15 Mai 2020
Na França, o estado de emergência sanitária foi prorrogado até 10 de julho, e as medidas que restringem as liberdades impostas aos cidadãos são justificadas? Especialista em direito das novas tecnologias, o mestre Gérard Haas está preocupado.
A entrevista é de Corine Chabaud, publicada por La Vie, 11-05-2020. A tradução é de André Langer.
Durante o confinamento, tivemos que redigir um certificado para justificar cada deslocamento nosso. Nossas liberdades, a começar pelo direito de ir e vir, sofreram abusos?
O estado de emergência sanitária, previsto pela Constituição, confere poderes particulares mais importantes ao Primeiro-ministro; disso decorre uma certa limitação das liberdades. A questão é a seguinte: esta limitação é proporcional? Não há um sequestro das nossas liberdades? O chefe de governo não precisa mais de autorizações judiciais ou de debate democrático. Os cidadãos franceses, como em outros países, aceitaram isso, mas podem contestá-lo a qualquer momento por meio de recursos de urgência.
Um estado de emergência é aceitável apenas na medida em que é limitado no tempo. O problema é que às vezes é estendido; quando se é um defensor das liberdades públicas, teme-se que o poder traga esses dispositivos excepcionais para o direito comum e os costumes. O princípio principal é que o estado de emergência protege o interesse coletivo ou geral em relação às liberdades individuais e ao interesse particular – mas deve ser justificado e proporcional.
O governo complementou suas interdições com punições. Elas eram necessárias?
Podemos colocar a questão e nos perguntar se o confinamento era realmente necessário. O Estado tomou prerrogativas liberticidas durante esse período. Com o confinamento, perdemos a liberdade de ir e vir. Em seguida, foram necessárias autorizações para justificar seus deslocamentos; não ter uma tornou-se um delito. Incrível! Houve punições. Uma jovem foi vista sendo multada por dar água aos seus cavalos; é mais fácil multar pessoas assim do que os moradores dos subúrbios, que soltam fogos de artifício na cabeça da polícia. Às vezes, a polícia interpreta à sua maneira um texto que lhes dá poder.
Os legisladores, quando fazem leis, sabem que cerca de 5% das pessoas não as respeitam. Aqui, a taxa de infração ficou em torno de 6%; ou seja, no dia 11 de maio, depois do confinamento, foram realizadas quase 21 milhões de fiscalizações, para 1,1 milhão de multas. Isso mostra o grande número de cidadãos rebeldes. Mas, por causa deles, o Estado impôs regras que, para a maioria, eram difíceis de suportar. Houve prefeitos que adotaram o toque de recolher.
Essas restrições às nossas liberdades são justificadas?
Podemos nos perguntar se é normal sermos privados de nossas liberdades porque o Estado foi mal organizado. Finalmente, o verdadeiro julgamento que pode ser feito ao Estado diz respeito ao fato de que ele não previu a crise e, portanto, não foi capaz de responder a ela; por essa razão, ele escolheu o caminho autoritário e brutal. Privou-nos de nossas liberdades porque ele não estava preparado. Então ele contou mentiras sobre os testes, as máscaras, o estado de nossos estoques, etc. Ora, entre nossos direitos democráticos está o direito de se beneficiar de informações claras e reais, e não de adestramento. Além disso, é a primeira vez que um Estado intervém junto aos seus cidadãos, dizendo: “Tiramos suas liberdades em nome de uma doutrina científica”.
E o que dizer da vigilância dos cidadãos?
Tornou-se generalizada, terrestre e aérea, com o aparecimento dos drones. Eles foram usados pela polícia para monitorar os indivíduos, chegando a uma altura de até 40 metros. Alguns estavam equipados com alto-falantes e podiam ordenar que as pessoas fossem para casa. Também há casos de pessoas que foram multadas a partir da identificação por foto do céu. Essa maneira de multar apresenta um problema porque, quando as forças da ordem instalam um radar, as pessoas devem ser avisadas de que estão em um espaço onde estão sendo filmadas. No entanto, isso foi feito à revelia do seu conhecimento; durante esse período, as ratoeiras se juntaram aos espiões. O rastreamento também é problemático em relação à privacidade. Os mecanismos de vigilância generalizada devem ser pelo menos objeto de um debate democrático, o que não ocorreu. O estado de emergência serviu para contornar nossas liberdades.
O uso do aplicativo StopCovid será discutido no final de maio. Que perigo o rastreamento digital comporta para nossas liberdades?
O perigo é grande. Vimos pessoas sendo multadas porque possuíam comprovantes em papel e não digitais; então, já se tratava de nos rastrear, mesmo se nos disseram que o sistema era anônimo. Com o StopCovid, trata-se de rastrear as pessoas afetadas pela doença que desejam baixar esse aplicativo em seus smartphones. O debate concentrou-se no aspecto voluntário. Se o Estado pressionar para tornar esse sistema obrigatório, todos seremos espionados. É um espião e provocou um alvoroço. Mas o aplicativo não estava pronto, o Estado não chegou a um acordo com a Apple e o Google. Decidiu-se que a tecnologia utilizada seria o sistema Bluetooth, sem geolocalização. Por fim, será o médico que vai cuidar desse rastreamento, fornecendo as coordenadas das pessoas em contato com os pacientes.
É essencial que o StopCovid permaneça voluntário. Ser forçado a ter seu rastreador no bolso é terrível! As consequências seriam enormes. Seriam coletadas informações sobre seus movimentos e sua saúde. Mas como esse sistema seria protegido? Quem nos garantiria que essas informações não seriam compradas por seguradoras e banqueiros, ou que não seriam usadas contra nós se fôssemos classificadas como “pessoas em risco”? Não precisamos usar coleiras eletrônicas; não somos cães rastreados.
A Comissão Nacional de Informática e Liberdade (Cnil) está desempenhando seu papel hoje?
Um artigo de Philippe Bouchet, publicado no Le Monde em 21 de março de 1974, lançou o processo de criação, em 1978, da Cnil, para defender a saúde e as liberdades dos indivíduos contra a administração e seu registro. Hoje, o aplicativo StopCovid, em nome da saúde, gostaria de nos vigiar! A Cnil oferece soluções de anonimato e recomenda a tecnologia Bluetooth, mas, acima de tudo, defende a segurança do processamento de informações. Ela admite que podemos derrogar a noção de consentimento. Esta organização depende do governo, mesmo que seja independente. Ela tem reservas, mas mantém uma perspectiva política. A Cnil poderia ser mais exigente e categórica; dizer que este instrumento é desproporcional, porque estamos lidando com dados de saúde particularmente sensíveis. A Cnil faz de conta que trabalha.
Do ponto de vista do cidadão, muitas dessas medidas parecem abusivas.
É verdade. Mas houve recursos judiciais que não tiveram êxito. A Liga dos Direitos Humanos e a Quadrature du Net, por exemplo, entraram com um recurso de urgência no tribunal administrativo contra a vigilância por drones, mas o recurso foi rejeitado devido ao estado de emergência sanitária. Conta-se com o apoio de cientistas, médicos, e isso é um problema – se você se apoiar em uma seguradora, sempre dirão que o risco zero não existe. Esse estado de emergência foi estendido até 10 de julho.
A lei prevê seu uso desde que o princípio da precaução foi adotado em 2011; adquiriu valor constitucional. Mas deve ser confinado a uma duração, ser reversível e proporcional. Se o princípio da precaução tivesse funcionado, deveríamos ter tido nossas máscaras e testes. Por razões orçamentárias e escolhas políticas, esse não foi o caso... O homem doente não tem mais os mesmos direitos – mesmo no país dos direitos humanos.
Então, nossas liberdades serão enfraquecidas por essa epidemia?
Este período de confinamento deve nos alarmar. Vivemos a grande experiência nacional da introdução de novas tecnologias; devemos nos dar conta de que elas têm um poder fenomenal. A superferramenta democrática de acesso ao conhecimento, que facilita nossas vidas, também pode reduzir nossas liberdades; é uma arma absoluta para as ditaduras. Quando vemos como é usada na Ásia, na Rússia ou em outros lugares, devemos desconfiar e entender que devemos introduzir um direito à limitação dos instrumentos digitais.
Martelam os nossos ouvidos com a inteligência artificial, mas ela não estava em condições de prever esse desastre sanitário! Devemos refletir sobre os meios utilizados para controlar os indivíduos durante o estado de emergência. O poder, uma vez que tomou gosto por esses controles, deseja ampliá-los. O cidadão deve obter uma garantia da neutralidade dessas ferramentas. Deve permanecer vigilante em uma sociedade que lhe tira suas liberdades, mas leva tempo para devolvê-las.
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“Nossas liberdades foram suprimidas porque o Estado foi mal organizado”. Entrevista com Gérard Haas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU