25 Junho 2020
Apenas entre os Avá-Guarani que trabalham no Frigorífico Lar Cooperativa Agroindustrial, 35 casos foram confirmados e outros testes estão sendo feitos.
A reportagem é publicada por Conselho Indigenista Missionário - Cimi, 24-06-2020.
Os Avá-Guarani da Terra Indígena Oco’y, em São Miguel do Iguaçu (PR), vinham resistindo à covid-19, a doença do novo coronavírus (SARS-CoV-2), mas na última semana os casos estouraram. Ocorre que mesmo com os povos indígenas alçados pelo governo federal para o grupo de risco, no dia 17 de março, muitos frigoríficos e outras empresas mantiveram os indígenas trabalhando sem afastá-los mantendo os salários.
Apenas entre os Avá-Guarani que trabalham no Frigorífico Lar Cooperativa Agroindustrial, na unidade de Matelândia (a cerca de 50 km da aldeia), 35 casos foram confirmados e outros testes estão sendo feitos. Todos são do Oco’y, mas há ainda 13 Avá-Guarani de comunidades do município de Diamante D’oeste que trabalham no mesmo frigorífico. Ou seja, a tendência é de que o número aumente e a doença avance para outras aldeias.
“Todo o cuidado e proteção dispensado pela comunidade não logrou efeito porque a ameaça veio de fora, foi introduzida na aldeia justamente por aqueles Guarani que eram levados a trabalhar no frigorífico. De certa maneira se repete a história das epidemias entre indígenas, que eliminou milhões de pessoas ao longo das décadas, levadas pela ganância de riquezas econômicas a qualquer custo dos não indígenas”, destaca Osmarina Oliveira, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) Regional Sul.
Conforme orientação do Ministério Público do Trabalho e da Portaria 419 da Fundação Nacional do Índio (Funai), que coloca os povos indígenas como grupo de risco, os Avá-Guarani do Oco’y que trabalham no frigorífico estão em quarentena na aldeia. Os testes estão sendo realizados a partir de uma parceria da Sesai, Secretaria da Saúde do Estado e curso de Medicina da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila).
Entre a semana passada e esta terça-feira (23), conforme levantamento do Cimi, 35 casos foram confirmados por testes no Ocoy, 21 foram descartados e mais de uma dezena aguarda o resultado. Outros 22 Avá-Guarani estão com sintomas da doença, mas ainda não foram testados. Um dos infectados é um bebê de apenas dois meses.
“A comunidade está bastante abalada. Esse contexto afeta todas as comunidades da região, já que pela rede de parentesco e sociabilidade pode-se dizer que formam uma grande família. O risco é a contaminação das pessoas mais idosas, que já não tem o mesmo vigor físico/imunológico dos jovens. São os detentores e transmissores dos conhecimentos. Se a população mais idosa se contaminar, pode ocorrer uma etnocídio já que muito conhecimento se perderá para sempre”, destaca a missionária do Cimi.
Os Avá-Guarani agora controlam a entrada e a saída de pessoas da Terra Indígena. Os trabalhadores do frigorífico estão em quarentena. (Foto: comunidade do Oco’y)
Diante da escalada de infectados na Terra Indígena, a partir do primeiro caso, no dia 17, de um indígena que trabalha no frigorífico, os Avá-Guarani decidiram adotar medidas de autoproteção com uma barreira sanitária para manter a comunidade em isolamento social. Celso Japoty, liderança do Oco’y, entende que essa é uma das maneiras de tentar conter o avanço do vírus e controlar entradas e saídas.
Em represália, na madrugada do sábado (20), entre 3 e 4 horas, um homem embriagado invadiu com um automóvel o Oco’y. “Ameaçou as lideranças indígenas e fez tiroteio no fundo da aldeia. Tá reclamando pelo fechamento da estrada. Chegou bêbado, ameaçou e deixou o carro na aldeia. Liguei para a polícia, mas disseram que tínhamos que ir até a delegacia fazer ocorrência”, conta Japoty.
Homem embriagado que atacou a Terra Indígena Oco’y abandonou o carro após atirar a esmo no fundo da aldeia. (Foto: comunidade do Oco’y)
A Repórter Brasil, em reportagem publicada nesta quarta-feira (24), destaca a responsabilidade dos frigoríficos no avanço da covid-19 em aldeias Guarani do Mato Grosso do Sul e do oeste do Paraná. Ernesto Galindo, pesquisador do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea), foi entrevistado pelas autoras da reportagem, Nataly Foscaches e Tatiane Klein. Ele afirma que os frigoríficos se tornaram principais vetores de disseminação da doença pelo deslocamento de trabalhadores entre diferentes municípios e aldeias.
“Os epidemiologistas se preocupam com o contágio no contato de pessoa a pessoa; a gente, com o contágio de uma aldeia para outra”, diz Galindo para a Repórter Brasil. Ele estudou a proximidade entre Terras Indígenas e os frigoríficos no Centro Sul, além do deslocamento intermunicipal dos trabalhadores entre cidades, conforme destaca o texto. Galindo concluiu que o número de casos de covid-19 é maior quanto mais perto as aldeias estão dos abatedouros.
A reportagem mostra ainda que enquanto os frigoríficos são vetores de contágio, a produção só aumenta. O setor foi o único da atividade econômica nacional a crescer no período analisado, mostra a Repórter Brasil. O abatimento de frangos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) cresceu 5% nos primeiros três meses do ano e superou o maior volume da série histórica, iniciada em 1987. Já o número de cabeças de suínos foi 5,2% superior ao mesmo período no ano passado.
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Covid-19 chega aos Avá-Guarani da TI Oco’y tendo frigorífico como vetor; barreira sanitária é atacada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU