14 Fevereiro 2019
O Comitê Chico Mendes divulgou, nesta terça-feira, 12, Nota Pública em resposta às declarações do ministro de Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante entrevista no Programa Roda Viva, da TV Cultura, no qual atacou o legado do seringueiro e sindicalista acriano, Chico Mendes.
A reportagem é publicada por Comissão Pastoral da Terra - CPT, 13-02-2019.
Em trecho do documento, destaca-se “a relevância de Chico Mendes, senhor ministro, está no fato de que, como seringueiro, político, militante, liderança sindical, presidente de um sindicato de trabalhadores rurais nos confins da Amazônia ocidental, em Xapuri, conseguiu, com sua incrível capacidade de situar-se à frente de seu tempo, perceber que não estava lutando só pelas seringueiras, ou pela floresta, mas que estava lutando, como ele mesmo disse, “pela humanidade”.
Chico Mendes (Foto: Comitê Chico Mendes / Reprodução)
Nota do Comitê Chico Mendes
Desde cedo, hoje, começamos a receber inúmeras mensagens que nos repassavam as absurdas falas do ministro (assim mesmo, com “m” minúsculo, como o “tamanho” intelectual dele) do meio (só meio, pois, do ambiente, com certeza não é!) sobre a “irrelevância” de Chico Mendes.
Primeiro, o ministro afirma não conhecer Chico Mendes. Só essa afirmação, partindo de quem ocupa a pasta que ocupa, já deveria ser seguida por um ato de grandeza: o pedido de demissão. Mas é esperar demais de alguém com a pequenez ética desse senhor.
Mas, não contente em afirmar que desconhece a história de um dos Heróis da Pátria, conhecido e reconhecido, nacional e internacionalmente, por ter dado própria vida em defesa da Amazônia e de suas populações tradicionais, o ministro ainda foi mais longe: repetiu e aliou-se ao discurso dos assassinos de Chico Mendes e de seus apoiadores.
A questão não é, obviamente, pessoal, é política! É uma questão de lado. De ideologia! De classe. E é assim que deve ser tratada: o ministro reafirmou seu lado. Ele está do lado dos que pensam que mataram Chico Mendes, que são os mesmos que continuam matando ou apoiando a morte de lideranças das populações tradicionais (extrativistas, coletores, quilombolas, indígenas, pescadores, entre outros) e seus apoiadores e aliados.
Mas não só, são os mesmos que, de forma kamikaze, destroem as florestas para a introdução da monocultura sem levar em conta que isso, dentro de curto espaço de tempo, fará com que não seja mais possível manter a agricultura, a pecuária, o “agronegócio”, enfim, pois as florestas, são fundamentais para manter o equilíbrio do regime de chuvas, indispensável para o cultivo e a criação de animais.
O senhor ministro sabe, por acaso, o que são as Reservas Extrativistas?
Com certeza, não! Pois, se soubesse não falaria as besteiras que falou. Então vamos lá, começando do começo:
A relevância de Chico Mendes, senhor ministro, está no fato de que, como seringueiro, político, militante, liderança sindical, presidente de um sindicato de trabalhadores rurais nos confins da Amazônia ocidental, em Xapuri, conseguiu, com sua incrível capacidade de situar-se à frente de seu tempo, perceber que não estava lutando só pelas seringueiras, ou pela floresta, mas que estava lutando, como ele mesmo disse, “pela humanidade.”
Essa percepção fez com que ele buscasse apoio para a luta não só organizando os seus companheiros e as suas companheiras nos Empates, criados pelos trabalhadores e trabalhadoras de Brasiléia e, após o assassinato de Wilson Pinheiro, primeira grande liderança a ser assassinada no Acre por defender a floresta, em 1980, pelos de Xapuri, mas também procurando cientistas, professores, militantes políticos e partidários, trabalhadores e ambientalistas do Brasil e do mundo.
Chico Mendes, com sua capacidade e os apoios iniciais, convocou, como presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, o I Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado entre os dias 10 e 17 de outubro de 1985, na UnB, em Brasília, com mais de 120 seringueiros e seringueiras da Amazônia toda.
Naquele Encontro, além de mostrar ao mundo que a floresta amazônica não era um “vazio demográfico”, como diziam as políticas oficiais, mas sim, que havia populações residindo dentro dela e que a faziam produtiva, ao mesmo tempo em que a preservavam e conservavam para as gerações futuras, lançaram ideias novas.
Ameaçados pela “política de ocupação da Amazônia”, promovida, desde a implantação da ditadura militar, com a facilitação da devastação para os “grandes fazendeiros” que expulsavam os posseiros e ocupantes tradicionais, os seringueiros discutiram que queriam uma garantia de que poderiam continuar vivendo como seringueiros, na floresta, usando-a sem destruí-la e sem necessidade de serem os “donos da terra”, e sim, apenas e tão somente, que pudessem usufruir das riquezas da floresta, que deveria continuar como “bem público”, patrimônio da União, de todo o povo.
Portanto, conservada pelas populações tradicionais, como eram – e este foi o exemplo – as Reservas Indígenas. A partir dessa ideia, criaram o conceito das Reservas Extrativistas, que era – e continua sendo – extremamente avançado, pois propõe a possibilidade de conservação do meio ambiente através das populações tradicionais, que já o manejam há séculos, ao mesmo tempo em que o faz produtivo, gerando emprego e renda a milhares de famílias e, mais, como uma Reforma Agrária adequada para a Amazônia, sem a busca da propriedade da terra, um dos pilares da nossa sociedade sesmaria, que se estende ao longo de mais de 500 anos.
A proposta, inicialmente vista com reservas pelos “ambientalistas puros”, que sempre acharam que o ser humano não consegue ser conservacionista e produtor ao mesmo tempo, foi, exatamente em função da atuação de Chico Mendes como porta-voz, explicando a todos como isso era possível, passou a ter o apoio dos mais diferentes setores da sociedade brasileira e dos ambientalistas do mundo.
Foi por isso que Chico Mendes ganhou o prêmio Global 500 da ONU, como o primeiro ambientalista brasileiro a fazer parte do rol dos 500 ambientalistas de todo o mundo a serem homenageados na ECO-92, no Rio de Janeiro, reconhecimento concedido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUD). E, 1987, Chico Mendes ganhou o prêmio de ambientalista do ano da Better World Society (Sociedade para um mundo melhor), entidade criada nos Estados Unidos por Ted Turner.
A ideia das Reservas Extrativistas, nascida genuinamente dos seringueiros da Amazônia no seu Encontro de Brasília, tornou-se tão grande que pôde ser adaptada para as populações tradicionais dos diferentes biomas brasileiros. Assim, hoje, há Reservas Extrativistas não só de seringueiros, mas também de pescadores, de coletores de castanha, de açaí e caranguejo, de quebradeiras de coco babaçu, enfim, o conceito das Reservas Extrativas foi usado para criar um grande número de RESEX em diferentes biomas e estados brasileiros, desde todos os estados da Amazônia, até alguns do Nordeste, e até do Sul e Sudeste do Brasil.
O modelo, entre as RESEX e as Reservas de Desenvolvimento Sustentável, uma derivação usada somente na Amazônia, garante hoje a preservação de mais de 25 milhões de hectares de florestas, beneficiando mais de 1,5 milhão de pessoas, fora outros mais de 500 mil hectares de áreas preservadas em outros biomas de outras regiões do país.
No total, a preservação/conservação ambiental, com as RESEX, RDS e as Florestas Nacionais e Estaduais, que são parte do legado de Chico Mendes, é de 66 milhões de hectares, o que corresponde a 13,18% da Amazônia. Está bom para que se entenda a relevância de Chico Mendes para o presente? Se ele não tivesse sido, lá atrás, um porta-voz tão respeitado – e temido pelos que pensam que o mataram – não teríamos conseguido preservar esses milhões de hectares de florestas e de outros biomas, ao mesmo tempo gerando milhares de vagas de ocupação e emprego para as populações tradicionais.
É disso que estamos falando. E sabemos que é exatamente contra isso que insurge o “ministro do meio” porque ele está ali para defender uma posição ideológica de interesse do grande capital, do agronegócio, das mineradoras, enfim, dos que têm interesse na devastação, na destruição, na morte das populações tradicionais e do meio ambiente.
Ele, o ministro, é o porta-voz atual da morte e está ao lado dos assassinos!
Os que atiraram em Chico Mendes perderam o tiro, erraram o alvo! Os que pensam que o mataram, na verdade, tornaram-no importal!
Rio Branco, Acre, 12 de fevereiro de 2019
Comitê Chico Mendes
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Nota Pública do Comitê Chico Mendes após declarações de ministro de Meio Ambiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU