30 Julho 2019
Com o objetivo de discutir e repensar o papel da Igreja Católica em defesa da Amazônia, o chamado Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, reunirá bispos no Vaticano entre os dias 6 e 27 de outubro.
Fase preparatória do encontro, o processo de escuta dos povos que vivem no território amazônico se iniciou durante visita do pontífice a Puerto Maldonado, no Peru, em janeiro do ano passado. A maior parte da floresta, presente em nove países sul-americanos, está no Brasil.
A “Assembleia Especial para a Região Pan-Amazônica” endossa um chamado do Papa Francisco contra o comportamento predatório dos seres humanos em relação ao meio ambiente.
Recentemente, Francisco afirmou que “uma mentalidade cega e destruidora que privilegia o lucro sobre a justiça” está por trás da destruição da Amazônia e da ameaça aos seus povos.
Em junho, o Vaticano publicou o Instrumentum Laboris (Instrumento de trabalho), texto que orienta a discussão do Sínodo, reuniões pré-sinodais e outras atividades que têm sido realizadas como preparação para o encontro.
O documento questiona o atual modelo de desenvolvimento na Amazônia e aborda a exploração internacional dos recursos naturais da região, o extrativismo ilegal, a situação das comunidades indígenas e ribeirinhas, entre outras questões, como a conivência de governos com projetos econômicos que prejudicam o meio ambiente.
A movimentação da Igreja Católica incomodou o governo Bolsonaro. “Estamos preocupados e queremos neutralizar isso aí”, disse o General Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), sobre o Sínodo. Heleno admitiu ainda que a “interferência de estrangeiros nas questões amazônicas” incomoda o governo por afetar a soberania nacional supostamente defendida pela gestão.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Dom Neri José Tondello, bispo de Juína, município do Mato Grosso, e membro do Conselho Pré-Sinodal, fala sobre a relevância do encontro.
Dom Neri José Tondello é bispo de Juína, município do Mato Grosso. Foto: Repam
“Sabemos a importância que a Amazônia tem para o mundo mas também sabemos das fragilidades que vem enfrentando, sobretudo nos últimos tempos. O Sínodo quer ajudar a pensar a Casa Comum que é a Amazônia”, afirma .
“Ainda vivemos o corte ilegal de muitas florestas. Estamos envolvidos com projetos com muito agrotóxicos, envenenando rios, matando peixes, matando a alimentação básica dos povos ribeirinhos e indígenas. Sabemos que o garimpo e as mineradoras estão muito presentes e que as hidrelétricas vão trazer um impacto muito grande para o futuro”, critica o bispo.
A entrevista é de Lu Sodré, publicada por Brasil de Fato, 29-07-2019.
O que é o Sínodo e qual o objetivo dessa assembleia entre bispos?
O Sínodo sempre é um encontro de bispos para tratar de algum determinado assunto. Quem o convoca é sempre o Papa. Sínodo significa fazer um caminho juntos. Caminhar juntos. Significa debater o tema, discutir, aprofundar. Buscar clarividências para esse assunto e ver quais são as possibilidades de inovações e soluções para determinados problemas que afetam a temática que está no centro do debate do Sínodo. Então, o Sínodo é uma oportunidade ampla de debate, franco e aberto, para todos os problemas que afetam o tema central proposto pelo Papa.
Este ano, o assunto discutido será a Amazônia. O que motivou essa escolha?
A Amazônia está no coração do Papa Francisco já há alguns anos. Em 2007, por exemplo, quando ele foi redator da 5ª Conferência em Aparecida, apareceu, em vários momentos, a referência à Amazônia. Na época, o então Cardeal Bergoglio, foi sentindo a Amazônia cada vez mais de perto.
Foi na caminhada que ele tem feito de lá pra cá, depois com a eleição de seu Pontificado, ele escreve 'Evangelli Gaudium', a 'Alegria do Evangelho', e dentro dessa perspectiva o Papa dizia: "Não deixem roubar a esperança, não deixem roubar a missionaridade, não deixem roubar a palavra de Deus". Ele começou a acenar para mais tarde, em um outro documento chamado 'Laudato si', 'Louvado sejas'. Essa encíclica entra em cheio no assunto da Amazônia, a ponto de valer-se de outra história que vem acontecendo desde os anos 50.
Em 1971, em Santarém, nasce uma preocupação dos bispos da Amazônia com essa realidade. O Papa da época, hoje São Paulo VI, dizia: "Cristo aponta para a Amazônia". Fazendo esse caminho, os bispos do Brasil elegeram uma comissão pró Amazônia que existe até hoje. Mais tarde também foi criada a Rede Eclesial Pan-Amazônica (Repam), liderada até hoje pelo Cardeal Carlos Hummes.
A temática foi se ampliando e o Papa Francisco percebeu que um caminho propício para se pensar a Amazônia seria o Sínodo, porque o Sínodo permite todo esse debate em torno dessa temática. Sabemos a importância que ela tem para o mundo mas também sabemos das fragilidades que ela vem enfrentando, sobretudo nos últimos tempos. O Sínodo quer ajudar a pensar a Casa Comum que é a Amazônia.
Quais são as principais questões e conflitos que a Igreja identifica na região? O processo de construção do Sínodo é em conjunto com as comunidades?
Vale falar sobre a segunda parte primeiro. O caminho, desde 2017, no dia 15 de outubro, já envolve toda a comissão para a Amazônia, criando a Repam, mas também envolve os povos próprios. Por exemplo, ano passado, nos dias 19 e 20 de janeiro, estivemos reunidos em Porto Maldonado, no Peru, com os índios e o Papa ali presente, para pensar a realidade amazônia.
E, ali mesmo, o Papa Francisco disse: 'O Sínodo da Amazônia está começando no dia de hoje, em Puerto Maldonado'. Em abril do ano passado, aconteceu a primeira reunião do conselho pré-sinodal, e um questionário, com 30 perguntas, foi lançada para toda a Amazônia: povos, comunidades, aldeias, lideranças, para que cada um pudesse dar sua contribuição em relação à Amazônia.
E ali aparecem, então, os clamores da Amazônia, os temas principais que serão rezados e pensados. Por exemplo, ainda vivemos o corte ilegal de tantas florestas. Estamos envolvidos com projetos com muito agrotóxicos, envenenando rios, matando peixes, matando em si a alimentação básica dos povos ribeirinhos e indígenas.
Depois sabemos que o garimpo e as mineradores estão muito presentes, promovendo o narcotráfico. E as hidrelétricas vão trazer um impacto muito grande para o futuro.
Dentro dessa temática, a Igreja quer, por meio do Sínodo, trazer essa oportunidade de reconciliação com a Amazônia. Isto é: O que é que a Igreja pode fazer melhor para a Amazônia? Como marcar uma presença melhor na região amazônica?
A temática, como um todo, vai ao encontro de como multiplicar pessoas, ordenadas ou não, prontas para doar suas vidas no cuidado com Amazônia. Fala-se muito em como pensar novos caminhos para Igreja, em vista de uma ecologia integral.
Aqui se trata de rezar e pensar o território como lugar teológico, sobretudo para os povos indígenas, porque para eles a Amazônia é o que sobrou. Praticamente, os índios perderam todo o resto do Brasil. Então, agora se trata de preservar este meio ambiente dando oportunidade para que mantenham o contato com seu habitat.
Temos ainda muitos povos isolados, que não têm contato com os povos não indígenas. Nós primamos pelo respeito, pela escolha, pela decisão. Isso, como Igreja, precisamos não só respeitá-los mas também proteger essa decisão de estar com a natureza.
Até porque esse isolamento não é só opcional, ele é forçado. Muitos conflitos e invasões acabam por pressionar a fuga, o esconderijo e isolamento de nós. Isso é vergonhoso, que eles se isolem por medo de nós. Não podemos ser agentes que chegam e acabam influenciando o habitat, e forçando-os ao isolamento.
A existência dessa Conferência motivou certa preocupação do governo. Em fevereiro, o General Augusto Heleno assumiu que há um incômodo e que seria necessário "neutralizar" essa organização da Igreja. Tendo em vista esse cenário, da ofensiva contra esses povos e contra a floresta amazônica, o que significa essa declaração do governo?
Primeiro, todo Sínodo é iniciativa da Igreja para a Igreja. Antes do atual governo se eleger, a Igreja já havia decidido em 2017. Nós, como Igreja, não temos nenhuma intenção de olhar para o trabalho do governo. Estamos na missão de cumprir o mandato do senhor: 'Ide por todo mundo e pregai o Evangelho a toda criatura'.
Agora, o governo tem uma certa preocupação quando se trata da demarcação de terras indígenas. E a Igreja procura salvaguardar o meio ambiente e os povos da região. E aqui, claro, que o assunto diz respeito à autoridade e responsabilidade do próprio governo.
Mas eu não vejo necessidade do governo se preocupar porque a missão da Igreja é sempre estar com o povo, desenvolver o projeto de Jesus na realidade, sobretudo, dos mais frágeis, dos marginalizados, e buscar a dignidade para eles. Essa sempre foi a missão de Jesus e esta será para sempre a missão da Igreja.
A Igreja não quer, jamais, entrar naquilo que é alçada do governo. O governo tem sua missão, seu trabalho, e a Igreja há dois mil anos vem cumprindo com sua tarefa.
Quais serão os desafios da Igreja para atender esses clamores dos povos amazônicos, que o senhor citou?
Eu entendo que a ecologia integral visa o cuidado com da Casa Comum, o cuidado com o tráfico de pessoas, com situações análogas à escravidão, infelizmente ainda estão presentes em nossa região. Vemos toda essa degradação do meio ambiente.
É dito por pensadores que a Amazônia não é nem o celeiro e nem o pulmão do mundo. É uma floresta própria que vive sobre a Terra. Ela não vive da terra. Uma vez tirada a floresta, em pouco tempo, viramos deserto e isso ninguém quer.
O que nós temos como ideia principal é que os povos da Amazônia convivam a espiritualidade do encontro, como irmãos, amigos entre si, e amigos da natureza. Cultivar o cuidado dessa Casa Comum para que todos vivam em paz, vivam bem. E pensar esse modelo de desenvolvimento que esteja ao alcance de todos, visando o desenvolvimento democrático, pacífico. Um desenvolvimento que venha em prol da sustentabilidade, do futuro. Do planeta, da Amazônia e dos Povos.
Hoje se fala muito, por exemplo, que estamos consumindo 20% a mais do que a natureza pode nos dar. Eu me pergunto: Uma vez que uma empresa gasta mais do que ganha, qual é o sinal? É sinal de falência. E nós não podemos falir o meio ambiente. Não podemos falir as águas, os rios, as florestas e os animais.
Não podemos falir nossa moral, nossa responsabilidade, nosso compromisso de reequilibrar essa realidade. Nós precisamos elevar esse assunto, esse tema, esse debate, ao ponto de tomar novas decisões e novos caminhos para a Amazônia, fortalecendo essa ideia de uma ecologia integral para todos.
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“A floresta está no coração do Papa Francisco”. Entrevista com Dom Neri José Tondello - Instituto Humanitas Unisinos - IHU