27 Abril 2020
A Coreia do Sul pode ser ingênua e estar extremamente ansiosa, os EUA podem estar ansiosos para minar a Coreia do Norte, mas a China está definitivamente interessada na estabilidade da Coreia do Norte.
O artigo é do sinólogo italiano Francesco Sisci, professor da Universidade Renmin, em Pequim, na China, foi publicado em Settimana News, 26-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dias após uma primeira reportagem [1], notícias do falecimento de Kim Jong-un, líder do reino comunista eremita da Coreia do Norte, estão vindo à tona. Mesmo antes de uma confirmação oficial, um consenso internacional está se formando em torno do fato de que Kim, o terceiro de sua dinastia, está com morte cerebral.
No entanto, é verdade que ninguém pode confiar realmente em nenhuma fonte ao lidar com a Coreia do Norte, com uma longa história de fake news artificiosamente plantadas para semear confusão, chamar a atenção e aumentar seu espaço de manobra entre parceiros e vizinhos atentos [2].
De fato, existe um precedente muito preciso. Em 1986, alto-falantes na fronteira com o Sul anunciaram a morte do então líder norte-coreano Kim Jong-il. A Coreia do Sul acreditou na história e colocou suas forças armadas em alerta, mas alguns dias depois Kim ressurgiu constrangendo todo mundo.
Foi um momento difícil. A Coreia do Norte estava perdendo o apoio da URSS. Moscou, que estava à beira da falência e no meio das reformas de Gorbachev, praticamente interrompeu sua ajuda à Coreia do Norte, e Pyongyang era inteiramente dependente do apoio chinês.
A China, então muito mais pobre do que hoje, não tinha muito a perder para o aliado do norte. Além disso, a Coreia do Sul estava no meio de seu processo de democratização; ela sediou os Jogos Asiáticos e venceu a disputa para sediar as Olimpíadas de 1988. Pyongyang, com a sua estratégia, roubou um pouco de vento das velas da Coreia do Sul.
Agora, pode-se dizer que existem circunstâncias semelhantes. A amarga rixa em espiral entre os EUA e a China, e a disseminação do coronavírus empurraram a Coreia do Norte para longe dos holofotes. Pyongyang pode querer recuperar alguma atenção vazando a história para sul-coreanos sempre ingênuos, que a apimentam e a repassam, e, em poucos dias ou semanas, Kim Jong-un, terceiro da sua dinastia, reaparecerá mais gordo do que nunca.
Diante dessa hipótese, porém, existem outras considerações, além da confiança que se pode depositar em suas próprias fontes.
Algumas das notícias e dos detalhes mais interessantes vêm da China, e não da Coreia do Sul ou dos EUA. A Coreia do Sul pode ser ingênua e estar extremamente ansiosa, os EUA podem estar ansiosos para minar a Coreia do Norte, mas a China está definitivamente interessada na estabilidade da Coreia do Norte.
Pequim já tem uma série de problemas com os EUA, lutando contra o coronavírus e evitando a luta interna pelo poder. Ela não tem o tempo e a paciência para acrescentar mais alguns problemas ao seu prato, especialmente problemas espinhosos como os da Coreia do Norte.
Além disso, Kim, o Terceiro, na verdade, desapareceu por quase duas semanas. Isso seria bastante problemático em circunstâncias normais. No entanto, comparando o agora a 1986, quando a Guerra Fria estava terminando, os laços entre URSS-EUA estavam se aquecendo, e os laços China-EUA eram dourados, há uma grande tensão globalmente e na região.
Diferentemente de 1986, a Coreia do Norte tem mísseis balísticos que podem alcançar a metade do mundo e algum tipo de arsenal nuclear. Diante desse cenário, as apreensões evanescentes sobre Kim e Pequim são razões suficientes para ficar extremamente preocupadas com quem tem o dedo nessas armas nucleares. Há 70 anos, a Guerra Fria começou com a guerra muito quente na Coreia. A Coreia pode se tornar o pavio do verdadeiro início da Segunda Guerra Fria?
Kim Jong-un alcançou um delicado equilíbrio entre grandes potências e vizinhos. Esse equilíbrio, por si só, está desmoronando após o azedamento dos laços entre EUA-China. Nessa situação, mesmo um pequeno movimento na Coreia do Norte assustará a todos. Como resultado, a ausência pública de Kim é extremamente sensível.
Tudo isso são boas razões para se estar extremamente preocupados e levar a sério relatos seriamente informados sobre a partida de Kim. Pequim pode estar muito nervosa com as possíveis manobras estadunidenses ou sul-coreanas no Norte em um momento como este.
Esse é o verdadeiro ponto de toda a história e a questão para o futuro. Se os EUA e a Coreia do Sul, de alguma forma, estão girando em torno da luta pela sucessão no Norte, isso mudaria muitas coisas em Pyongyang e também em Pequim.
1. Cf. Il Sussidiario.
2. Cf., por exemplo, Asia Times.
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Kim está morto? Artigo de Francesco Sisci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU