17 Agosto 2019
"Ao final, todos perdemos. Apenas começa-se a conhecer os impactos na saúde gerados pela poluição do ar, com novas revelações de problemas cerebrais, abdominais e nos órgãos reprodutivos, para além de coração e pulmão", escreve Roberto Andrés, arquiteto, professor na UFMG e editor da revista Piseagrama, em artigo publicado por Outras Palavras, 15-08-2019.
Inalar por duas horas o ar da capital paulista equivale a fumar um cigarro. No mundo, a poluição mata 800 pessoas por hora. Em SP, mais que câncer de mama ou aids — isso, sem falar nos acidentes. Mas governos fecham os olhos para o problema…
Passei o primeiro semestre fora do Brasil, desenvolvendo minha pesquisa de doutorado junto à Universidade de Estudos de Florença, na Itália. Foi um período de aprendizado – e de uma vida mais tranquila, em que minhas filhas iam de bicicleta para a escola e brincavam na rua.
A Itália tem uma das maiores taxas de motorização (percentual de carros por habitantes) da Europa, bem mais alta que a brasileira. Mas em muitas regiões do país há políticas urbanas efetivas, dentre elas a restrição ao uso de automóveis nos centros. Assim, muitas cidades são amigáveis para quem caminha ou pedala.
De volta ao Brasil, me deparo com a enormidade de carros atravessando diariamente o centro de Belo Horizonte. O trânsito, doente, agoniza na estridência das buzinas. A perda de tempo e a frustração coletiva são evidentes.
Morando na região central, temos andado muito a pé, de ônibus ou bicicleta. O ar poluído seca a garganta, notamos já no primeiro dia. Com o passar do tempo, habitua-se. Mas isso não é normal: as cidades brasileiras têm níveis altíssimos de poluição do ar.
Monitoramento feito na Praça Rui Barbosa, no centro de Belo Horizonte, mostra que ano a ano a quantidade do poluente MP10 excede os níveis recomendados pela Organização Mundial de Saúde (20 mg/m3). Mesmo os níveis tolerados na legislação nacional, que é mais permissiva (50 mg/m3), foram excedidos em 2011. Com o aumento da frota, a tendência é a situação ter piorado nos anos recentes.
Na imensa maioria das cidades brasileiras, o monitoramento da qualidade do ar não é sequer feito. Onde há monitoramento, os índices estão nas alturas.
Segundo um estudo do Instituto Saúde e Sustentabilidade, coordenado pelo médico e professor da USP Paulo Saldiva, o total de óbitos causados pela poluição do ar em São Paulo (11.200, em 2015) é maior que as mortes causadas por acidentes de trânsito (7.867), câncer de mama (3.620) ou aids (2.922).
Inalar o ar da capital paulista por duas horas equivale a fumar um cigarro. Somos todos fumantes compulsórios. Doenças como arritmia, infarto do coração e derrame cerebral representam 80% dos efeitos da poluição do ar, que está também relacionada à metade dos casos de pneumonia em crianças.
Segundo a Organização Mundial de Saúde, a OMS, ocorrem 7 milhões de mortes prematuras ao ano em função da poluição no mundo – 800 pessoas por hora. Os mais afetados estão em países da África, Ásia e América Latina, onde as frotas são mais poluentes e o uso de automóveis é corriqueiro.
Sim, o automóvel é o principal causador de poluição em cidades, respondendo por 65% das emissões do trânsito. Um estudo do IPEA mostra que carros poluem 36 vezes mais que metrô e 9 vezes mais que ônibus para transportar o mesmo número de passageiros pela mesma distância.
O perverso do modelo do automóvel é que ele privatiza os benefícios e socializa os prejuízos. Enquanto carros são os grandes poluidores, motoristas são bem menos afetados do que pedestres, categoria que mais respira ar poluído e menos polui. Como dá pra imaginar, os mais afetados são os mais pobres, que passam mais tempo em trânsito.
Ao final, todos perdemos. Apenas começa-se a conhecer os impactos na saúde gerados pela poluição do ar, com novas revelações de problemas cerebrais, abdominais e nos órgãos reprodutivos, para além de coração e pulmão.
Soluções? Basta seguir as diretrizes da Organização Mundial de Saúde: investimento em transporte coletivo, com corredores exclusivos e redução da tarifa, em ciclovias, em áreas verdes urbanas, tecnologias menos poluentes e restrições a automóveis.
Infelizmente, nada disso tem sido prioridade. As prefeituras têm avançado pouco. Em Belo Horizonte, não há notícias da retomada das ciclovias e corredores exclusivos e a tarifa de ônibus está nas alturas. Já o governo federal tem aumentado a tarifa do metrô (o que retira usuários do meio de transporte mais ecológico) e flexibilizou o controle de emissões por motocicletas, favorecendo poucos empresários em detrimento da saúde da população.
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Quantos anos o automóvel rouba de sua vida? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU