01 Novembro 2018
O Sínodo sobre a juventude, que se concluiu no fim de semana passado, e as reações a ele dentro da sala da assembleia foram bem diferentes das reações externas. Os participantes tenderam a ver a reunião de 26 dias como um verdadeiro sucesso. As reações dos não participantes ilustram o quão míopes alguns observadores e defensores da Igreja se tornaram.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada em National Catholic Reporter, 31-10-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“O Sínodo foi um sucesso impressionante, e esse é um sentimento compartilhado pelos jovens”, disse por e-mail o cardeal Blase Cupich, que participou do Sínodo. Ele escreveu:
“Eles fizeram o evento, participando de pequenos grupos, fazendo intervenções, torcendo e aplaudindo (após as observações de alguns e durante a votação!), nas conversas durante os cafezinhos, na peregrinação (da qual eu participei), durante as refeições e em suas visitas pessoais ao papa. Ninguém deveria tentar diminuir o que aconteceu por não ter conseguido que a sua palavra ou frase entrasse no documento, ou porque o seu modo de fazer as coisas não foi observado. Esse foi um triunfo para uma Igreja sinodal, pois colocou esse tipo de Igreja em plena exibição e mostrou a esses jovens – e a nós, bispos, também! – como ser Igreja daqui para frente.”
“A esses jovens – e a nós, bispos, também!” Aí está. Sinodalidade. Todos caminhando juntos.
Quando os historiadores avaliarem esse pontificado, certamente o desenvolvimento de uma Igreja mais sinodal se elevará como uma das reformas mais importantes. É fácil esquecer a história dos sínodos, o modo como eles tentaram em primeiro lugar realizar até demais com o Papa Paulo VI e depois se tornaram questões inteiramente pré-programadas com o Papa João Paulo II por longos 25 anos.
O Papa Bento XVI introduziu a “hora do karaokê”, atribuindo a última hora de cada dia para um momento de microfone aberto, quando qualquer Padre sinodal podia falar sobre qualquer assunto que desejasse.
Finalmente, o Papa Francisco tem experimentado a estrutura sinodal, quebrando desta vez os discursos com discussões mais frequentes em pequenos grupos, para que houvesse mais debate. Além disso, os jovens que participaram deste Sínodo tiveram claramente um impacto no humor e no conteúdo das discussões. Este é um trabalho em andamento, e será importante para todos os problemas enfrentados pela Igreja.
No entanto, poucas horas após a ratificação do documento final, o LifeSiteNews colocava vinho velho em odres novos, citando uma fonte anônima, identificada como “próxima do Sínodo” (o que quer que isso signifique), que dizia: “Esse documento abre muitos campos minados”.
Eles ficaram especialmente incomodados com as seções do documento que tratavam das questões LGBT, embora o texto final não incluísse a sigla que parece tão sinistra para alguns, incluindo o Padre sinodal e arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput. O arcebispo não acha que ser referido como “nativo americano” reduz a sua personalidade a uma característica, mas ele acha que a sigla LGBT tem esse efeito sobre os gays. O LifeSite compartilha a sua preocupação.
Por outro lado, muitos amigos gays ficarão desapontados que o Sínodo não foi mais atento àquele que, no Ocidente, é um problema real na busca de evangelizar os nossos jovens: o ensino da Igreja sobre a homossexualidade não faz sentido e é experimentado como ofensivo. Para os jovens gays, isso é profundamente doloroso.
Em um comunicado, Francis DeBernardo, do New Ways Ministry, refletiu as objeções do LifeSiteNews, concentrando-se exatamente nas mesmas questões, mas em sentido inverso. DeBernardo recebe notas altas por também elogiar o processo sinodal e ver a esperança que isso traz, algo que os críticos conservadores não conseguem fazer.
Para que a sinodalidade funcione, os grupos de interesse precisam aprender a virtude do desinteresse. É realmente esperar demais que nós, ocidentais, simpatizemos com o fato de que nossos irmãos e irmãs católicos em sociedades mais tradicionais veem os direitos dos gays como parte de um conjunto de valores ocidentais que despojaram e exploraram os seus recursos naturais, fragilizaram as suas democracias e importaram armas e drogas frágeis para os seus países? É realmente tão difícil ver por que alguém pode estar preocupado que a quebra nos valores tradicionais prejudique muitas pessoas, e estas não consigam distinguir o dano que esses valores tradicionais às vezes causam?
Por outro lado, no outro dia, os restos mortais de Matthew Shepard foram enterrados na Catedral Nacional de Washington. Será que é realmente esperar demais que todos, em todos os lugares, reconheçam o que foi feito a ele como um mal grosseiro e como um mal específico também, um exemplo de fanatismo antigay expressado com violência desumana? É demais se perguntar se a dureza de nosso ensino sobre a homossexualidade tem algo a ver com as altas taxas de suicídio entre os jovens gays?
O que o documento final do Sínodo diz? “Existem questões relativas ao corpo, à afetividade e à sexualidade que precisam de uma elaboração antropológica, teológica e pastoral mais aprofundada, a ser realizada nas modalidades e nos níveis mais convenientes, desde os locais ao universal”, afirma o texto no parágrafo 150. “Entre estas, emergem em particular aquelas relativas à diferença e harmonia entre identidade masculina e feminina e às inclinações sexuais.”
Algumas semanas atrás, eu escrevi: “Eu acho que o melhor que se poderia esperar sobre esses temas neste Sínodo é o reconhecimento de que os ensinamentos atuais tanto sobre a homossexualidade quanto sobre o papel das mulheres na Igreja são inadequados e um encorajamento do diálogo em nível local e nacional é necessário”. Parece-me que o Sínodo chegou à mesma conclusão, embora os comentários do documento sobre o papel das mulheres na Igreja fossem muito bons.
(É mais do que irônico ouvir os conservadores católicos dos Estados Unidos louvarem a Igreja africana conservadora e, depois, apontarem que as Igrejas africanas estão cheias e crescendo, enquanto a nossa nos Estados Unidos estão meio vazias e em declínio. Devemos acreditar que o sensus fidelium é importante para esses conservadores, mas apenas na África?)
Há dois movimentos intelectuais recentes, ambos com suas origens à esquerda, que se chocam em algumas dessas questões sexuais e dizem respeito à importante questão de como nós inculturamos o Evangelho.
Primeiro, e extraído da teoria política liberal, desde as alocuções em tempos de guerra de Pio XII até o apoio da Santa Sé à Declaração Universal dos Direitos Humanos, passando pelo magistério do Papa João XXIII, pelo Concílio Vaticano II e por todos os papas subsequentes, a Igreja abraça a ideia de que os direitos humanos são universais em seu escopo, enraizados na dignidade inerente à pessoa humana. Por que isso não deveria se estender aos gays e aos seus direitos?
Por outro lado, começando nos círculos teológicos do pós-guerra, a visão neoescolástica de que os atos humanos podem ser avaliados sem referência à história ou à cultura, inclusive os atos sexuais, quando é óbvia como a sexualidade é condicionada culturalmente, caiu em descrédito, substituída por uma consciência da necessidade de atender à história, à cultura e à consciência. Por que os ocidentais intencionados em promover os direitos dos homossexuais seriam capazes de passar por cima de culturas mais tradicionais?
Esse enigma requer muita escuta, e, em um assunto tão denso quanto a homossexualidade, eu suspeito que seja muito mais fácil dizer algo que seja mal-entendido do que dizer algo que induza à compreensão. Eu acho que o Sínodo entendeu bem isso. É hora de aprofundar os entendimentos teológicos, antropológicos e pastorais. Hora de aprender. Hora de ouvir.
Deve haver uma disposição para escutar um ao outro se a Igreja quiser se manter unida. Veja como Francisco descreveu isso no seu sermão de encerramento do Sínodo, ao pregar sobre o relato do evangelho do último domingo, sobre Jesus e Bartimeu:
“Muitos daqueles que estavam com Jesus repreendiam Bartimeu para que se calasse (cf. v. 48). Para esses discípulos, o necessitado era um incômodo no caminho, um imprevisto no programa pré-estabelecido. Eles preferiam os seus tempos aos do Mestre, as suas palavras à escuta dos outros: seguiam Jesus, mas tinham em mente seus próprios projetos. É um risco do qual é preciso se guardar sempre. Para Jesus, em vez disso, o grito de quem pede ajuda não é um incômodo que atrapalha o caminho, mas uma demanda vital. Como é importante para nós escutar a vida! Os filhos do Pai celeste dão ouvidos aos irmãos: não às fofocas inúteis, mas às necessidades do próximo. Escutar com amor, com paciência, como Deus faz conosco, com as nossas orações, muitas vezes repetitivas. Deus nunca se cansa; sempre se alegra quando o procuramos. Peçamos também nós a graça de um coração dócil à escuta. Eu gostaria de dizer aos jovens, em nome de todos nós, adultos: desculpem-nos se, muitas vezes, não lhes demos ouvidos; se, em vez de lhes abrir o coração, enchemos os seus ouvidos. Como Igreja de Jesus, desejamos nos pôr à escuta de vocês com amor, certos de duas coisas: que a vida de vocês é preciosa para Deus, porque Deus é jovem e ama os jovens; e que a vida de vocês é preciosa também para nós ou, melhor, necessária para seguir em frente.”
E, depois, no mesmo sermão:
“Não é cristão esperar que os irmãos em busca batam às nossas portas; somos nós que devemos ir ao seu encontro, não levando a nós mesmos, mas Jesus. Ele nos manda, como aqueles discípulos, a encorajar e reerguer no seu nome. Manda-nos dizer a cada um: ‘Deus te pede para te deixares amar por Ele’. Quantas vezes, em vez dessa mensagem libertadora de salvação, levamos a nós mesmos, as nossas ‘receitas’, as nossas ‘etiquetas’ na Igreja! Quantas vezes, em vez de assumir as palavras do Senhor, vendemos como palavra d’Ele as nossas ideias! Quantas vezes as pessoas sentem mais o peso das nossas instituições do que a presença amiga de Jesus! Então, passamos por uma ONG, por uma organização parestatal, não pela comunidade dos salvos que vivem a alegria do Senhor.”
A sinodalidade é uma abordagem diferente para desatar nós, construir consenso, ser Igreja. Como o Santo Padre indicou nesse esplêndido sermão, devemos dar espaço para Deus agir e nos interessar menos em propor as nossas próprias pautas. É a única maneira pela qual esta Igreja, espalhada pelo globo, com meios instantâneos de comunicação e de falta de comunicação, pode se manter unida em fidelidade ao Senhor Jesus.
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Sinodalidade: a grande questão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU