14 Junho 2019
“Para a região, a China se tornou um parceiro significativo, aumentando sua participação nas exportações e importações desde o início do novo século. Mas, após o cessar do boom na demanda por commodities, a persistência do padrão extrativista e agroexportador na maioria das economias da América Latina e do Caribe acentuou uma situação de vulnerabilidade diante de retrocessos no comércio mundial”, escreve Julián Horassandjian, pesquisador da Universidade de Buenos Aires, em artigo publicado por Alai, 10-06-2019. A tradução é do Cepat.
A emergência econômica da China supôs uma evidente alteração no tabuleiro geopolítico e geoeconômico internacional que ainda não terminou de reordenar suas peças. Enquanto isso, se entende que a consolidação progressiva da Ásia-Pacífico como a medula da economia mundial começou a minar a posição hegemônica dos Estados Unidos e das potências ocidentais alinhadas a este país, criando um novo mapa do poder mundial que pode ser definido à primeira vista como multipolar.
Isso ocorreu, em parte, devido ao alto desempenho das economias emergentes em uma conjuntura em que a crise financeira de 2008 ainda persiste e há uma desaceleração no crescimento econômico a nível global.
Por outro lado, a chegada ao poder de Donald Trump e a guerra comercial que foi imposta à China por meio de sanções em termos de barreiras tarifárias contribuíram para desestabilizar as bases em que se baseia o atual sistema multilateral de comércio.
Neste panorama em que o multilateralismo está em questão e as medidas de natureza protecionista estão crescendo, Pequim continua sua marcha, iniciada há décadas, rumo à sua transformação em uma "Economia do conhecimento". A questão central desta nota é: Quais vantagens ou adversidades podem ser apresentadas para a América Latina nesse contexto? E no mesmo sentido, se é possível que a região se torne um elo ativo, e não um mero provedor de recursos alimentares e energéticos, na dinâmica econômica global.
A grande decolagem da economia chinesa ocorreu através das políticas de reforma e abertura que permitiram a chegada do capital estrangeiro e o uso do potencial da China como produtor mundial de manufaturas de baixo custo [1]. A gradual liberalização da economia reservou um lugar chave para a gestão e a regulação estatal, permitindo a promoção de importantes nichos produtivos que receberam transferências de tecnologia e know-how das filiais multinacionais que se instalaram.
Esses nichos, fundamentalmente localizados na Zonas Econômicas Especiais (ZEE), seriam as bases sobre as quais se montariam posteriormente a especialização da indústria chinesa em produtos intensivos de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D).
Isto pode se apresentar como o atual estágio de desenvolvimento econômico na China, onde tem aumentado sua participação no comércio mundial de bens de maior valor agregado e com campos de inovação que eram próprios das principais economias do Ocidente e do Japão, incluindo a indústria aeroespacial, robótica, a produção de veículos híbridos e componentes e dispositivos eletrônicos de ponta.
O presente Plano Quinquenal (2016-2020) proposto pelo Partido Comunista da China faz parte deste caminho, anunciando a intenção de transformar a matriz produtiva através da promoção de novos motores de desenvolvimento.
As políticas de cuidado ambiental e a promoção de energias renováveis terão maior apoio, buscando promover o papel do setor de serviços e das novas tecnologias de informação dentro do PIB. De acordo com esses objetivos, se estimou um crescimento mais moderado em relação à etapa anterior (6,5% versus 10% da média) e a intenção de continuar aumentando as taxas de urbanização, melhorar o padrão de vida da população rural e duplicar o PIB per capita em relação a 2010.
Essa ambiciosa reestruturação interna tem como pano de fundo a estratégia de reduzir a dependência do crescimento econômico em relação ao comércio exterior e a utilização de um mercado interno potencial com capacidade de crescimento. Por enquanto, a China estaria se afastando das variáveis associadas ao rótulo "em desenvolvimento" no futuro próximo.
De acordo com o discurso de Xi Jinping, este seria o caminho natural para realizar o "Sonho Chinês" que reflete o ressurgimento da China em sua condição, historicamente perdida, da potência de primeiro escalão no concerto internacional.
Neste plano, se pretende implementar os pilares para que Pequim se torne um polo de inovação científica e exportador de conhecimento e cultura para o resto do mundo [2]. A verdade é que essa projeção já possui um importante suporte material na competitividade tecnológica alcançada pela China, causando uma situação de desconforto por parte do governo dos EUA diante da perda da liderança do comércio mundial.
Nesse cenário, a América Latina aparece como um ator de menor peso relativo frente ao reordenamento dos circuitos globais de capital e as cadeias de valor que tendem a se localizar em torno do dinamismo do gigante asiático.
Para a região, a China se tornou um parceiro significativo, aumentando sua participação nas exportações e importações desde o início do novo século. Mas, após o cessar do boom na demanda por commodities, a persistência do padrão extrativista e agroexportador na maioria das economias da América Latina e do Caribe acentuou uma situação de vulnerabilidade diante de retrocessos no comércio mundial.
A disparidade de estruturas produtivas, estágios industriais e vários vieses políticos contribuíram, mesmo no período de maior aproximação regional (2002-2013), à ausência de uma tomada de partido conjunta que aceitasse o desafio imposto pela China.
Na atual conjuntura, este último ponto se torna menos viável devido ao surgimento de governos que associam desenvolvimento ao livre mercado e ao aumento da presença de Washington, com intenções de contrabalançar a influência chinesa e a perspectiva de uma possível integração estratégica, no subcontinente.
O retorno de um modelo de integração regional neoliberal, como foi mantido na década de 1990, é contraproducente considerando o estágio atual da economia mundial. Sendo que este padrão leva a, pelo menos, três efeitos adversos identificáveis: i) Desmantela o progresso registrado no período anterior em termos de cooperação regional, tanto comercial, técnica quanto política, ii) Atribui um papel passivo na divisão internacional do trabalho aproveitando o "aluguel do solo" e iii) Aprofunda a lacuna tecnológica e a dependência do centro de poder mundial, comprometendo ainda mais o futuro da região em termos de autonomia econômica e financeira.
A recente iniciativa do PROSUL mostra que o acordo político dos governos dos países com maior peso relativo na região converge apenas no fato de que estão voltados para o norte. Nestes termos, dadas as possíveis consequências de uma nova fase de reprimarização, se torna uma questão premente para suscitar o debate sobre o relançamento das políticas de integração produtiva com vistas a promover o desenvolvimento industrial na região.
Esta intenção ainda carrega mais sentido se levarmos em conta o deslocamento do centro de gravidade da economia mundial e a pouca participação que a América Latina e o Caribe podem ter nesse circuito, se estiver submersa na desintegração diante da constituição de grandes blocos continentais e extracontinentais[3].
O futuro da América Latina e do Caribe está ligado ao estabelecimento de vínculos que estimulem uma maior cooperação com o Sul Global e também precisam abandonar a atual célebre inserção internacional por meio de vantagens comparativas estáticas.
O intercâmbio técnico e científico-tecnológico com países de nível similar de desenvolvimento deve ser utilizado como alavanca para avançar em um modelo alternativo de política econômica, tanto no nível doméstico quanto no regional. Este grande salto não pode ter lugar sem um tipo de integração que recobre a direção que o MERCOSUL e a UNASUL souberam traçar como blocos que aspiravam a criar, com suas luzes e sombras, um caminho de maior autonomia e possibilidade de ação.
A escala da maioria dos países da América Latina e do Caribe os impede de se sentar para negociar condições frente a gigantes como a China, e é por isso que é necessário apostar em uma tomada de partido conjunta que possa extrair possibilidades de desenvolvimento tangíveis para a região [4].
Nesse plano, devem estar presentes três dimensões da defesa da integridade latino-americana, hoje em disputa e em condições de vulnerabilidade em um contexto de instabilidade mundial, tais como: soberania política, soberania sobre seus recursos naturais e prosperidade material dos povos.
Bianco, C.; Bittencourt, G.; Dussel Peters, E.; Bazque, H.; Sarti, F.; y Doneschi, A. (2012). “La transnacionalización en el mundo, en China y en América Latina”, en Bittencourt, Gustavo (coordinador): El impacto de China en América Latina: comercio e inversiones, Red Mercosur de Investigaciones Económicas, Serie Red Mercosur #20, Montevidéu, fevereiro de 2012.
CEPAL (2010). “La República Popular China y América Latina y el Caribe: hacia una relación estratégica”, Santiago do Chile.
(2015). “América Latina y el Caribe y China. Hacia una nueva era de cooperación económica”, Santiago do Chile.
(2018). “Explorando nuevos espacios de cooperación entre América Latina y el Caribe y China”, Santiago do Chile.
Observatório América Latina – Ásia Pacífico (2015). “Crisis Global, respuestas nacionales. La Gran Recesión en América Latina y Asia Pacífico”.
Ríos, X. (2016). “El XIII Plan Quinquenal: antecedentes, contexto, contenidos y expectativas”. En Jiexi Zhongguo: Análisis y pensamiento iberoamericano sobre China, Baiona: Observatório de Política Chinesa.
Silva Flores, C; Noyola Rodríguez, A; Kan, J. (coordinadores) (2018): “América Latina: Una integración regional fragmentada y sin rumbo”, Buenos Aires, CLACSO.
1 Entre as principais atrações para a chegada de IED estavam: i) regras favoráveis e sem altos custos tributários. ii) a abundante mão de obra de baixo custo que contava com direitos trabalhistas mínimos e iii) a escala de uma indústria leve que já tinha grau de maturação suficiente para avançar em um modelo de produção competitiva a nível internacional.
2 A consolidação global da China garantiu uma presença crescente em todos os mercados, juntamente com a promoção gradual, mas intensiva da internalização de sua moeda, o yuan. Assim, a defesa dos frutos do livre mercado e da globalização se tornaram uma parte comum do discurso de seu atual presidente, Xi Jinping.
3 Nesse sentido, é necessário dar conta da transformação que a China está enfrentando no nível doméstico, onde seu mercado interno será um dos focos de atenção, além de taxas de crescimento mais moderadas para os próximos anos. Mesmo assim, Pequim não define uma estratégia de retirada, mas sua aposta é que continuará sendo global, vs. a nova política externa norte-americana, tendo como eixo decisivo a materialização da Nova Rota da Seda e a possibilidade de novos espaços geográficos aderirem ao projeto.
4 As pautas de financiamento oferecidas pela China, que se concentraram na demanda de bens primários, não impuseram condicionalidades no nível da política econômica e, a partir do governo chinês, tornou-se expressa a vontade (e capacidade) de ampliar a cooperação para além da esfera estritamente comercial.
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Os novos desafios para a América Latina diante da ascensão da China e da Ásia-Pacífico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU