cruz, feito pelo diretor estadunidense Joshua Sinclair, é comentado neste texto pelo Pe. Dario Edoardo Viganò, vice-chanceler da Pontifícia Academia das Ciências e da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, e ex-prefeito do Dicastério para a Comunicação, em artigo publicado por L’Osservatore Romano, 09-08-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A sua vida foi despedaçada em Auschwitz-Birkenau no dia 9 de agosto de 1942, mas não desapareceram a força e a luz do seu testemunho e da sua fé. Estamos falando de Edith Stein, filósofa judia que se converteu ao catolicismo e entrou na ordem das Carmelitas Descalças com o nome de Teresa Benedita da Cruz, proclamada santa por João Paulo II no limiar do novo milênio.
Até hoje, o filme mais conhecido sobre a vida e o pensamento de Edith Stein é, sem dúvida, “A sétima morada” (“Siódmy pokój”), de Márta Mészáros [assista o filme abaixo, na íntegra], apresentado na Mostra Internacional de Arte Cinematográfica da Bienal de Veneza em 1995 e vencedor do Prêmio Católico internacional OCIC (hoje Signis).
Na obra da diretora húngara, filme com estrutura visual devedora da encenação teatral e de forte caracterização simbólica, quem interpreta Edith Stein é uma extraordinária e intensa Maia Morgenstern, atriz romena que, por meio da cartografia do seu próprio rosto, traz à tona todas as nuances interiores do personagem, da filósofa santa.
O relato de Mészáros não é simplesmente de uma vida atravessada pelo sofrimento e, ao mesmo tempo, extraordinário e luminoso, mas sim a narração dos contrastes interiores da mulher: o confronto cerrado com as próprias origens, o conflito com o nazismo e, por fim, o olhar contraposto entre o interior e o exterior do convento.
“A sétima morada” avança em episódios, como uma sucessão de limiares existenciais que evocam o percurso interior feito por Santa Teresa d’Ávila, que culminou com o encontro com o Senhor na sétima morada. Para Edith, a sétima morada, a última, é brutal, surda, ou seja, a câmara de gás, um espaço fosco e desumano, onde, porém, a diretora Mészáros visualiza também a imagem da salvação, o fim do tormento e a revelação do amor do Pai através do simbólico abraço materno, da mãe Auguste, o retorno ao ventre gerador.
Agora, à distância de duas décadas, surge uma nova proposta cinematográfica que amplia o campo da reflexão sobre Edith Stein, oferecendo uma leitura mais marcadamente existencial dela, uma “reflexão radical” sobre uma das figuras femininas que mais marcaram o panorama cultural do século XX.
Estamos falando de “A Rose in Winter”, obra assinada pelo diretor, roteirista e ator estadunidense Joshua Sinclair, que, ao lado da vida artística, conjuga um forte compromisso humanitário, seguindo a organização internacional Médicos Sem Fronteiras, especialmente nos territórios da Índia e do continente africano.
“A Rose in Winter” [assista ao trailer abaixo], que se orgulha da colaboração com o diretor de fotografia Vittorio Storaro – três vezes vencedor do Oscar nos anos 1980 com “Apocalypse Now”, de Francis Ford Coppola, “Reds”, de Warren Beatty, e “O último imperador”, de Bernardo Bertolucci –, foi realizado em 2018 e apresentado no palácio das Nações Unidas em Genebra, assim como na sede do Parlamento Europeu e no Congresso dos EUA em Washington.
Qual é a particularidade de “A Rose in Winter”? O diretor Joshua Sinclair, partindo do sucesso de Márta Mészáros e do seu filme “A sétima morada”, quis dar mais atenção e profundidade à humanidade e ao drama de Stein, repassando as suas origens judaicas e o encontro com o catolicismo.
Um estudo atento dos escritos da filósofa que segue em paralelo os testemunhos de quem a conheceu: esses são os elementos de partida do roteiro assinado pelo próprio Sinclair. O autor tematizou o caminho especulativo e existencial da filósofa-religiosa alemã, que, aos poucos, fez dela uma grande mulher que soube dar testemunho de como o caminho da santidade passa somente pela capacidade de “atravessar” o mundo, pondo em prática a palavra do Evangelho, seguindo o caminho de Cristo, vivendo o mundo “à maneira” de Deus.
Um momento-chave no processo criativo de “A Rose in Winter” foi o congresso internacional “Notas às margens da publicação ‘Die Rezeption Edith Steins’ (1942-2012)”, na Universidade de Bari, na Itália, em março de 2013. Foi precisamente naquela ocasião que o diretor estadunidense delineou o projeto do filme, especificando que o seu objetivo foi o de traçar a humanidade dessa grande mulher, que se tornou modelo cristão de adesão à fé e à cruz, testemunha de um “caminho” humano-intelectual voltado para o encontro com o Mistério.
Sinclair é escrupuloso e atento ao traçar as origens judaicas de Stein, a qual estava plenamente consciente de que a sua pertença ao povo judeu permaneceria como uma constante na sua própria vida, mesmo depois da sua passagem para o cristianismo em 1921.
Na verdade, é um aspecto bem captado também pelo filme “A sétima morada”, no diálogo entre Edith e a sua mãe Auguste, interpretada por Adriana Asti:
Auguste: Você ainda é jovem. Você tem o mundo à sua frente.
Edith: Foi você quem me ensinou a ser boa e justa. Como cristã, a minha alma pertence a Deus, a Jesus. Mas, como judia, o meu sangue pertence ao meu povo.
E foi justamente esse pertencimento, essa dupla identidade na alma resolvida e luminosa de Stein que a levou a escrever uma carta ao Papa Pio XI para pedir que a Igreja Católica tomasse uma posição firme contra a política antissemita de Hitler.
Stein viu o mundo ao seu redor mudando perigosamente e leu os primeiros sinais perturbadores contra o povo judeu. Um olhar claro, tragicamente antecipador, do avanço do Mal no coração da Europa: Edith Stein havia intuído de antemão como a ascensão de Hitler levaria a Alemanha ao colapso e, com ela, não só o povo judeu, mas também todo o povo alemão.
Ainda no relato de Joshua Sinclair, menciona-se o compromisso de Edith na Grande Guerra, quando em 1915 ela interrompeu os estudos para trabalhar em um hospital de campanha: na linha de frente como voluntária, Edith dá prova da sua dívida de lealdade e de amor pátrio para com a Alemanha. Nesse compromisso, Sinclair mostra a delicadeza do nascimento de um vínculo entre Stein e Hans Lipps, que, porém, não conseguirá penetrar profundamente no coração da mulher já habitado pelo amor a Deus e pela escolha da vida religiosa no Carmelo.
O diretor, então, evidencia como os tormentos existenciais de Stein realmente fortaleceram a busca da graça, o encontro com Jesus. Os anos de estudo depois em Breslau, o trabalho como assistente do filósofo Edmund Husserl na Universidade de Friburgo, o período que se seguiu à adesão ao catolicismo e o encontro com o Carmelo em Colônia representam os traços distintivos de uma mulher que soube se inserir no mundo alavancando a sua humanidade.
Stein era, sim, de religião judaica, raiz identitária que ela sempre defendeu, assim como o pertencimento ao povo judeu: Edith se mostra grata à Alemanha, país que lhe concedeu a oportunidade de frequentar um contexto universitário de excelência, de ter acesso a um sólido patrimônio cultural.
Com o seu filme “A Rose in Winter”, Sinclair lança uma nova luz sobre os escritos de Stein, escancarando um horizonte de sentido ligado à dimensão da existência da mulher e às escolhas por ela feitas: uma vida vivida em plena consciência, a partir da qual construiu um percurso teórico capaz de descerrar novas pistas de pensamento.
Em consonância com a divulgação do filme, o cuidadoso trabalho de documentação de Sinclair para a redação do roteiro também encontra agora outra forma de divulgação graças ao livro “Edith Stein. Una rosa d’inverno”, publicado pela editora Morcelliana e organizado pelo filósofo Francesco Alfieri, texto que contém justamente o roteiro do filme (Bréscia, 2019, 272 páginas).
Francesco Alfieri, na introdução do texto, aponta que Sinclair é “um diretor culto que demonstra que não só conhece a fundo os escritos de Stein, mas que também ampliou as suas leituras às obras de Hedwig Conrad-Martius e de outros expoentes do Círculo Fenomenológico de Göttingen e Friburgo. A humanidade de Stein e os seus conflitos interiores são indispensáveis para compreender as escolhas que ela devia fazer. Tudo se resolve na sua incessante busca pela Verdade, enquanto as relações interpessoais contribuem para ajudá-la a fazer escolhas cada vez mais conscientes” (pp. 10-11).
Em uma passagem do filme (reproduzido no texto na página 174), Edith compartilha esta reflexão com os seus estudantes, pouco antes de ser destituída da sua cátedra:
Edith: Eu acredito que cada um de nós tem os recursos morais para participar do sofrimento de um outro. Cada pessoa deve decidir se caminhará na luz do altruísmo criativo ou na escuridão do egoísmo destrutivo.
E ainda no livro “Edith Stein. Una rosa d’inverno”, o filósofo Friedrich-Wilhelm von Herrmann sublinha no prefácio: “Na minha opinião, Edith Stein deve ser incluída entre os maiores fenomenologistas de Friburgo. O fato de ela ter aceitado o seu terrível destino e tê-lo enfrentado junto com a sua irmã torna-a um exemplo extraordinário. Ela nunca se esqueceu do povo judeu junto ao qual tinha as suas origens, mas foi como cristã que ela foi ao encontro da morte. Que obras Edith Stein ainda poderia ter escrito, certamente inovando a fenomenologia e a filosofia da religião, se tivesse sido salva a tempo?”.
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Nos passos de Edith Stein. Artigo de Dario Edoardo Viganò - Instituto Humanitas Unisinos - IHU