12 Junho 2020
Serge Maucq, professor de Ética no Departamento de Teologia da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, fala sobre o desafio de realizar a visão profética da encíclica Laudato si' para o nosso mundo.
Maucq é dominicano e economista. Também é pároco da Igreja de Nossa Senhora da Esperança, em Louvain-La-Neuve.
O artigo foi publicado em La Croix International, 11-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Desde a sua publicação na solenidade de Pentecostes em 2015, a encíclica Laudato si’ do Papa Francisco tem sido uma grande inspiração. Focada no cuidado da casa comum, ela aborda, naturalmente, toda a humanidade.
Sem dúvida, nunca antes uma encíclica foi tão popular muito além de um público católico apenas. Ela despertou interesse entre cientistas e acadêmicos, pessoas de outras confissões e religiões cristãs e até mesmo não crentes.
Um mural que representa o Papa Francisco limpando o céu para remover a poluição: esse grafite, pintado em uma parede na cidade de Albano, na Itália, pelo artista Mauro Pallotta, se inspirou na encíclica Laudato si’ do pontífice (Foto: Vatican News)
No dia 24 de maio passado, no quinto aniversário do documento, o papa lançou o “Ano Especial de Aniversário da Laudato si’”. Ao mesmo tempo, ele anunciou um programa de sete anos para promover a sua implementação concreta.
O fato de tantas pessoas levarem a encíclica a sério levou a uma conscientização das questões em jogo.
Francisco pediu uma mudança de perspectiva que envolva o acompanhamento da criação, e não a sua dominação. A originalidade da sua abordagem reside na construção de uma ponte entre as ecologias ambiental e social.
O papa está convidando todos a se tornarem mais conscientemente guardiões da criação, assim como seus irmãos e irmãs na humanidade. Certamente, essa é uma encíclica “verde”, mas ela também está profundamente preocupada com a justiça social.
Os eventos excepcionais que o mundo vem vivenciando nos últimos meses são chocantes e perturbadores.
A percepção, martelada por Francisco, de que tudo está interligado tornou-se evidente. Um vírus desconhecido, enfurecido em um canto remoto da China, afetou o planeta inteiro em apenas algumas semanas.
A ideia de que a Europa não precisava se preocupar foi abalada por uma violência semelhante à negação dos primeiros dias. As viagens mundiais – facilitadas pelo embaçamento das fronteiras – de repente pararam. E os países começaram a fechar suas fronteiras nacionais por razões de saúde.
A humanidade se viu diante de um muro.
“Seguimos em frente a toda a velocidade, sentindo-nos fortes e capazes de tudo”, disse o papa no dia 27 de março, durante uma oração especial “Urbi et Orbi” na Praça de São Pedro. “Ávidos de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa”, disse ele.
“Não paramos diante dos teus apelos, não acordamos diante de guerras e injustiças planetárias, nem ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente doente. Prosseguimos destemidos, pensando que permaneceríamos sempre saudáveis em um mundo doente”, lamentou-se Francisco.
Este tem sido um duro despertar, e o papa vê a crise da saúde como um kairós, uma oportunidade para levar a Laudato si’ em longo prazo. Em um momento em que vemos a pandemia recuando, as pessoas naturalmente se perguntam o que acontecerá em seguida.
O ano de 2020 acabará sendo apenas um parêntese antes da volta ao normal? Ou a crise da saúde deslocará as linhas, provocando uma consciência duradoura da necessidade de uma ecologia integral?
Por quase três meses, o mundo tem examinado os números da pandemia, às vezes a ponto de ficar obcecado diante de um perigo que parece estar ao alcance das mãos. Mas, se esses números causam calafrios na espinha, eles são apenas a árvore que nos impede de ver a floresta de tantas outras coisas que causam a morte.
Desnutrição, poluição, mudanças climáticas e desigualdades globais estão matando cada vez mais pessoas todos os dias. Programas internacionais ambiciosos não são suficientes para combater essas tendências. Uma conversão ecológica global, por todos, é necessária para sustentar o desenvolvimento sustentável.
Francisco nunca deixa de nos lembrar que a humanidade deve recomeçar a partir da realidade tangível, da natureza como uma norma válida e um refúgio vivo. No espírito do diálogo com a sociedade, que ele promove constantemente, o papa quer atrair uma série de atores para o seu sonho.
A multiplicação de experiências frutíferas por meio de projetos inovadores e de redes de solidariedade pode mover placas tectônicas. O papa anunciou uma lista de ações apoiadas por um site especialmente dedicado a esse programa, em parceria com grupos como o Movimento Católico Global pelo Clima e o Renova+.
Ele criou sete grupos de trabalho para cumprir seu cronograma de sete anos. As famílias, a principal rede da sociedade, são mencionadas em primeiro lugar. Depois, escolas e universidades, dioceses e ordens religiosas, também os setores da saúde e da agricultura.
Em geral, e na linha do ensino social católico e da subsidiariedade, o papa olha para o setor sem fins lucrativos como uma ponte entre a autoridade pública e as empresas.
Ao estudar e refletir ainda mais sobre a Laudato si’ nos próximos anos com algumas centenas de estudantes universitários, descobriremos cada vez mais a riqueza da encíclica. Francisco espera que isso provoque muitas intuições diferentes, levando a novas formas de solidariedade criativa.
A verdadeira questão é se aqueles que ele convidou para esse projeto serão capazes de criar redes inovadoras para apoiar a visão profética da Laudato si’.
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Laudato si’: um programa de sete anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU