26 Fevereiro 2019
"Indubitavelmente, a viabilidade do ‘Green New Deal’ requer a adoção da perspectiva do decrescimento das atividades antrópicas, o combate ao consumismo e a defesa dos ecossistemas e da biodiversidade, pois sem ECOlogia não há ECOnomia. Buscar conciliar o lado social com o lado ambiental é uma atitude correta, mas nos últimos dois séculos o enriquecimento humano aconteceu às custas do empobrecimento da natureza", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 25-02-2019.
O tempo é curto e o Planeta requer muito mais do que boas intenções e propostas políticas de crescimento econômico verde.
O ‘New Deal’, originalmente, foi o nome dado ao programa de salvação econômica que o presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt, implementou entre 1933 e 1937 para combater o desemprego e a pobreza gerados pela grande depressão ocorrida após a quebra da bolsa de Nova Iorque, em 1929. O estadista Roosevelt desafiou o pensamento convencional e os dogmas da ortodoxia econômica para implementar políticas keynesianas, antes mesmo da divulgação da obra magna de John Maynard Keynes, que defendia o crescimento econômico com pleno emprego e justiça social.
Agora, em 2019, surge o “Green New Deal” (New Deal Verde), que é um plano – arquitetado de forma inédita pela ala democrata e progressista do novo Congresso americano – para tentar salvar a vida do Planeta de uma catástrofe sem precedentes que já se vislumbra no horizonte, em função dos efeitos deletérios da degradação ecológica e do aquecimento global.
No dia 07 de fevereiro de 2019, a deputada Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey, junto com outras lideranças do Partido Democrata, dos Estados Unidos, apresentaram um projeto sobre o “Green New Deal”, delineando um plano ambiental para criar uma economia mais amiga do meio ambiente e de baixo carbono nos EUA, até 2030.
A resolução apresentada propõe ações multissetoriais para o combate à mudança do clima, incluindo uma meta para converter a demanda energética dos EUA em algo próximo de 100% de fontes de energia limpa, renovável e com emissões zero de dióxido de carbono.
A proposta vislumbra um novo modelo econômico que possibilite tirar os Estados Unidos do ranking de países mais poluentes do mundo. A resolução, que pode ser entendida como um projeto de lei, permite que os legisladores que apoiam uma nova visão de mundo, ambientalmente sustentável, divulguem projetos no sentido de promover a transição energética e ambiental.
A proposta foi construída de forma a unir as questões sociais e ecológicas, de acordo com aquilo que os ambientalistas e os movimentos sociais vêm defendendo no sentido de implementar reformas profundas nas políticas sociais e ambientais dos EUA.
O ‘Green New Deal’ propõe realizar 5 objetivos em 10 anos:
Zerar as emissões líquidas de gases de efeito estufa através de uma transição justa e correta para todas as comunidades e trabalhadores;
Criar milhões de empregos com altos salários, garantindo prosperidade e segurança para toda a população;
Investir na infraestrutura e na indústria para enfrentar de forma sustentável os desafios do século 21;
Limpar o ar e a água, possibilitar a resiliência climática e comunitária, garantir alimentos saudáveis, acesso à natureza e à um ambiente sustentável para todas as pessoas;
Promover a justiça e a equidade, parando as atuais injustiças, evitando as injustiças futuras e reparando a opressão histórica das comunidades fronteiriças e vulneráveis.
O ‘Green New Deal’ também propõe uma mobilização nacional para remodelar a economia dos EUA por meio de 14 projetos industriais e de infraestrutura. Todos os projetos buscarão remover as emissões de gases de efeito estufa e a poluição de todos os setores da economia:
Construir os mecanismos necessários para o país criar resiliência contra as mudanças climáticas e os desastres;
Reparar e atualizar a infraestrutura dos EUA investindo US$ 4,6 trilhões no mínimo;
Atender 100% da demanda de energia por meio de fontes limpas e renováveis;
Construir redes inteligentes de distribuição de energia, com eficiência energética e com garantia de acesso universal;
Atualizar ou substituir todos os edifícios dos EUA por energia eficiente de última geração;
Expandir maciçamente a fabricação de energia limpa (como fábricas de painéis solares, fábricas de turbinas, fabricação de bateria e armazenamento, eficiência energética na fabricação de componentes) e remover a poluição e as emissões de gases de efeito estufa emissões do processo de fabricação;
Trabalhar com agricultores e pecuaristas para criar uma agropecuária livre de poluição e de gases de efeito de estufa, garantindo um sistema alimentar que forneça acesso universal a alimentos saudáveis, expandindo a agricultura familiar independente;
Reformar totalmente o setor de transporte, expandindo maciçamente a fabricação de veículos elétricos, construir estações de carregamento em todos os lugares, construir trilhos de alta velocidade em uma escala em que as viagens aéreas parem de se tornar necessárias, criar transporte público acessível a todos, com o objetivo de substituir e aposentar todos os veículo com motor de combustão;
Mitigar os efeitos de longo prazo na saúde das alterações climáticas e da poluição;
Remover os gases de efeito estufa da nossa atmosfera e a poluição pro meio do reflorestamento, preservação e outros métodos de restauração de nossas ecossistemas;
Restaurar todos os nossos ecossistemas danificados e ameaçados;
Limpar os locais existentes com resíduos perigosos e locais abandonados;
Identifique novas fontes de emissão e criar soluções para eliminar essas emissões;
Fazer dos EUA o líder do combate às mudanças climáticas e compartilhar as tecnologias os produtos com o resto do mundo para possibilitar um “Green New Deal global”
O ‘Green New Deal’ busca a justiça social e econômica e a segurança através de 15 requisitos:
Investimentos federais maciços e assistência às organizações e empresas que participam no novo acordo verde, assegurando um retorno sobre esse investimento;
Assegurar que os custos ambientais e sociais das emissões sejam levados em conta;
Proporcionar treinamento profissional e educação para todos;
Investir em P & D para criar novas tecnologias energéticas limpas e renováveis;
Fazer investimentos diretos em comunidades desindustrializadas e que de outra forma seriam prejudicadas pela transição;
Utilizar processos democráticos e participativos liderados pelas lideranças das comunidades vulneráveis para implementar projetos de desenvolvimento local;
Assegurar que todos os empregos criados sejam trabalhos com direitos sindicais, com contratação local e que paguem salários dignos;
Garantir empregos e salários sustentáveis para a família;
Proteger o direito de todos os trabalhadores de se sindicalizar e se organizar;
Fortalecer e fazer cumprir os direitos à saúde e à segurança no local de trabalho, garantido mecanismos antidiscriminação e os padrões de salário e por hora;
Promulgar e aplicar regras comerciais para impedir a transferência de empregos e poluição no exterior e aumentar a fabricação nacional;
Assegurar que as terras, águas e oceanos públicos sejam protegidos;
Obter consentimento livre, prévio e informado dos povos indígenas;
Assegurar um ambiente econômico livre de monopólios e de concorrência injustos;
Oferecer assistência médica de alta qualidade, moradia, segurança econômica e limpeza do ar, da água, além de comida saudável e natureza para todos
Evidentemente, não será fácil implementar o ‘Green New Deal’, em primeiro lugar, porque os EUA são um país com baixo nível de poupança e investimento e que estão perdendo espaço para economias mais dinâmicas, como as da Ásia, especialmente a China. Em segundo lugar, é impossível viabilizar um novo projeto verde para os EUA se for baseado no crescimento demoeconômico do país.
Indubitavelmente, a viabilidade do ‘Green New Deal’ requer a adoção da perspectiva do decrescimento das atividades antrópicas, o combate ao consumismo e a defesa dos ecossistemas e da biodiversidade, pois sem ECOlogia não há ECOnomia. Buscar conciliar o lado social com o lado ambiental é uma atitude correta, mas nos últimos dois séculos o enriquecimento humano aconteceu às custas do empobrecimento da natureza.
Como mostraram Martine e Alves (2015), desde que a humanidade ultrapassou os limites da resiliência do Planeta, o tripé da sustentabilidade (crescimento econômico inclusivo, justiça social e sustentabilidade ambiental) virou um trilema e o desenvolvimento sustentável virou um oximoro. Prosseguindo no ritmo dos últimos 200 anos da economia, a Terra pode se tornar um lugar inabitável, como mostra o livro “The Uninhabitable Earth: Life After Warming”(2019), do jornalista David Wallace-Wells. Há diversos indicadores de que o mundo caminha para um colapso ambiental, como mostrou, por exemplo, Luke Kemp na BBC (19/02/2019).
Um “novo acordo ecológico” nos EUA pode ser um passo correto no caminho para se criar um “acordo ecológico global”, que poderia ser um primeiro passo para se evitar um cenário apocalíptico. Neste sentido, as iniciativas da deputada Alexandria Ocasio-Cortez e do senador Ed Markey são bem-vindas. Mas o tempo é curto e o Planeta requer muito mais do que boas intenções e propostas políticas de crescimento econômico verde.
Alexandria Ocasio-Cortez; Ed Markey. The Green New Deal, 07/02/2019
Luke Kemp. Are we on the road to civilisation collapse?, BBC, 19/02/2019
David Wallace-Wells. The Uninhabitable Earth: Life After Warming, 2019
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O 'Green New Deal': a luta contra a degradação ambiental e o aquecimento global - Instituto Humanitas Unisinos - IHU