09 Junho 2020
Com cerca de 40 milhões de desempregados, cerca de 100 mil mortes pela Covid (que em novembro poderiam ser de 150 a 200 mil ou mais), os maiores tumultos raciais desde os tempos da Guerra do Vietnã e a maior crise econômica na história do capitalismo, quantas pessoas do bloco de apoio de Trump votarão nele em novembro? E, então, como ele vai ganhar as eleições?
O artigo é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim, na China. O artigo foi publicado por Settimana News, 07-06-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A vitória de Donald Trump há quatro anos provavelmente se deveu principalmente a dois elementos que hoje parecem estar ausentes, mudando, portanto, a delicada alquimia do poder estadunidense e colocando a política internacional dos EUA em uma posição delicada.
Um dos elementos foi atrair eleitores como um “homem contra o sistema”, em relação ao “sistema” personificado por Hillary Clinton, esposa de um ex-presidente e terminal de importantes interesses do país. O voto em Trump também queria ser um tapa no establishment.
Hoje, porém, o próprio Trump é o sistema e é tudo aquilo que não funciona no sistema, porque ele simplesmente é o presidente. Portanto, aquele voto poderia desaparecer.
Outra fonte de apoio mais importante é aquilo que Trump encontra nos EUA profundos, tradicionalistas, intimidados pela perda de identidade devido à chegada de imigrantes, pela própria contribuição com uma ordem mundial que parece empobrecer os EUA, em vez de enriquecê-lo. Mas esse bloco de consenso já pode ter sido afetado pela crise em curso e poderia ceder ainda mais nos próximos meses.
Com cerca de 40 milhões de desempregados, cerca de 100 mil mortes pela Covid (que em novembro poderiam ser de 150 a 200 mil ou mais), as maiores desordens raciais desde os tempos da Guerra do Vietnã e a maior crise econômica na história do capitalismo, quantas pessoas do bloco de apoio de Trump votarão nele em novembro? E, então, como ele vai ganhar as eleições?
Durante esses protestos, a Bolsa se segurou. Isso pode significar uma confiança em Trump, mas talvez também uma confiança na vantagem que o seu rival, Joe Biden, tem hoje, liderando as pesquisas em 10%.
Os protestos, em grande parte pacíficos, pelo assassinato pela polícia de um afro-americano, dizem como os EUA ainda sentem muito fortemente a divisão da ferida racial. Mas, acima de tudo, essas manifestações, os ataques às lojas, a violência são os modernos assaltos pelo pão de Manzoni.
De fato, as mortes pela Covid atingiram particularmente a parte mais pobre da população, aquela que não tem uma casa no campo para se abrigar em quarentena, que tem pouco ou nenhum acesso à saúde e que hoje perdeu o emprego ou tem um muito precário.
Para eles, sem perder nada, com o fim de todo trabalho legal ou ilegal (porque a Covid também afetou a economia ilegal), o ataque às lojas, praticamente sem impedimentos, também é um modo de vida, não só de raiva.
Além disso, isso não diz respeito apenas aos EUA. Nos últimos dois anos, houve um deslizamento cada vez mais rápido na direção de um confronto duro dos EUA com a China, que mudou os equilíbrios políticos globais. A ideia do Brexit, por exemplo, se baseava no pressuposto de relações fluidas e positivas entre EUA, União Europeia e China. Nesse triângulo, um Reino Unido mais livre de certas restrições europeias poderia desempenhar um papel especial como grande facilitador. Mas um achatamento do confronto EUA-China força a União Europeia e o Reino Unido a escolherem de que lado estar.
A União Europeia, portanto, se inclinará cada vez mais com os EUA, e nisso, por milhares de razões, o Reino Unido será mais útil para si e para outros dentro da União Europeia do que fora dela.
Além disso, especialmente no âmbito de um confronto com a China, os EUA não podem parecer “iliberais” porque perderiam algumas das suas armas mais importantes com Pequim: a defesa da liberdade, de serem justos, em favor de uma justiça equitativa, não em defesa do poder e dos ricos.
Cerca de 50 anos atrás, a perda da superioridade moral na América e no Ocidente, com as manifestações contra a Guerra do Vietnã, levou muito à retirada das tropas da Indochina. Esse foi um momento muito perigoso e delicado da Guerra Fria em que o Ocidente tinha medo de perder tudo. Somente o acordo com a China de Nixon em 1972 e o apoio aos Mujaheddin no Afeganistão contra os soviéticos no fim dos anos 1970 inverteram essa situação.
Hoje, como um presidente que parece divisivo poderá unir os EUA e os aliados mundiais sobre a China neste momento? Ou ele muda e consegue obter o apoio da outra metade do país, ou é preciso outro presidente, ou então, neste momento, os EUA vão coxos ao encontro de um desafio.
Para além das divisões sobre Trump, existe um consenso geral de que toda a série de eventos estadunidenses começou com a chegada do vírus da China.
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E se Trump não vencer? Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU