11 Março 2019
Um dos padres católicos reformistas mais renomado do mundo alertou que o tempo está se esgotando para que a Igreja faça grandes mudanças estruturais se suas lideranças quiserem salvá-la do colapso.
A reportagem é de Christa Pongratz-Lippitt, publicada por La Croix International, 07-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Se a Igreja não realizar uma mudança de rota nos próximos quatro ou cinco anos, então ela acabou”, disse o Pe. Helmut Schüller, ex-vigário geral da Arquidiocese de Viena, em uma coletiva de imprensa no dia 27 de fevereiro na capital da Áustria.
O clérigo de 66 anos de idade, cofundador em 2006 da Iniciativa dos Párocos Austríacos, disse que a atual crise dos abusos sexuais deve impelir a Igreja Católica a repensar (überdenken) sua constituição, a dar mais direitos aos leigos católicos e a introduzir mecanismos de controle para aqueles que estão em posições de poder.
Falando aos repórteres durante uma reunião dos movimentos de reforma da Igreja austríaca, Schüller disse que uma das reformas mais necessárias é “dessacralizar” o sacerdócio.
“Devemos voltar a ver o sacerdócio como um serviço, e não como um ofício que dá poder ao portador, porque isso pode levar ao abuso”, disse.
Uma reforma relacionada que também é urgente, acrescentou, é fazer com que aqueles que ocupam cargos de responsabilidade prestem contas “de cima a baixo”. Além disso, deve haver um documento para estabelecer e proteger os direitos básicos dos fiéis batizados, disse Schüller.
Ele observou que Paulo VI havia feito propostas nessa direção, mas, “quando os detentores do poder perceberam que qualquer um desses planos chegaria até a raiz”, as propostas foram “enterradas” pelo Papa São João Paulo II.
Schüller insistiu que um sistema de freios e contrapesos seja implementado sem demora na Igreja, já que “agora tudo sempre cai sobre a mesa do papa”. Ele disse que as propostas para uma constituição básica da Igreja devem ser feitas pelos empregados da Igreja em todos os níveis, e que se trata de um assunto urgente.
“A crise dos abusos só cresceu de forma descontrolada em um sistema que se tornou prejudicial”, reiterou o padre.
Schüller, que foi ordenado ao sacerdócio em 1977, é uma voz credível sobre a questão dos abusos e da reforma da Igreja.
Ex-chefe da Cáritas Áustria, ele foi vigário geral do cardeal Christoph Schönborn de 1995 a 1999 e chefe da ouvidoria da Arquidiocese de Viena para ajudar as vítimas de abuso sexual clerical de 1996 até 2005, quando ele pressionou para que um leigo assumisse essa posição.
No ano seguinte, Schüller e o padre Udo Fischer, um monge da abadia beneditina de Göttweig, fundaram a Iniciativa dos Párocos Austríacos.
A iniciativa apoiou a comunhão para católicos divorciados em segunda união, a reinstituição de um sacerdócio casado e a ordenação de mulheres.
Isso levou ao estabelecimento e ao fortalecimento de movimentos de padres semelhantes em lugares como a Irlanda, Alemanha, França, Austrália e Estados Unidos.
Em 2011, a Iniciativa dos Párocos Austríacos emitiu um “Apelo à Desobediência”, que ampliou os pedidos de reforma e insistiu que os leigos pudessem administrar paróquias sem padres. Um ano depois, o Papa Bento XVI privou Schüller do título honorário de “monsenhor”, que o Vaticano havia conferido ao padre em 1992.
Durante a coletiva de imprensa de 27 de fevereiro em Viena, Schüller reiterou que o problema básico por trás do “fenômeno dos abusos” reside no desequilíbrio existente na Igreja.
“Os católicos se resignaram a viver em dois mundos – no mundo exterior, que na Europa costuma ser um mundo democrático; e dentro da Igreja, onde, assim que atravessam o limiar da Igreja, são servos em uma monarquia absoluta”, disse.
Ele assinalou que os fiéis batizados durante muito tempo não desfrutavam de qualquer direito e estavam completamente isolados se, por exemplo, fossem agredidos por clérigos.
O padre da Arquidiocese de Viena também avaliou a cúpula sobre os abusos que ocorreu entre os dias 21 e 24 de fevereiro em Roma, com a participação do papa e de representantes de todos os bispos do mundo, ordens religiosas e vítimas de abuso.
“A cúpula vaticana deve desencadear rapidamente as mudanças concretas do sistema. O Papa Francisco tem uma oportunidade única de converter a Igreja em uma comunidade dotada de uma constituição básica, e ele próprio deve liderar o caminho”, disse Schüller.
Ele foi crítico em relação à cúpula, dizendo esperar “que algo assim nunca mais aconteça novamente – não dessa forma e com essa imprecisão”.
“Coisas que são assumidas como óbvias e que não precisavam ser repetidas foram mais uma vez enfatizadas”, disse Schüller. “Mas isso apenas mostra como a crise é profunda”, acrescentou.
“A cúpula foi um evento caro, no qual os participantes precisaram primeiro ser levados ao mesmo nível (de conhecimento) sobre algo que até mesmo os membros mais jovens dos nossos conselhos paroquiais conhecem bem”, disse o padre reformador.
Ele disse que todos os participantes da cúpula deveriam ter recebido “um caderno com uma lista de obrigações e deveres” para uso em sua própria Igreja local. E acrescentou que uma pilha de formulários para permitir que os bispos apresentassem suas demissões deveria ter sido posta na saída da Sala do Sínodo, onde a cúpula foi realizada.
Muitos dos participantes da reunião vaticana “fazem parte, afinal, do problema, e não da solução”, assinalou Schüller.
A experiência inicial do padre austríaco em lidar com o abuso sexual do clero ocorreu durante a Semana Santa de 1995, quando foi revelado que o então arcebispo de Viena, o cardeal Hans Hermann Groer, havia abusado de um menor.
João Paulo II nomeou o então Pe. Christoph Schönborn, teólogo dominicano, como bispo coadjutor do cardeal Groer. Poucos meses depois, o Vaticano permitiu que o infeliz cardeal se aposentasse aos 75 anos. E, como novo arcebispo, Schönborn nomeou Schüller como chefe da recém-criada ouvidoria da arquidiocese para denunciar abusos.
O padre disse que a consciência de que “o respeito, a estima e a salvaguarda das possibilidades para as vítimas” era imperativa e levou a um “longo e difícil processo de aprendizado”.
Mas ele disse que ainda faltava algo – o “direito de controle” naquilo que se referia aos bispos e ao seu compromisso com a prestação de contas e com a assunção de responsabilidades.
“Os bispos não deveriam só ser removidos do ofício episcopal se encobriram as acusações de abuso, mas também se simplesmente se sentarem e não fizerem nada”, enfatizou Schüller.
Em uma entrevista com um dos jornais mais respeitados da Áustria, o Die Presse, Schüller observou que, apenas 48 horas após a conclusão da cúpula sobre os abusos no Vaticano, foi anunciado oficialmente que o cardeal australiano George Pell havia sido condenado por abuso sexual.
Ele disse que o mais “notável” sobre o caso Pell é que o Papa Francisco não fez nenhuma tentativa de proteger o cardeal australiano no Vaticano. Em vez disso, ele disse a Pell para se reportar à polícia em Melbourne, onde ele havia sido acusado.
“Isso é muito diferente dos tempos anteriores, quando as autoridades da Igreja que cometeram crimes não se entregavam”, disse Schüller.
O caso Pell certamente indica uma mudança na forma como o Vaticano lidava anteriormente com o abuso sexual envolvendo altas autoridades da Igreja, afirmou.
“Pell fazia parte de um grupo dos conselheiros mais próximos do papa”, disse o padre austríaco. “O caso dele é um aviso para muitos que até agora não levaram a sério os casos de abuso.”
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''Igreja tem cinco anos para uma reviravolta completa ou será o seu fim'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU