18 Outubro 2019
A Pontifícia Universidade Católica do Equador - PUCE acolheu as comunidades indígenas que participaram dos protestos da semana passada em Quito, o jesuíta Fernando Ponce León, reitor da Universidade, explica à comunidade e à opinião pública as razões de sua hospitalidade.
A nota é de Fernando Ponce León, S.J., reitor da PUCE, publicada por CPAL Social, 16-10-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo
Na semana passada, o país viveu dias de violência nunca vista anteriormente, que afetou a todos nós de diversas maneiras. Nesse contexto, aceitei que a PUCE se transformasse em uma zona de paz e acolhida humanitária. Creio que devo informar à comunidade universitária sobre essa decisão.
Na segunda-feira, 07 de outubro, recebi um pedido de alojamento da comunidade de Zumbahua, Cotopaxi, onde realizamos projetos de vinculação com a comunidade. Julguei que era questão de reciprocidade recebe-los na universidade, dado que esta comunidade esteve sempre aberta a receber nossos estudantes para suas práticas de envolvimento social.
Tive muitas dúvidas, confesso. Pensei nas dificuldades logísticas que viriam, nas reações contrárias que este fato produziria, na imagem da instituição frente à sociedade quiteña e ao país. Porém fazendo um balanço mais sóbrio durante oito dias, creio que fizemos o correto como universidade ao abrir as portas aqueles, que bem sabemos, vinham a participar da greve nacional, por se sentirem afetados pelas decisões de políticas públicas.
Quando digo que não fizemos o correto, me refiro aos 194 voluntários diários – estudantes e ex-alunos da PUCE, principalmente, porém não exclusivamente – que se fizeram presentes para gerir eficazmente esse albergue, prestar ajuda módica em pontos fixos e retirar brigadas módicas avançadas nas zonas de maior emergência. Foi um “nós” muito sólido e solidário, do qual eu me sinto muito orgulhoso, e que teve resultados muito concretos.
Em primeiro lugar, ofereceremos alojamento, alimentação, e cuidados de saúde a um grupo variado, que de início foi de duzentas pessoas e em seu momento culminante chegou a ser de 1400 hóspedes, aproximadamente. Atendemos doentes e feridos (1601 atenções) que de outra maneira tivesse ficado desprotegidos. Dêmos acolhida a aproximadamente de 1200 pessoas (incluídos 50 meninos e meninas), em colaboração com a UNICEF e à associação ARNA. Terminamos acolhendo aos povos do campo de Chugchillán, outra comunidade onde realizamos projetos de envolvimento com a coletividade, de outras partes de Cotopaxi, e de várias comunidades de Imbabura e Chimborazo, principalmente.
Em segundo lugar, conseguimos mediar em situações difíceis. Do que sei por agora, nossos estudantes, ex-alunos e docentes voluntários interviram em pelo menos duas situações críticas nas ruas com o fim de baixar as tensões, e conseguiram.
Na manhã da quinta-feira, 10 de outubro, os manifestantes tomaram um carro patrulha na rua Mena Caamaño, que é a continuação da Veintimilla para o leste. Em um primeiro momento, nosso pessoal conseguiu voltar à polícia que o conduzia, são e salvo, aos seus. Minutos depois, alguns administrativos e trabalhadores nossos resgataram um tenente coronel da polícia que, por querer dialogar, terminou rodeado por uma turba hostil. Lhe deram refúgio na Direção de Identidade e Missão, e o ajudaram a voltar com segurança a sua base. Com essa intervenção se conseguiu evitar, que se queimasse o carro patrulha nesse dia e no seguinte.
O segundo incidente ocorreu ao anoitecer de 12 de outubro. Na esquina da avenida 12 de Outubro e Mena Caamaño, se concertou um grupo de 96 policiais, aproximadamente, enquanto que a uns 80 metros ao leste, um grupo de 30 escudeiros e 200 manifestantes se apresentava para combater. Valentes estudantes de medicina, enfermagem, fisioterapia e de outras faculdades, mais alguns ex-alunos, criaram duas filas de contenção com cartazes que diziam “zona de paz e acolhida humanitária”, frente cada grupo, enquanto trabalhadores e administrativos ajudavam ao diálogo entre ambas partes. Durante duas horas de alta tensão, os manifestantes se dissolveram, alguns ingressaram no albergue da Universidade Politécnica Salesiana, e a polícia voltou a sua base em que tivesse produzido nenhum enfrentamento entre as pessoas.
Em terceiro lugar, contribuímos para a aproximação de posições entre o governo e as organizações líderes da greve nacional. A Universidade Politécnica Salesiana, a Escola Politécnica Nacional, a Universidade Central e a PUCE mantivemos contatos, assistimos às reuniões que nos convocaram, resolvemos outras, sempre com a finalidade de que os argumentos de uma parte fossem ouvidos pela outra. Em todo momento estivemos em permanente contato com as Nações Unidas, cuja tarefa nos propusemos complementar. Prova de nossa neutralidade é que tanto o governo como algumas organizações indígenas nos chamaram em ocasiões difíceis para passar mensagens à outra parte. Ao contrário, ambas partes estiveram muito abertas a nossos pedidos e reclamos quando transbordavam nossas capacidades de resolução.
Finalmente, começamos a construir o campus Quito, esta nova zona urbana, acadêmica e cultura, constituída pela proximidade física de nossas três universidades. Desde o primeiro dia, ajudei ao Vice-Reitor da Universidade Politécnica Salesiana a solicitar conselhos no manejo dessa crise. Nos dias seguintes, os quatro reitores mantiveram posições conjuntas para o manejo da crise em suas frentes humanitária, comunicacional e de facilitação do diálogo. Saímos fortalecidos como universidades irmãs, duas públicas e duas particulares.
Nossos estudantes e a própria universidade estiveram em risco? Sem dúvida, não deve ser ocultado. Porém, de nossos professores, funcionários administrativos e alunos, nasceu uma liderança muito sensível que reduziu significativamente os riscos. Continuamos concentrados no coliseu e nas áreas próximas, com brigadas médicas protegidas, principalmente em El Arbolito e Ágora, da Casa de la Cultura, e apenas com as intervenções nas ruas que narrei. Mas, no total, os melhores cuidadores dos estudantes eram eles mesmos, independentemente de suas faculdades e universidades, porque deve ser dito que também havia voluntários da UDLA, São Francisco, Universidade Central, UTE, UIDE, pelo que pude ver.
A universidade correu e corre o risco de afetar sua imagem, é verdade. No entanto, devemos nos perguntar que imagem queremos mostrar e para quem devemos parecer bons, quando não podemos gostar um do outro. Pela nossa essência, somos uma universidade muito comprometida com o serviço e a solidariedade, e cujo objetivo é formar jovens conscientes, competentes, compassivos e comprometidos. Certamente haverá mal-entendidos na mesma comunidade universitária e no exterior, devido a informações insuficientes, desinformação ou diferenças de opinião sobre as causas e a razoabilidade do desemprego, do movimento indígena, do governo e de outros atores políticos, etc. No entanto, estou convencido de que agimos de acordo com nossa identidade, missão e valores, e muito alinhados com a inspiração cristã e a oração católica de serviço aos excluídos de nosso país, hoje necessitando de reconciliação e recuperação.
Riscos houveram, porém evitamos o maior deles: o de ficar como uma universidade incoerente consigo mesma, em meio a uma crise nacional. Infinitos agradecimentos a todos que apoiaram a universidade com suas orações, pensamentos, doações e de mil outras maneiras. Que Deus lhes pague!
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Equador. Comunicado da Pontifícia Universidade Católica do Equador sobre a acolhida dos manifestantes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU