09 Janeiro 2019
"O esvaziamento do Parlamento dos seus poderes é o culminar de uma crise devastadora que afeta todo o Ocidente. É um fenômeno que vai muito além de Salvini ou Di Maio e começou há 30 anos".
O comentário é de Massimo Cacciari, filósofo italiano e ex-prefeito de Veneza, em artigo publicado por L'Espresso, 07-01-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que terão pensado os adolescentes e os jovens assistindo ao espetáculo do Parlamento envolvido com a lei financeira? Serão eles capazes de distinguir entre protestos e suas causas, entre responsabilidade da maioria e oposição? E admitindo que eles tivessem suficiente memória histórica, poderiam realmente fazer isso? Ou não estamos no último ato de um longo, em alguns aspectos dramático e em outros vergonhoso, episódio?
É claro que podemos dizer que nunca atingimos tal nível de mediocridade, nunca tão claramente ridicularizaram as funções das assembleias que ainda ousam se chamar de legislativas. Mas há quantos anos estão sendo desmontadas? Seria apropriado dizer "bem cavado, velha toupeira!". Há quantos anos quase todas as leis de alguma importância são aprovadas por votos de confiança? O processo sub-reptício de esvaziar o parlamento em favor do executivo também está em ação desde antes da Tangentopoli (caso de propinas em troca de favores na administração pública e ambiente políticos, NDT).
A queda da primeira República - "substituída" apenas pela crise da mesma, à qual nenhuma reforma das instituições italianas se seguiu - tornou o processo simplesmente impossível de ser detido. Poderia ter se respondido à catástrofe de acordo com diferentes perspectivas: com um redesenho completo da estrutura do Estado, redistribuindo poderes e funções entre centro, regiões e autoridades locais; com um reforço das assembleias legislativas, reduzindo drasticamente o número dos representantes, eliminando o Senado, reavaliando os regulamentos, de modo a tornar os procedimentos ainda mais rápido, mas ao mesmo tempo limitando radicalmente a possibilidade de recorrer ao voto de confiança; ou ainda em um sentido decididamente e coerentemente presidencialista.
Poderiam haver propostas sérias tanto "da direita" como "da esquerda". Mas, de fato, nada aconteceu. Tentativas penosas, atarantadas e amadoras, desprovidas de qualquer sistematização. E hoje aqui está o resultado: um governo mantido por forças políticas que ignoram a profundidade da crise que investe a democracia representativa, ou fazem do seu fim, concretamente, o seu objetivo.
Aqui está o ponto de virada: da crise da democracia a que assistíamos, talvez ignorando as causas e nada fazendo para sair dela, no entanto depreciando-a, até a ação, consciente ou não, pouco importa, para destruí-la definitivamente. Para essas pessoas, a democracia deve se tornar a universal conversa na rede, organizada, direta e decisiva em seus resultados por parte dos donos da mesma, sem partidos, sem organismos intermédios, sem sindicatos que atrapalhem a linha direta, em tempo real e interativa, conforme preconizado pelo seu verbo, entre o Povo e o Chefe, expressão da vontade geral.
Quem dera fosse apenas Salvini e Di Maio e suas complacentes folhas de figueira! É um colapso que ameaça, em diferentes formas, todas as democracias ocidentais. Temo que tenhamos chegado a uma encruzilhada; ou de parte das culturas liberais populares, social-democráticas que fizeram do bem-estar e da Europa do pós-guerra terá que ocorrer um contragolpe à culpada inércia com que durante pelo menos três décadas "acompanharam" os sintomas cada vez mais óbvios desse colapso, ou ele se tornará imparável. Ou seja, para todos aqueles que nasceram depois da queda do Muro se tornará senso comum a inutilidade das instituições representativas, cada forma de representação será a priori considerada como "casta", cada minuto gasto discutindo fora das mídias sociais, será considerado perdido.
Voltar ao antigo é tanto utópico quanto reacionário; pode-se responder à situação apenas mostrando que é possível dar início a reformas de sistema, das instituições centrais até as periféricas, da administração do Estado em todos os seus aspectos até as políticas de bem-estar, só organizando sujeitos concretos que tenham um interesse e que lutem por essas reformas. A "virada", pois é justamente tal, que o governo italiano representa (e que pode realmente significar uma experiência europeia), caso contrário será lembrada como a primeira explícita declaração de falência da temporada democrática conhecida pelos países europeus após a Segunda Guerra Mundial.
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"Salvemos a democracia antes que se torne apenas uma conversa na rede". Artigo de Massimo Cacciari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU