22 Abril 2020
Os aplicativos para rastrear os contatos entre as pessoas e, assim, conter a pandemia, chamados de “contact tracing”, não parecem ter paz. Enquanto em todo o mundo as pessoas os estão adotando, mais de 300 acadêmicos e pesquisadores, nove dos quais trabalham na Itália, lançam um apelo para que não se tome a direção errada.
A reportagem é de Jaime D’Alessandro, publicada em La Repubblica, 20-04 -2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Estamos preocupados que algumas soluções (...) se traduzam em sistemas que permitiriam uma vigilância sem precedentes da sociedade”, escrevem na carta aberta. “Devemos garantir que eles preservem a privacidade.”
Na mesma carta, lembram-se as diretrizes da Comissão Europeia, às quais o aplicativo italiano “Immuni” adere, mas se teme que nem todos as sigam.
Em particular, os 300 especialistas apontam o dedo para um aspecto, o do sistema de coleta de informações, que eles gostariam que fosse descentralizado, enquanto alguns países, como França e Alemanha, estão caminhando rumo à centralização.
“E isso é perigoso”, explica Dario Fiore, de Madri, pesquisador siciliano de 37 anos da Imdea, um dos porta-vozes da petição. “Somente um sistema descentralizado impediria que amanhã se usassem essas informações de modo equivocado.”
Demos um passo atrás. Os aplicativos de rastreamento baseados no bluetooth que seguem as diretrizes da Comissão Europeia, incluindo o “Immuni”, poderão ser baixados voluntariamente e não requererão nenhuma forma de registro. Uma vez instalados, eles geram um código independente da nossa identidade, começando depois a compilar um registro criptografado das proximidades ocorridas com outros celulares, usando o sinal de bluetooth. Não será possível “rolar” o registro, e, mesmo que alguém conseguisse, se encontraria diante de sequências alfanuméricas.
Qualquer pessoa que testar positivo para a Covid-19 receberá a mensagem de alerta no aplicativo da equipe médica após o teste. Nesse momento, será enviado um alerta a todos aqueles que poderiam estar em perigo, mesmo que o interessado não tenha como saber quem e quantos são. Ele irá para aqueles que estiveram em contato por um certo período de tempo e a uma certa distância. Depois de superada a pandemia, todos os dados deverão ser deletados.
“Mas uma coisa é conservar essas informações em um servidor central, outra é ter no servidor apenas o código de quem testou positivo, e depois os outros celulares se conectam periodicamente para controlar se o encontramos, sem transferir qualquer dado nosso”, continua Fiore.
Ele e seus colegas não estão tão preocupados com aquilo que poderia ocorrer hoje, mas sim com aquilo que poderia ocorrer amanhã também nos países democráticos, à luz dos escândalos levantados no passado por figuras como Edward Snowden.
Não sabemos qual solução foi escolhida na Itália, apenas que a empresa Bending Spoons por trás do aplicativo “Immuni” adere ao consórcio Pan-European Privacy-Preserving Proximity Tracing (Pepp-PT), criado para desenvolver soluções de “contact tracing”.
Na semana passada, o consórcio parece ter arquivado sem explicações o projeto Dp-3T, que visava à descentralização. E é isso que levantou a suspeita de parte da comunidade científica que agora pede aplicativos open source, para que todos possam ver como funcionam.
Deve-se dizer que, em âmbito privado, do Google ao Facebook, até as empresas de telecomunicações, os dados sobre a nossa mobilidade são coletados há anos. Tanto a Apple quanto o Google, que detêm o monopólio dos sistemas operacionais de celular, poderiam ter um mapa preciso do que o bluetooth percebe. Sem esquecer que o Estado obviamente tem as informações que nos dizem respeito, embora não dos nossos deslocamentos.
Mas basta que um país – estamos falando da França e da Alemanha – possa conservar apenas temporariamente esses dados durante uma emergência sanitária para levantar a suspeita. Excluindo a questão puramente técnica e de Estados totalitários ou semitotalitários que certamente não precisam de um aplicativo para serem totalitários, esse é um alerta para a credibilidade das instituições e da própria política.
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Carta aberta de 300 cientistas: “Cuidado com a coleta de dados dos aplicativos antipandemia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU