Por: Wagner Fernandes de Azevedo | 12 Fevereiro 2020
A crise política da Nicarágua protagonizada hoje pelo presidente Daniel Ortega e sua vice-presidente e esposa Rosario Murillo não é um fato único na história do país, tampouco um exemplo suficiente para que não ocorram governos autoritários no futuro. Esses avisos foram ressaltados pela Igreja nicaraguense nessa semana, que historicamente exerceu um papel fundamental nas tensões políticas do país. “É preciso trabalhar em reformas eleitorais”, advertiu dom Rolando Álvarez, bispo de Matagalpa, em missa no último domingo. Na segunda-feira, a Arquidiocese de Manágua também emitiu um comunicado oficial reforçando essa posição e alertando para que a oposição não se resuma a nomes de candidatos.
O casal Ortega-Murillo tem manifestado nos últimos anos que o clero nicaraguense é um dos principais inimigos do governo. Acusações de fascismo e somozismo já partiram publicamente do mandatário, que completa 13 anos ininterruptos na presidência do país. A perpetuação no poder, com toques dinásticos, é a causa principal da crise política que se instaurou no país desde abril de 2018. Os diálogos entre governo e grupos oposicionistas ainda não rendeu soluções e os conflitos nas ruas já somam 648 mortes, segundo dados da Associação Nicaraguense Pró Direitos Humanos – ANPDH.
A principal requisição dos grupos opositores, com coro da Igreja Católica e da Organização dos Estados Americanos – OEA, é o de antecipação das eleições presidenciais, que estão agendadas para novembro de 2021. O argumento principal são as denúncias de fraudes nos últimos dois pleitos, 2011 e 2016, por manipulação da Corte Suprema, que com mandato vencido, modificou a Constituição possibilitando a reeleição, e pela cassação de candidaturas de oposição, assim como a proibição de observação e auditoria por representantes internacionais.
Ortega jamais aceitou a proposta de adiantamento das eleições, segundo o presidente, essa era uma declaração de golpe. A Conferência Episcopal da Nicarágua era responsável pela mediação do diálogo, mas foi acusada pelo orteguismo de ser promotora do golpe. A guerra instaurada entre manifestantes e governo chegou também às Igrejas, resultando em ataques e assédio de milícias sandinistas durante missas. O papa Francisco, que apoiou a participação dos bispos no diálogo nacional, convocou o bispo-auxiliar de Manágua, dom Silvio José Báez, para se mudar para o Vaticano, devido às constantes ameaças que recebia.
No entanto, os problemas políticos do país são históricos, como ressaltou dom Rolando Álvarez: “na Nicarágua não há um só partido que não tenha uma dívida histórica com o povo, que agora devem pagá-la".
Durante a sua homilia na missa do último domingo, na catedral São Pedro, de Matagalpa, Álvarez fez menção ao comunicado divulgado pelos partidos de oposição que juntos pedem reformas no sistema político. Para o bispo a postura deve ser de trabalho sério, silencioso e efetivo por elas: "Os partidos devem trabalhar juntos, pelas justas e necessárias reformas eleitorais, integrais, no marco das leis da Constituição do país, permitindo aos nicaraguenses o exercício dos direitos humanos mais universais e básicos, de eleições justas, livres e transparentes, com observação nacional e internacional com respeito ao voto".
O bispo alertou que "alguns esperam por algum impacto social para imediatamente saírem à frente do povo como os grandes defensores das lutas sociais". Asseverou que "não é tempo de fotos, não é o tempo de candidaturas - como alguns grupos estão fazendo. É preciso trabalhar nessas reformas. Inclusive a OEA tem uma dívida política e social com a Nicarágua."
Do mesmo modo, a Arquidiocese de Manágua emitiu um comunicado, na segunda-feira, ressaltando a necessidade das reformas. Para a Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese, as reformas acendem uma “luz de esperança”, ainda que seja “uma luz ameaçada por protagonismos e ambições pessoais e de certos grupos”.
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Nicarágua. Políticos, partidos e OEA estão em dívida com o povo, cobram os bispos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU