09 Novembro 2018
Perto do fim de um ano turbulento no país de origem do Papa Francisco, os bispos da Argentina expressaram seu apoio ao pontífice, afirmando que a Igreja e seu líder nunca estiveram sob ataque como agora, tanto em casa quanto no exterior.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 08-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Dom Oscar Ojea, presidente da Conferência dos Bispos da Argentina, disse que esses ataques vêm até mesmo de dentro da instituição. Falando sobre a situação geral do país, ele advertiu que “a crise social e econômica que atinge todo o povo argentino está começando a corroer a confiança nas lideranças políticas, aumentando o mau humor social, a raiva e a intolerância que tornam a coexistência muito difícil”.
“Estamos encerrando um ano extremamente difícil”, disse Ojea. “Muitos eventos que vivemos nos últimos meses provocaram perplexidade e, ao mesmo tempo, apresentam-nos grandes desafios pastorais que precisam ser iluminados pela luz do Evangelho.”
“São situações complexas e conflituosas, que escondem uma mensagem que ainda temos que descobrir”, disse ele, antes de apontar para desdobramentos como um debate nacional sobre a legalização do aborto, em relação ao qual até mesmo escolas e comunidades católicas contavam com pessoas que apoiavam o projeto de legalização, que, no fim, não recebeu uma luz verde no Congresso.
Depois disso, houve uma apostasia organizada e em massa, com milhares de argentinos renunciando oficialmente à sua fé católica; denúncias de abuso sexual clerical que “aumentam a dor no mais profundo do coração da Igreja; ataques contra a pessoa do papa, de dentro e de fora da Igreja, o que leva a uma escassa transmissão da sua mensagem”.
[Embora Ojea não tenha especificado, ele provavelmente estava se referindo a acusações surpreendentes de um ex-embaixador papal nos Estados Unidos de que o Papa Francisco sabia das preocupações de má conduta sexual em relação ao ex-cardeal Theodore McCarrick em 2013 e as encobriu.]
“Isso se estende à Igreja como um todo, pois parece que dizer qualquer coisa boa sobre ela não é politicamente correto”, disse Ojea.
Tem sido um ano acidentado para os bispos argentinos, e não apenas pelas razões apontadas pelo bispo: há um confronto crescente com alguns membros do governo do presidente Mauricio Macri, que estão pedindo uma separação maior entre Igreja e Estado. A Constituição de 1994 deixa claro que “o governo federal apoia a religião católica apostólica romana”.
Recentemente, o chefe de gabinete de Macri, Marcos Peña, ressaltou que o governo argentino paga os salários dos bispos católicos, o que representa cerca de 0,04% do orçamento nacional. No entanto, a Igreja Católica se sustentou financeiramente até 1822, quando o governo expropriou grande parte de suas terras e propriedades.
Desde então, o Estado paga os salários dos bispos, que somam pouco mais de quatro milhões de dólares por ano.
Os bispos e o governo estão atualmente em negociações para gradualmente pôr um fim a esse apoio financeiro, e alguns observadores locais acreditam que um anúncio nesse sentido poderá vir em breve, depois do fim da sessão plenária dos bispos nesta sexta-feira.
Vendo os desafios, Ojea disse em sua homilia, ao abrir a plenária, que há dois modos “evidentes” pelos quais a Igreja poderia reagir: com ira, raiva e vitimização; ou, paralisando-se e imobilizando-se.
A primeira reação, que equivaleria a pensar que “Jesus passou pela mesma coisa”, pensando que “estamos bem, são os outros que estão errados”, seria injusta e desonesta: “Em muitas dessas situações, nós tivemos a nossa parcela de responsabilidade. Devemos pensar na nossa própria conversão pessoal e pastoral”, disse.
Sobre paralisar-se, Ojea disse que os bispos nunca imaginaram que teriam que enfrentar alguns desses problemas, “cujas raízes e motivações às vezes custamos a entender”.
Essa reação, disse, seria compreensível, mas não apropriada, já que o papa pede uma Igreja “em saída”, que é missionária, preferindo “uma Igreja acidentada a uma Igreja que adoece por ficar fechada”, disse Ojea, citando uma homilia que Francisco proferiu em 2013, não muito tempo depois da sua eleição.
Os bispos são chamados a responder com “unidade e empatia”, com humildade e zelando pelos interesses dos outros, seguindo o chamado de Jesus a romper o “círculo fechado do conforto e a investir em relações que possam ser frutíferas, convidando os excluídos: os pobres, os enfermos, os cegos”.
A humildade, disse Ojea, permite à Igreja “ouvir de uma maneira nova o coração de quem está zangado com a Igreja, de quem sente a ausência de alguém que lhe mostre a verdadeira face de Jesus”.
“Olhando para os nossos pecados e para os escândalos que ocorreram em algumas das nossas comunidades, temos que aprofundar o caminho da nossa conversão pessoal e eclesial”, afirmou. “Um compromisso sério nesse sentido torna visível o fato de que estamos assumindo a nossa responsabilidade como pastores.”
Como bispos, disse, eles têm que aprender a abrir mão do “reconhecimento social” que costumava acompanhar as suas posições.
Uma Igreja humilde é um caminho concreto e providencial para se tornar uma “Igreja pobre e para os pobres”, disse Ojea, citando novamente Francisco.
Uma segunda virtude que os bispos deveriam exercer, afirmou, é a paciência unida à força: “Não é imobilidade, nem suavidade, nem resignação, é a paciência de quem resiste firmemente. A paciência de quem persevera no bem que ninguém vê, sempre aberto à esperança. A extenuante paciência dos mártires”.
A terceira virtude mencionada por Ojea é “a coragem, a bravura de Jesus”, para enfrentar as mudanças guiados pelo Espírito Santo, com a “disposição espiritual de falar livremente e com a verdade, mesmo em situações adversas”.
Para resistir aos ataques que a Igreja enfrenta, disse o prelado, é importante ter um “espírito livre e sábio, para discernir e escolher quando falar e quando calar”, sendo “astutos como as serpentes e inocentes como as pombas”, citando do Evangelho de Mateus.
Por último, ele disse que, “hoje mais do que nunca”, os bispos precisam proteger a unidade da conferência, sendo honestos e diretos em relação às suas divergências, “não permitindo que o espírito do mal nos divida”.
Na terça-feira, os bispos receberam a visita do cardeal Peter Turkson, de Gana, chefe do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano, que falou à assembleia sobre a Laudato si’, a encíclica de Francisco sobre o ambiente, compartilhando com os bispos três possíveis linhas de ação para aplicá-la: o diálogo e a participação cidadã; a educação ecológica; e a espiritualidade.
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Bispos da Argentina reafirmam seu apoio ao Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU