27 Novembro 2018
“O bispo deve conhecê-los assim como vocês são: cada um tem a própria personalidade, o próprio modo de sentir, o próprio modo de pensar, as próprias virtudes, os próprios defeitos... O bispo é pai: é pai que ajuda a crescer, é pai que prepara para a missão.”
Às 11h30 da manhã desse sábado, 24 de novembro, na Sala do Consistório do Palácio Apostólico, o Santo Padre Francisco recebeu em audiência os seminaristas da Diocese de Agrigento, na Itália.
Depois de entregar aos presentes o discurso preparado para a ocasião, o papa se dirigiu de improviso aos participantes do encontro. Publicamos abaixo o discurso feito de improviso pelo Santo Padre.
O discurso foi publicado pela Sala de Imprensa da Santa Sé, 24-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nota de IHU On-Line: leia aqui, também, o discurso preparado antecipadamente pelo papa.
Há um discurso preparado, com o ícone dos discípulos de Emaús, que vocês podem ler em casa, tranquilos, e meditar em paz. Eu o entrego ao reitor. Vou me sentir mais à vontade falando um pouco espontaneamente.
Naquele discurso, a última palavra era a “missão”. Gostei daquilo que o reitor disse sobre o horizonte da Albânia. Porque a missão, é verdade, é algo que o Espírito nos impulsiona a sair, sair, sempre sair. Mas, se não há o horizonte apostólico, existe o perigo de errar e sair não para levar uma mensagem, mas para “passear”, isto é, sair mal. Em vez de fazer um caminho de força, sair de si mesmos, é fazer um labirinto, onde nunca se consegue encontrar uma estrada, ou a errar de estrada!
“Como posso ter certeza de que a minha saída apostólica é aquela que o Senhor quer, aquela que Deus quer de mim, seja na formação, seja depois?” Tem o bispo! O bispo é aquele que, em nome de Deus, diz: “Esta é a estrada”. Você pode ir ao encontro do bispo e dizer: “Eu sinto isto”, e ele vai discernir se é isso ou não. Mas, no fim das contas, quem dá a missão é o bispo.
Por que eu digo isso? Não se pode viver o sacerdócio sem uma missão. O bispo não dá apenas um encargo: “Ocupem-se desta paróquia”, como o chefe de um banco dá encargos aos empregados. Não, o bispo dá uma missão: “Santifica aquelas pessoas, leva Cristo àquelas pessoas”. É outro nível.
Por isso, é importante o diálogo com o bispo: era aqui que eu queria chegar, ao diálogo com o bispo.
O bispo deve conhecê-los assim vocês são: cada um tem a própria personalidade, o próprio modo de sentir, o próprio modo de pensar, as próprias virtudes, os próprios defeitos... O bispo é pai: é pai que ajuda a crescer, é pai que prepara para a missão. E, quanto mais o bispo conhece o padre, menor será o perigo de errar na missão que ele dará.
Não se pode ser um bom padre sem um diálogo filial com o bispo. Isso é algo inegociável, como alguns gostam de dizer. “Não, eu sou um empregado da Igreja.” Você errou. Aqui tem um bispo, não tem uma assembleia em que se negocia o posto. Tem um pai que faz a unidade: foi assim que Jesus quis as coisas. Um pai que faz a unidade.
É bonito quando Paulo escreve a Tito, que ele deixou em Creta para “organizar” as coisas. E diz as virtudes dos presbíteros, do bispo e dos leigos, também dos diáconos. Mas deixa o bispo para organizar: organizar no Espírito, que não equivale a organizar no organograma. A Igreja não é um organograma. É verdade que, às vezes, usamos um organograma para sermos mais funcionais, mas a Igreja vai além do organograma, é outra coisa: é a vida, a vida “organizada” no Espírito Santo.
E quem está no lugar do pai? O bispo. Ele não é o patrão da empresa, o bispo, não. Não é o patrão. Ele não é quem manda: “Aqui mando eu”, alguns obedecem, outros fingem obedecer, e outros não fazem nada... Não, o bispo é o pai, é fecundo, é quem gera a missão. Essa palavra, missão, que eu quis tomar, é carregada, carregada da vontade de Jesus, é carregada do Espírito Santo.
Por isso, eu recomendo, desde o seminário, aprendam a ver no bispo o pai que foi colocado lá para ajudá-los a crescer, para seguir em frente e para acompanhá-los nos momentos do apostolado de vocês: nos momentos bonitos, nos momentos feios, mas acompanhá-los sempre; nos momentos de sucesso, nos momentos das derrotas que vocês sempre terão na vida, todos... Essa é uma coisa muito, muito importante.
Outra coisa, a do barro do oleiro. Gostei de tomar Jeremias. Ele diz: quando o vaso não está bom, o oleiro o refaz. Enquanto está se fazendo o vaso e há algo que não funciona, há tempo para retomar tudo e recomeçar. Mas uma vez cozido...
Por favor, deixem-se formar. Não são caprichos aquilo que os formadores pedem. Se vocês não concordam, falem a respeito. Mas sejam homens, não crianças. Homens, corajosos, e digam ao reitor: “Eu não concordo com isto, não o entendo”. Isso é importante, dizer o que você sente.
Assim, pode-se formar a sua personalidade, para ser verdadeiramente um vaso cheio de graça. Mas, se você está calado e não dialoga, não diz as suas dificuldades, não conta as suas ansiedades apostólicas e tudo o que quiser, um homem calado, uma vez “cozido”, não pode ser mudado. E toda a vida é assim. É verdade que, às vezes, não é agradável que o oleiro intervenha de modo decisivo, mas é pelo bem de vocês. Deixem-se formar, deixem-se formar. Antes do “cozimento”, porque, assim, vocês serão bons.
E, depois, outras duas coisas. Qual é a espiritualidade do clero diocesano? Como dizia aquele padre aos religiosos: “Eu tenho a espiritualidade da congregação religiosa que São Pedro fundou”. A espiritualidade do clero diocesano, qual é? É a diocesanidade.
A diocesanidade tem três direcionamentos, três relações. A primeira é a relação com o bispo, mas eu já falei bastante sobre isso. A primeira relação: não se pode ser um bom padre diocesano sem a relação com o bispo.
Segundo: a relação no presbitério. Amizade entre vocês. É verdade que não se pode ser amigo íntimo de todos, porque não somos iguais, mas bons irmãos, sim, que se querem bem. E qual é o sinal de que, em um presbitério, há irmandade, há fraternidade? Qual é o sinal? Quando não há fofocas. A fofoca, a bisbilhotice é a peste do presbitério. Se você tem algo contra ele, diga-o na cara. Diga-o de homem para homem. Mas não falem pelas costas: isso não é coisa de homem! Eu não digo de homem espiritual, não, não é de homem, simplesmente.
Quando não há bisbilhotice em um presbitério, quando essa porta está fechada, o que acontece? Bem, tem um pouco de barulho, nas reuniões se dizem as coisas na cara, “eu não concordo!”, se levanta a voz um pouco... Mas como irmãos! Em casa, nós, irmãos, brigávamos assim. Mas na verdade.
E, depois, cuidar dos irmãos, querer-se bem. “Sim, Padre, mas o senhor sabe, aquele lá não gosta de mim...” Mas eu também tenho muitos que não gostam de mim, e eu não gosto de algum outro, isso é uma coisa natural da vida, mas o nível da nossa consagração nos leva a outra coisa, a sermos harmônicos, em harmonia. Essa é uma graça que vocês devem pedir ao Espírito Santo.
Aquela frase de São Basílio – que alguns dizem que não era de São Basílio – no Tratado sobre o Espírito Santo: “Ipse harmonia est”, Ele é a harmonia. Parece um pouco estranho, o Espírito Santo, porque, com os carismas – porque todos vocês são diferentes –, ele faz, digamos assim, como que uma desordem: todos diferentes. Mas depois ele tem o poder de fazer daquela desordem uma ordem mais rica, com muitos carismas diferentes que não anulam a personalidade de cada um. O Espírito Santo é aquele que faz a unidade: a unidade no presbitério.
A relação com o bispo, a relação entre vocês. Sinal negativo: a fofoca. Nada de fofoca. Sinal positivo: dizer-se as coisas claramente, discutir, até mesmo se irritar, mas isso é saudável, isso é coisa de homens. A fofoca é de covardes.
A relação com o bispo, a relação entre vocês, e terceiro: a relação com o povo de Deus. Nós somos chamados pelo Senhor para servir ao Senhor no povo de Deus. Ou, melhor, fomos tirados do povo de Deus! Isso ajuda muito! A memória, aquela de Amós, quando diz: “Tu és profeta...”. Eu? Qual profeta? Eu fui tirado de trás do rebanho, era pastor...
Cada um de nós foi tirado do povo de Deus, foi escolhido, e não devemos esquecer de onde viemos. Porque, muitas vezes, quando esquecemos isso, caímos no clericalismo e esquecemos o povo do qual viemos. Por favor, não se esqueçam da mãe, do pai, da avó, do avô, do vilarejo, da pobreza, das dificuldades das famílias: não se esqueçam deles! O Senhor tirou vocês de lá, do povo de Deus. Porque, com isso, com essa memória, vocês saberão falar ao povo de Deus, como servir ao povo de Deus. O sacerdote que vem do povo e não se esquece de que foi tirado do povo, da comunidade cristã, ao serviço do povo.
“Mas não, eu me esqueci, agora me sinto um pouco superior a todos...” O clericalismo, caríssimos, é a nossa perversão mais feia. O Senhor os quer pastores, pastores de povo, não clérigos de Estado.
Essa é a espiritualidade [do padre diocesano]: a relação com o bispo, a relação entre vocês e o contato, a relação com o povo de Deus na memória – de onde eu venho – e no serviço – para onde vou. E como se faz para crescer nisso? Com a vida espiritual.
Vocês têm um pai espiritual: abram o coração ao pai espiritual. E ele lhes ensinará como rezar, a oração; como amar Nossa Senhora.... Não se esqueçam disso, porque Ela está sempre perto da vocação de cada um de vocês. A conversa com o pai espiritual. Que não é um inspetor da consciência. É alguém que, em nome do bispo, os ajuda a crescer. A vida espiritual.
Obrigado pela visita. Esqueci-me de lhes trazer um livreto que queria lhes dar, mas vou enviá-lo ao bispo, para cada um de vocês. E rezem por mim, eu rezarei por vocês. Não se esqueça disto: a espiritualidade do clero diocesano. Coragem!
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A espiritualidade do clero diocesano e a tríplice relação do padre com o bispo, o presbitério e o povo de Deus, segundo o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU