20 Fevereiro 2019
A Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica - COICA, representa os mais de 400 povos da Pan- Amazônia. Fundada em 1984, coordena os esforços, sonhos e ideais das nacionalidades, povos e organizações indígenas para promover, defender e exercer os direitos da vida como parte integrante da natureza e do universo.
A entrevista é de Luis Miguel Modino, 19-02-2019.
Desde junho de 2018, seu coordenador é José Gregório Díaz Mirabal, eleito no congresso de Macapá. Na semana passada, o líder indígena participou de uma reunião com o Papa Francisco, que ele considera "um reconhecimento à COICA", embora essa atitude não seja compartilhada por todas as organizações indígenas. Ele mesmo afirma que alguns dizem que “os índios se venderam aos sacerdotes, que se ajoelharam diante do papa", recebendo muitas críticas fortes por isso.
José Gregório afirma que "o mundo está tão mal que temos que ver soluções, não apenas ver o mal". Dados os grandes interesses na Amazônia, "a COICA tem que sentar com quem tem que sentar para salvar seus territórios, seus povos", segundo seu coordenador, porque "o poder não está nos povos indígenas, o poder está fora, quem vem para destruir a Amazônia está fora". Portanto, "nesta nova etapa, a COICA quer posicionar-se como um interlocutor global para a defesa de seus povos".
O líder indígena venezuelano vê o Sínodo para a Amazônia"como uma esperança de concretizar algumas inspirações que os povos indígenas têm", vendo o Papa como fundamental para "não ter outro genocídio na Amazônia". Muitos querem desacreditar o Papa Francisco,"que é uma figura mundial que está viajando pelo mundo para dar esperança à humanidade", alguém humilde, com quem a COICA concorda que "o modelo atual de desenvolvimento está destruindo o Planeta", e que é visto como um aliado.
Díaz Mirabal destaca o valor da cosmovisão indígena, "o único conhecimento comprovado que pode salvar as florestas, os rios, os territórios", ameaçado na Amazônia, juntamente com os povos, pelas atividades da mineração. Junto com isso, ele vê que a Igreja está disposta a escutar, destacando o papel da REPAM, que "abriu o espaço para um diálogo sincero com os povos indígenas". Por isso, é necessário que na Igreja todos "aprendam com o discurso do Papa", que a Igreja não chegue nas comunidades "para falar somente da Bíblia", mas que "falem também de todas as empresas que contaminam, da destruição que está acontecendo nos territórios, da perseguição".
O que a figura do Papa Francisco representa para a COICA? Ele é visto como um aliado, como alguém que pode ajudar?
É uma esperança, o Sínodo é uma esperança para perceber algumas inspirações que temos nós, povos indígenas, que outros Papas não tinham feito e que este Papa tem se preocupado com o que pode passar aos povos indígenas e à Amazônia, com toda a história que existe, porque não podemos viver do passado. O passado foi muito forte, há uma dívida histórica com a Igreja dos povos indígenas, mas isso já é passado e estamos diante de uma nova etapa.
Agora, o que você quer é fazer as coisas, fazer alguma coisa, para que outro genocídio na Amazônia não volte a acontecer, e o papa é fundamental para isso, mas queremos esse novo compromisso. Ele lançou o primeiro desafio com o Sínodo, então queremos respondê-lo, acompanhar tudo isso.
Na reunião da semana passada, o que é que ele disse, que impressão o senhor tem daquele encontro?
Bem, primeiro devemos destacar, porque é importante destacar, a figura do Papa. Muitas pessoas, por diferentes interesses, querem desacreditar uma figura que é importante para o mundo, e que mesmo que eu concorde ou tenha minhas críticas, é uma figura mundial. Primeiro, destaco isso, que é uma figura mundial que está viajando pelo mundo para dar esperança à humanidade. Ele é uma pessoa velha, uma pessoa que está fazendo muito esforço para sua idade, em viagens, em reuniões, mas que tem muita força em sua postura. Portanto, devemos enfatizar sua força espiritual e seu peso no mundo.
Eu acho que o mais importante é a sua humildade, ele teve um espaço para cada um de nós, para partilhar. No caso da Amazônia, eu estava representando a Amazônia como COICA, ele ratificou seu compromisso com o Sínodo, com a salvação dos povos da Amazônia, dos territórios, dos recursos naturais.
Eu acho que a ideia central é que nós concordamos que o modelo atual de desenvolvimento está destruindo o Planeta, ele disse, nós dissemos isso. Os sistemas econômicos baseados no egoísmo, na individualidade, na riqueza pela riqueza, estão destruindo os valores da humanidade, territórios, povos, culturas, está destruindo tudo, nisso também concordamos, e que é necessário fazer alguma coisa.
Particularmente ele me disse, nós temos que nos encontrar no Sínodo, a COICA tem que estar presente, os povos indígenas da Amazônia. Isso significa muito, porque é um compromisso nosso também. Acredito que o fundo de sua mensagem é que a maioria das pessoas no mundo é cega para o sistema econômico mundial, todo mundo quer consumir, todo mundo quer levar recursos naturais para o benefício de países individuais, grupos de empresas. Estamos agora mostrando para a comunidade mundial que desse jeito vamos a caminho da autodestruição, destruição de valores, de solidariedade, de culturas, territórios, recursos naturais e que a Mãe Terra já não suporta mais os ataques desse modo. Quando falo da Mãe Terra, falo dos povos indígenas que vivem nesses territórios.
Ali concordamos, essa é a mensagem central, e é uma esperança. Finalmente, após esse encontro, de sua mensagem, uma mensagem de que devemos trabalhar juntos para despertar a humanidade, para criticar esse modelo de desenvolvimento destrutivo, que só vê riqueza. Como pano de fundo está que deve haver um novo modelo de vida para as pessoas, para o mundo. Porque do jeito que estamos indo, nos espera a destruição, a morte, no caso de nós, especialmente aqui na bacia do Amazonas, Brasil, Colômbia, Bolívia, Venezuela, aquele que defende a Mãe Terra está condenada à morte, é assassinado, ele é perseguido, ele é preso, ele é criminalizado.
Não é apenas uma agressão contra a Mãe Terra, mas contra aqueles que a defendem. Estão acima os interesses das empresas, dos grupos econômicos, dos governos. No final, temos o direito à vida e temos que ter muita coragem. Os indígenas são os únicos que estão dispostos a dar suas vidas por sua terra, porque eles a querem, porque eles a amam, outras culturas não são assim, outras culturas preferem destruí-la. Nesse sínodo, não é que coloquemos nossa esperança, acreditamos que podemos alcançar algo, temos que fazer alguma coisa.
O senhor disse uma coisa sobre a qual o Papa Francisco também falou, que é um novo modelo de vida. Como deveria ser esse novo modelo de vida para o mundo desde sua própria cosmovisão, de sua espiritualidade indígena, de tudo que viveu em seu território até agora?
Primeiro, queria enfatizar que também tivemos um espaço com os governos e com alguns representantes de organizações globais. Eu lhes disse que apenas o mundo científico reconhece o trabalho que os indígenas fizeram com suas visões de mundo e com seus conhecimentos. Diz-se que o conhecimento indígena, suas cosmovisões, não é ciência, não tem base científica. Mas só no ano passado, a comunidade científica internacional, após 30 anos de estudo, descobriu o que já sabemos, os territórios mais bem preservados do planeta são onde estão os povos indígenas e comunidades indígenas.
Não sei qual é o segredo e, com isso, vou à sua pergunta. Estamos agora exigindo conhecimento, culturas e línguas indígenas. A visão de mundo indígena é o único conhecimento comprovado que pode salvar florestas, rios, territórios, por quê? Porque a cosmovisão indígena nasce entrelaçada da comunhão entre a natureza e os seres humanos. Nós nascemos da água, da montanha, e essa ligação é desde o nascimento, desde o ventre já se sabe, pelo trabalho feito pelos anciãos, que é a mãe que deve ser respeitada, você tem que falar com ela, que você tem que respeitar animais, plantas, todos eles têm vida.
No mundo natural, no mundo das comunidades existem protocolos avançados, como dizem os cientistas. Existem protocolos para entrar no rio, na floresta, na Chácara, para entrar na comunidade, que não estão escritos, mas eles estão na memória coletiva e, sobretudo, na cultura oral que não foi perdida nos últimos dois ou três mil anos. Esse conhecimento foi desprezado pela ciência, por outras culturas. Mas agora está emergindo o que é ponto chave para economizar a água, o ar, as florestas, e se for desprezado novamente, se passar novamente acima das visões de mundo dos povos indígenas e seguimos esse modelo que está destruindo o planeta, então não há esperança e não haverá vida.
O Papa Francisco insiste na necessidade de ouvir os povos indígenas e aprender com eles. O senhor disse que na sua reunião, o Papa disse que a COICA deveria estar presente no Sínodo. O que significa essa nova atitude de escuta, algo que o Papa Francisco insistiu no encontro com os povos indígenas em Puerto Maldonado?
Em Puerto Maldonado também foi a COICA, foram as organizações indígenas da região. Acredito que o Papa entendeu que o diálogo tem que ser direto com os povos indígenas, além das câmeras, além de todo protocolo que existe para dialogar com uma pessoa tão importante. Ele entendeu que havia a necessidade de um próximo passo, onde o diálogo pudesse realmente acontecer, ações concretas. Com a Laudato Si’, em 2015, as pessoas já analisaram outra nova proposta para a humanidade, mas isso precisa de ação.
Puerto Maldonado deixou claro que ações devem ser tomadas, e o Sínodo deve ser uma ação. Acho que o Papa está preocupado com isso, quando ele convida os povos indígenas da Amazônia para o Sínodo, quando diz que temos que nos encontrarmos no Sínodo, temos que fazer alguma coisa, temos de nos reunirmos para ações concretas em favor da Amazônia. Isso não tem sido fácil, quero aqui reconhecer que existem alguns momentos anteriores, que é o tema do REPAM. Este diálogo com REPAM, que tem sido nos nove países amazônicos onde a COICA está participando, eu acho que foi chave para alcançar este momento, com o Papa, em seguida, com o Sínodo, porque REPAM abriu espaço de diálogo sincero com os povos indígenas, com aquela Igreja que está ao lado do povo, não com a Igreja que está ao lado das empresas, que está ao lado desse modelo destrutivo.
A REPAM acho que foi o caminho para a reunião previa com os povos indígenas que estão nas comunidades, em suas organizações, porque a COICA é o resultado da organização local, regional, nacional e internacional, estamos conectados. Esse diálogo se realizou assim, tem havido muito debate, coisas negativas foram ditas, coisas positivas, coisas que não podem ser alcançadas pelo REPAM, porque a Igreja tem um setor que não concorda com o Sínodo, e sabemos disso, que não concorda com o que o Papa está fazendo, que tem muitas ameaças porque está indo contra um sistema que está destruindo a humanidade. O seu papel na Terra, neste momento, é ouvir os pobres, os abandonados, os perseguidos, os encarcerados, os criminalizados e os que lutam pelo território.
Por essa razão, temos a esperança de continuar esse encontro e esse diálogo que, tenho certeza, não terminará com o Sínodo, mas sim que iniciará um processo, porque até agora os povos indígenas estiveram com nossas organizações. Agora temos a REPAM como aliada, temos o Papa como aliado, temos muitas organizações que lutam pelo meio ambiente ao nosso lado. Acredito que depois do Sínodo, estamos confiantes de que também seremos um peso mundial para encontrar esse modelo, propor um modelo de vida. Eu acredito que isso é esperança também.
Esse modelo que destrói a Amazônia e o Planeta se materializou recentemente na atividade de mineração que está devastando a Amazônia. Como isso afeta a vida dos povos indígenas e o próprio ecossistema amazônico?
Nós tivemos nossa reunião dos nove países cerca de quinze dias atrás, e fizemos uma avaliação disso. Estamos vendo que nos nove países da Amazônia temos os mesmos problemas. Para que as empresas cheguem ao território, elas devem ter uma permissão e essa permissão é dada pelo estado. Existem leis que nos favorecem a todos, mas não são cumpridas, não são respeitadas. Primeiro eles revisam as leis, a consulta prévia não é feita. Em segundo lugar, a relação das empresas com o Estado é uma relação comercial, está acima das leis, dos valores e há um elemento-chave, que também o Papa disse, que é a corrupção.
Vamos dar um exemplo, Odebrecht, que é uma empresa destrutiva, não só está destruindo os territórios, juntamente com outros bancos e outras empresas, mas é uma rede que também está destruindo os valores, está poluindo os rios, causando doenças, morte e destruição em territórios indígenas. É um poder que está acima dos governos, que simplesmente recebem o dinheiro e dão permissão às empresas.
Vemos os impactos, as crianças na Amazônia nascem sem olhos, sem braços, doenças que não foram vistas, porque o rio está contaminado com mercúrio e outros metais pesados. Os espaços da chácara estão contaminados, vou dar o exemplo do Equador, a Chevron Texaco, que estamos acompanhando nessa luta, nessa demanda, já existem territórios totalmente contaminados pelo petróleo. Você não pode semear, você não pode beber a água, já morreu, apenas na área onde a Chevron Texaco estava, noventa pessoas com câncer, e há cerca de cento e oitenta contaminados, já doentes. É um genocídio que está se cometendo na Amazônia.
Esse é só um exemplo, se formos para a Colômbia, para o Brasil, acontecem assassinatos, deslocamentos dos territórios. Então, no final de tudo, esta é uma empresa extrativa que paga para fazer isso, que direciona todo esse processo. Estamos vendo que essa aliança com o Papa, com a REPAM, com todas as organizações ambientalistas do mundo, tem que bater duro ali, naqueles interesses que não estão em nossos países, que estão fora, na Europa, nos Estados Unidos, lá é que tem que bater. É por isso que queremos ser globais.
Qual deve ser a nova atitude das Igrejas quando elas chegam às comunidades indígenas?
Vou repeti-lo porque já falamos com a REPAM, aprendam com o discurso do Papa, não pode ser um padre, ir a uma comunidade falar apenas da Bíblia, falar sobre algo que aconteceu onde Jesus nasceu, nós respeitamos Ele. Eles também têm que falar sobre os problemas das comunidades, da cultura. Fale sobre a Bíblia, sobre Jesus, sobre Maria, sobre toda a Palavra de Deus, mas também sobre todas as empresas contaminantes, sobre a destruição que está acontecendo nos territórios, sobre a perseguição, aprendam com o Papa. Mas sabemos que também há bispos e há padres que não querem o Papa, eles não querem esse discurso. Nós também queremos isso da Igreja.
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"O Papa Francisco é fundamental para que outro genocídio na Amazônia não volte a acontecer". Entrevista com José Gregório Díaz Mirabal - Instituto Humanitas Unisinos - IHU