18 Setembro 2019
Juana e Valentina compartilham o mesmo pertencimento latino-americano. No restante, suas vidas não poderiam ser mais diferentes. Juana nunca se mudou de Juli, pequeno vilarejo às margens do Lago Titicaca, no Peru. Lá ela se casou duas vezes e por duas vezes foi abandonada, sofreu as agressões e as sevícias de homens violentos, deu à luz a seus seis filhos e viu um deles morrer logo após o nascimento. Seu corpo repousa na área coberta de inço em frente ao seu barraco, entre o lixo onde circulam dois grandes porcos pretos. Valentina, mexicana de nascimento, é uma vaticanista respeitada. Ela vive e trabalha em Roma como correspondente da Televisa e viajou pelo mundo, acompanhando João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco em suas peregrinações internacionais. Nunca esteve, no entanto, em Juli.
A entrevista é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 17-09-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O encontro com Juana aconteceu graças a um homem, Luigi Ginami, sacerdote de Bergamo, que percorreu de cima abaixo todo o sul do planeta, acendendo pequenas luzes de esperança com a Fundação Santina. "Dom Gigi entrou em contato comigo há alguns anos para me pedir para escrever o prólogo de um livro sobre Juana. Sua história foi um soco no estômago. A imagem dela enterrando seu bebê no local onde estão os porcos, ainda hoje me causa dor", conta Valentina Alazraki.
Aquele "soco" abriu um novo caminho na vida do jornalista. “Lembrei-me de uma conversa que tive muitos anos atrás com minha mãe, uma mulher italiana extraordinária, apaixonada pelo México e pelas mexicanas. Naquela vez, eu estava no início da minha carreira, ela me pediu para não esquecer as mulheres do meu país. Os compromissos profissionais, com o tempo, passaram para o segundo plano aquela promessa. Juana a fez ressurgir. Senti que tinha uma dívida com minha mãe, graças à qual me tornei o que sou. E com mulheres que não tiveram a minha sorte”.
Con Grecia e le altre. Donne di speranza contro la violenza (Com Grécia e as outras. Mulheres de esperança contra a violência, em tradução livre, escrito em parceria com Luigi Ginami e publicado recentemente pela San Paolo (p. 204, 18,00 euros), Valentina Alazraki começou a saldar a sua dívida. O livro reúne treze histórias de mulheres, de várias partes do mapa do mundo - do México ao Vietnã - que tiveram a coragem de resistir ao mal, à morte e ao desespero. Salvando a própria humanidade.
Suas treze protagonistas foram marcadas a fogo pela violência. No entanto, esta última fica em segundo plano.
Não queríamos escrever um livro sobre a violência, mas sobre a capacidade muito feminina de seguir em frente, mesmo diante das situações mais difíceis. Não gosto do estilo escandaloso, temperado de detalhes de horror. Como jornalista, tento sempre contar o lado humano das pessoas e das situações. Também dos Papas tento descrever a humanidade. Fiz isso ainda mais nesse livro. Eu me posicionei com as entrevistadas de mulher para mulher. Nem sei se seria correto chamar de entrevistas: conversamos por um longo tempo, sem filtros. Elas me presentearam com seu testemunho, sua confiança, suas lágrimas. Tentei não as trair contando todos seus aspectos, não apenas seu lado como vítimas, mas também como lutadoras. Elas me ensinaram muito.
O que em particular?
Fiquei impressionada com a força delas. Grécia e as outras não se resignaram à dor. Nem ao desespero. Nem mesmo ao ódio. Todas elas me disseram que não queriam vingança ou mal para aqueles que as haviam feridas na maneira mais horrível. Foi bom para mim conhecê-las: eles me mostraram que a vida é sempre mais forte que a morte.
Se tivesse que contar apenas uma das muitas histórias do livro, qual escolheria?
A de Gaby, cuja filha foi morta, uma jovem eliminada por uma violência brutal e sem sentido. Existem substantivos para quem perdeu um dos pais ou o cônjuge: órfãos ou viúvos. Mas não há palavra para uma mãe ou pai que perdeu um filho. Talvez porque não haja nada tão antinatural, talvez porque nenhum pai deveria sobreviver ao filho. No entanto, Gaby conseguiu transformar sua grande dor em bem, criando uma associação para prevenir a criminalidade ...
Grécia também é mãe ...
Sim, ela é uma mãe no oitavo mês de gravidez que vê seu marido ser morto diante de seus olhos E precisa socorrê-lo, levá-lo ao hospital sozinha e sem ajuda. Em Acapulco, um dos epicentros da narcotráfico mexicano, as pessoas são aterrorizadas demais para ajudar as vítimas. Grécia, no entanto, consegue permanecer lúcida justamente para proteger a criança que deve nascer. Fiquei muito impressionado com seu diálogo com o “barrigão” no carro, enquanto corre em direção à clínica. Ela conta sobre seu desespero, sua raiva em relação ao mundo e também a Deus. Na entrevista, no entanto, ela fica mais serena. E encontra a paz graças a outra mãe, a Virgem de Guadalupe, de quem leva uma imagem no carro, grávida como ela.
Você levou a voz e o rosto dessas mulheres também ao papa Francisco. Não uma, mas duas vezes ...
Durante os voos internacionais, o Papa Francisco vem nos visitar na seção dedicada aos jornalistas. É um dos momentos mais especiais da viagem: não há perguntas profissionais, apenas um contato humano. Na viagem ao Chile, aproveitei para lhe dar o livro de Dom Ginami sobre Juana. E sei que ele o leu, porque eu o ouvi conversando sobre isso com um bispo de Juli. Ele disse: "Fiquei impressionado com a pobreza do seu povo, a dor do seu povo". Naquele momento, me senti feliz por Juana, redimida da invisibilidade. Em maio, tive a honra de entrevistar o Pontífice. Naquela ocasião, dei-lhe a camiseta de Rocío, morta na frente do filho, para que ele pudesse se lembrar de todas as mulheres vítimas de violência, no México e no mundo. O papa a pegou na mão e começou a falar sem nunca a largar. No final da entrevista, quis concluir com um pensamento para Rocío. "Mais do que uma camiseta, é uma bandeira - disse ele -, uma bandeira do sofrimento de tantas mulheres que dão vida e dão a vida e que passam sem um nome".
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Contra a violência, a coragem das mulheres. Entrevista com Valentina Alazraki - Instituto Humanitas Unisinos - IHU