07 Agosto 2019
A SAB – Sociedade de Arqueologia Brasileira, atenta e preocupada com a proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, decorrente do PL – Projeto de Lei nº 3.729/2004, vem a público manifestar posição em relação à terceira versão do texto da proposição. Anteriormente, no dia 12/07/2019, a Associação havia se manifestado sobre o assunto e, em seguida, solicitado participação em audiência do GT – Grupo de Trabalho que trata da matéria na Câmara dos Deputados, sob a coordenação do deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP).
Inicialmente, importa registrar que nesta terceira versão consta menção explícita a leis referentes à proteção do patrimônio arqueológico nacional, como é caso da Lei nº 3.924/1961, citada no Art. 40, Seção 7 – Da Participação das Autoridades Envolvidas, apresentado na sequência.
Art. 40. A participação, no licenciamento ambiental, das autoridades envolvidas referidas no inciso IV do art. 2º desta Lei ocorre nas seguintes situações:
I – observados os limites fixados no Anexo 1, quando na ADA [Área Diretamente Afetada] ou na área de influência existir:
a) terra indígena com portaria de declaração de limites publicada; ou
b) área que tenha sido objeto de portaria de interdição em razão da localização de índios isolados;
II – observados os limites fixados no Anexo 1, quando na ADA ou na área de influência existir terra quilombola titulada;
III – quando na ADA existirem bens culturais protegidos pela Lei nº 3.924, de 26 de julho de 1961, ou legislação correlata, bens tombados nos termos do Decreto- Lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, ou legislação correlata, bens registrados nos termos do Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, ou legislação correlata, ou bens valorados nos termos da Lei nº 11.483, de 31 de maio de 2007, ou legislação correlata;
IV – quando a ADA se sobrepuser a Unidade de Conservação do Grupo de Proteção Integral prevista na Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, ou sua zona de amortecimento; e
V – quando na ADA ou na área de influência existirem áreas de risco ou endêmicas para malária.
§ 1º A manifestação das autoridades envolvidas deve ser considerada pela autoridade licenciadora, mas não vincula a decisão final quanto à licença ambiental, exceto no caso de que trata o inciso IV do caput deste artigo para atividade ou empreendimento cujo licenciamento requeira EIA.
§ 2º No caso de julgar pelo descabimento total ou parcial da manifestação da autoridade envolvida, a autoridade licenciadora deve apresentar a devida motivação à autoridade envolvida, que pode reconsiderar ou manter sua manifestação.
§ 3º As disposições do caput deste artigo são aplicadas sem prejuízo da legislação sobre o patrimônio arqueológico ou paleontológico. [destaques nossos]
Segue o Anexo 1 mencionado no Art. 40 da terceira versão da proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
Isto posto, a SAB apresenta suas considerações gerais sobre a terceira versão da proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental.
Em primeiro lugar, embora no texto haja menção à Lei nº 3.924/1961, que acautela ou protege juridicamente a todos os bens arqueológicos, quaisquer que sejam e onde quer que estejam no território nacional, conhecidos ou não no momento do processo de licenciamento ambiental, nota-se que mais uma vez o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, órgão oficial criado pela Lei nº 378/1937, não consta explicitamente mencionado na proposição. Esta situação denota a permanência da estratégia de retirar da Lei Geral do Licenciamento Ambiental qualquer referência específica ao IPHAN, órgão que possui competência exclusiva no que se refere à autorização de pesquisas arqueológicas no país, dentre outras atribuições relativas à proteção do patrimônio cultural. Ocorre que no tocante ao patrimônio arqueológico nacional, a questão central do processo de licenciamento ambiental geralmente está associada à identificação, proteção, estudo e valorização de sítios arqueológicos ainda não conhecidos, incluindo aqueles que eventualmente estejam enterrados no subsolo ou submersos nas águas, igualmente protegidos por lei e considerados como bens da União, conforme consta no Inciso X do Art. 20 da Constituição Federal de 1988: “Art. 20. São bens da União: [...] X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos”. Neste aspecto, em particular, portanto, a nova versão do PL segue a linha de simplificar o processo de licenciamento ambiental, porém a promover insegurança jurídica, incompreensões, incongruências, judicializações e conflitos sobre o papel de órgãos públicos municipais, estaduais e federais no processo de licenciamento ambiental, dentre outros problemas. Dito de outra maneira, o texto continua a tornar moroso, litigioso, oneroso e danoso o processo de licenciamento ambiental à sociedade nacional e às partes envolvidas na autorização, instalação, operação e acompanhamento de empreendimentos dos mais diversos.
Em segundo lugar, nota-se ainda que no Anexo 1 está estabelecida uma hierarquia arbitrária entre a ADA – Área Diretamente Afetada na Amazônia Legal em relação a outras regiões e biomas existentes no país. Este é o caso, apenas para exemplificar pontualmente e sem desmerecer outras áreas, do bioma Pantanal. Trata-se de um bioma situado no interior da bacia hidrográfica do alto curso do rio Paraguai, considerado Reserva da Biosfera e Patrimônio Natural da Humanidade pela UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, órgão ligado à ONU – Organização das Nações Unidas, tão sensível e afetado por várias atividades econômicas nas últimas décadas: desmatamentos, gasodutos, indústrias, linhas de transmissão de energia, mineradoras, turismo de pesca etc. Significa dizer que neste quesito, em específico, o texto também necessita ser revisto e aprimorado, sem quaisquer prejuízos à ADA na Amazônia Legal, porém com a devida atenção aos demais biomas.
Em terceiro lugar, no caso do §§ 1º e 2º do Art. 40, verifica-se que o texto dá a entender que as competências de decisão da autoridade licenciadora poderão extrapolar a de outros órgãos oficiais relacionados à proteção do patrimônio cultural material e imaterial. A exceção estaria, como se percebe no § 3º, às atribuições do próprio IPHAN no tocante ao patrimônio arqueológico. Esta outra nuance reforça a defesa da tese de que no texto deve haver menção explícita ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, haja vista certas atribuições legais e exclusivas no tocante ao papel de proteção de bens arqueológicos, considerados como bens da União, como explicado anteriormente. Significa dizer que a redação da terceira versão do texto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental precisa ser mais clara e objetiva quanto à necessidade de consulta aos órgãos envolvidos.
Em quarto lugar, a respeito dos povos originários, comunidades quilombolas e outras comunidades tradicionais, o texto segue com o propósito anterior de limitar a participação, durante o processo de licenciamento ambiental, de autoridades competentes somente no caso de: a) “terra indígena com portaria de declaração de limites publicada” e, como consta na Alínea b), Inciso II, “terra quilombola titulada”. Neste caso, a SAB ratifica a crítica apresentada à segunda versão da proposta, qual seja, a de que a Convenção nº 169 da OIT – Organização Internacional do Trabalho, ratificada no país por meio do Decreto nº 5.051/2004, não restringe o direito à consulta livre, prévia e informada apenas a povos originários e demais comunidades tradicionais que estejam em áreas regularizadas ou em
processo de regularização por parte do Estado nacional. Neste quesito, pois, o texto também precisa de ajustes, feitos de modo a evitar quaisquer contradições em relação à legislação brasileira. A SAB compreende que as decisões desta consulta, feita em observação à lei, precisam ser respeitas no âmbito do licenciamento ambiental.
Em quinto lugar, cumpre citar o Art. 8º da proposta:
Art. 8º Não estão sujeitas a licenciamento ambiental as seguintes atividades ou empreendimentos
I – de caráter militar previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, nos termos de ato do Poder Executivo;
II – serviços e obras direcionados à melhoria, modernização, e manutenção de infraestrutura de transportes em instalações pré-existentes ou em faixas de domínio e de servidão, incluindo dragagens de manutenção; e
III – que não se incluam na lista de atividades ou empreendimentos qualificados como utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação do meio ambiente, estabelecida pelos entes federativos na forma dos §§ 1º a 4º do art. 4º desta Lei.
§ 1º O empreendedor pode solicitar declaração da autoridade licenciadora da não sujeição de atividade ou empreendimento ao licenciamento ambiental, nos termos deste artigo.
§ 2º As não sujeições ao licenciamento ambiental não eximem o empreendedor da obtenção de autorização de supressão de vegetação, outorga dos direitos de uso de recursos hídricos ou outras licenças, autorizações ou outorgas previstas em legislação. [destaques nossos]
No tocante ao Inciso II, verifica-se que a intenção da proposta também está voltada a autorizar serviços e obras, incluindo, por exemplo, a pavimentação asfáltica, para estradas e outros empreendimentos que jamais foram objeto do processo de licenciamento ambiental, igualmente gerando insegurança jurídica e outros problemas apontados anteriormente. Este é outro aspecto que também demanda ajustes na propositura em análise. A SAB entende que nesses casos também se faz necessário o processo de licenciamento ambiental, sob pena desses empreendimentos causarem grandes prejuízos ao patrimônio arqueológico, ao meio ambiente e às comunidades locais.
Em sexto lugar, no caso da AIA – Área Indiretamente Afetada, o assunto precisa ser devidamente tratado e incluído na proposta de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, haja vista que sua exclusão da propositura gera insegurança jurídica e poderá ocasionar o questionamento da nova lei por meio de ação direta de inconstitucionalidade.
Em linhas gerais, portanto, a SAB entende que o texto da terceira versão da proposta de Lei Geral de Licenciamento Ambiental ainda não está à altura de poder simplificar o processo de licenciamento ambiental, pelo contrário. Por este motivo, a proposição precisa ser aprimorada a partir do diálogo com amplos setores da sociedade nacional, incluindo associações científicas, entidades de classe, especialistas em licenciamento ambiental, movimentos étnicos e sociais etc. Neste sentido, a Sociedade de Arqueologia Brasileira mais uma vez se coloca à disposição do Congresso Nacional para os esclarecimentos que se fizerem necessários e ratifica a solicitação para participar de audiências que tratam do assunto.
Pelotas (RS), 31 de julho de 2019.
Prof. Dr. Jorge Eremites de Oliveira
Presidente da SAB
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Nota da Sociedade de Arqueologia Brasileira sobre a terceira versão da proposta da Lei geral do Licenciamento Ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU