15 Fevereiro 2019
"A declaração do pontífice e do imã estabelece: que Deus nunca pode ser invocado para ferir outros crentes; que para os crentes, Deus é sempre e somente o Deus de todos; dos crentes e dos não-crentes. Justamente por essas razões, o nome de Abraão não pode faltar nessa nova reflexão católico-islâmica", escreve Gabriel Levi, em artigo publicado por La Stampa, 07-02-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na tradição cristã, que se reporta ao livro bíblico do Gênesis, Abraão é considerado o pai de todos os crentes. Com muita coerência, São Paulo afirma que Abraão foi o primeiro homem que foi justificado principalmente pela fé. Na tradição islâmica, que retoma um discurso talmúdico, Abraão foi o primeiro homem que, sozinho, descobriu o Deus único e misericordioso.
O Alcorão deriva de Abraão e de seu filho Ismael o preceito vinculante da circuncisão, para o Islã em idade consciente. A tradição judaica é, como de costume, complexa ou problemática. No Gênesis Abraão é apresentado como aquele que fala com o Deus único e o proclama como o Juiz que deve fazer justiça em toda a terra. No livro de Êxodo é dito então que Abraão, como seus descendentes até Moisés, conhecia apenas o nome divino Shaddai. No pensamento talmúdico, essas duas posições são confrontadas com muita força. Por um lado, é reiterado que Abraão praticava a circuncisão pessoalmente aos 99 anos de idade e a aceitou para seus descendentes aos 8 dias. Por outro lado, diz-se que Abraão não queria realmente aceitar a circuncisão, porque acreditava que essa prática o teria separado da religião universal de todos os povos. Ele só ficaria convencido quando Deus lhe teria explicado "pense em você, meu nome é Shaddai (o que eu faço e digo é o bastante) porque tenho divindade suficiente para todos os seres vivos".
O princípio universal de Abraão é assim iluminado por outra perspectiva: Deus coloca Abraão à prova diante da destruição de Sodoma e Gomorra (o Mal Absoluto). Abraão argumenta, contra Deus, que Sodoma e Gomorra não devem ser destruídas se houver pelo menos dez justos nas cidades. E, independente de qual for a decisão divina, Abraão permanece firme em sua posição. Um outro método bastante simples para entender a religião de Abraão é estudar seu vocabulário religioso: as 10/12 palavras e conceitos que aparecem no texto bíblico pela primeira vez na narrativa de e sobre Abraão. Estas palavras e conceitos são: confiança/fé, justiça, direito, piedade-amor, verdade, integridade, caminhar diante de Deus, temor-sentido da presença divina, colocar à prova, educação. Como pode ser visto, no pensamento judaico, Abraão tem dois papéis. Ele é o primeiro judeu (e seus descendentes terão que percorrer um longo percurso educacional de 400 anos para chegar ao pacto definitivo do Sinai). É o primeiro sacerdote universal, o sucessor ciente da aliança que Deus fez com toda a humanidade depois do Dilúvio com Noé, a quem teria sido explicitamente dito que cada ser humano é criado à imagem de divindade.
Essas reflexões e essa viva memória são muito atuais, ainda mais nos dias de hoje, quando o Papa Francisco e o Imã Al Tayyib, com sua declaração, deram um passo muito importante, mas incompleto, omitindo o nome de Abraão em seu documento. Incompleto no sentido de inacabado e, portanto, que os dois signatários presumivelmente sabem que precisam completar a sua declaração, na memória dos quase quatro milênios de Abraão. A presença bem evidenciada de alguns rabinos no evento demonstra claramente que a questão foi compreendida e que a solução só foi adiada. A declaração do pontífice e do imã estabelece: que Deus nunca pode ser invocado para ferir outros crentes; que para os crentes, Deus é sempre e somente o Deus de todos; dos crentes e dos não-crentes. Justamente por essas razões, o nome de Abraão não pode faltar nessa nova reflexão católico-islâmica. Talvez até o nome de Noé deveria ser lembrado. Ainda hoje os judeus, quando veem o arco-íris, que é o sinal do pacto de paz entre Deus e Noé, abençoam a Deus que relembra a aliança com toda a humanidade. Uma lembrança pessoal afetuosa. Tullia Zevi tinha um grande sonho político-moral: o Triálogo entre as três religiões monoteístas. Da forma como eu entendi ao longo dos anos, apenas o triálogo pode ser, ao mesmo tempo, um discurso laico e universal, religioso e político. Porque nos obriga a olhar apenas os pontos que unem todos os homens a todos os homens.
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No triângulo entre religiões monoteístas uma palavra é decisiva: Abraão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU