23 Outubro 2018
O eleitor liberto, ainda que por um momento, da manipulação das redes sociais e da mídia e disposto a comparar a parte econômica dos programas dos candidatos a presidente encontrará um contraste tão descomunal que provavelmente vai concordar com o economista Thomas Palley, Ph.D. por Yale e coordenador em Washington do projeto Economia para Sociedades Democráticas e Abertas, que diante da preferência por Bolsonaro escreveu:
“O Brasil está caindo sob o feitiço político do mal. É como se eleitores caminhassem tal qual sonâmbulos rumo à destruição da democracia brasileira. Sob a influência do feitiço, tornaram-se cegos para a verdade sobre a política brasileira”.
A reportagem é de Carlos Drummond, publicada por CartaCapital, 23-10-2018.
As respostas de vários economistas às perguntas de CartaCapital sobre como os programas de Bolsonaro e de Haddad encaminham o aumento ou a redução da desigualdade e da soberania mostram diferenças abissais e reforçam o diagnóstico de Palley.
Segundo a professora Leda Paulani, da USP, “inicialmente é preciso dizer que o programa de Bolsonaro como um todo é de uma pobreza inacreditável. Parece que, em meia hora, alguém sentou, rascunhou aquelas frases mal alinhavadas e apresentou o resultado como programa de um candidato à Presidência de um país tão complexo e multifacetado como é o Brasil”.
Em relação à desigualdade, diz, “é evidente que uma proposta que não fala em reforma tributária para reduzir o peso dos tributos indiretos nem em abolir os privilégios conferidos aos ganhos financeiros, que não menciona a necessidade de elevar os tributos sobre patrimônio para colocá-los em linha com o que se faz nos países mais desenvolvidos e, mais ainda, que propõe candidamente uma taxa única de 20% para o IR vai contribuir em muito para o aprofundamento da desigualdade, uma mazela cuja redução estava em progresso e que a crise econômica fez regredir.
A proposta de criação da carteira de trabalho ‘verde-amarela’, em oposição à tradicional carteira azul que garante os direitos dos trabalhadores, vai na mesma linha. Trata-se de uma espécie de ‘formalização’ do trabalho informal, além de subliminarmente tratar como antipatriota o trabalhador que insistir na carteira azul e, portanto, na manutenção dos seus direitos”.
A professora sublinha a fala do candidato a vice, general Mourão, depois desautorizada por Bolsonaro, no sentido de extinguir o 13º salário e o adicional de férias. “É evidente que esse conjunto contribuirá em muito para o aprofundamento das abissais desigualdades já existentes em nosso país. Não há aqui muito mais a dizer porque o programa é muito pobre.”
Quanto às medidas do programa de Haddad para enfrentamento da desigualdade, diz Paulani: “Não é preciso muito tino para perceber que uma proposta que defende a isenção do Imposto de Renda para todos os que ganham abaixo de cinco salários mínimos, compensando-se essa redução com a elevação dos tributos daqueles mais bem posicionados em termos de renda e de riqueza já é em si e por si um programa de redução de desigualdade.
"Além disso, a própria recuperação do crescimento, possibilitando a retomada de alguns serviços e programas públicos que estão com recursos congelados ou reduzidos, como o Bolsa Família, também contribuirá nesse sentido. Em paralelo, serão tomadas as providências para a revogação da Emenda Constitucional nº 95, do teto dos gastos. A criação do Programa Salário Mínimo Forte é mais uma medida nesse sentido.
"Dada sua importância quanto aos benefícios sociais pagos pelo sistema previdenciário – mais de 20 milhões de pessoas recebem benefícios de um salário mínimo –, o aumento de seu valor real é uma das políticas mais efetivas de redução das desigualdades. Se, além disso, passa-se a tributar vários rendimentos do capital que hoje são isentos (como os dividendos), então tem-se um programa muito forte de redução de desigualdades não só em termos da distribuição pessoal, como também da distribuição funcional da renda”.
Múltiplos aspectos do programa do PSL reforçam a desigualdade, concorda Felipe de Holanda, presidente do Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos: “O mandato de independência do Banco Central apenas para o combate à inflação via elevação da taxa de juros, por exemplo, reforça a probabilidade de voltarmos a taxas de câmbio supervalorizadas, funcionais para o controle inflacionário, mas altamente danosas ao emprego industrial.
"O programa de Haddad segue a direção oposta, pois estabelece compromissos com um mandato dual do Banco Central (controle de inflação e determinado patamar de geração de empregos), algo praticado nos EUA e que impediria loucuras como a elevação da taxa básica de juros a 14,25%, entre 2013 e 2017, que foi um dos principais fatores de aprofundamento da recessão recente”.
Na macroeconomia, observa o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, “Bolsonaro fala em reduzir a zero o déficit primário e gerar superávit em 2020, um espanto! O primeiro equívoco é insistir no ajuste fiscal a qualquer custo, o que se mostrou inviável, pois é impossível fazê-lo sem crescimento da economia.
O segundo é não fazer uma autocrítica da abertura comercial e da privatização já realizadas nos anos 1990. Isso tudo tende a aprofundar as disparidades regionais e de renda”. Já o programa de Haddad “tem o mérito de reconhecer o papel das políticas macro e industriais para recuperar a capacidade de crescimento da economia e fortalece a política social. Ambas as frentes favorecem a distribuição de renda, a primeira a longo prazo e a segunda a curto prazo, uma vez que a enorme desigualdade regional e de renda exige medidas focadas no tema”.
Sobre o programa de Bolsonaro e a soberania nacional Leda Paulani sublinha: “Quando se propõe a privatização indiscriminada de tudo que ainda pertence ao Estado brasileiro é evidente que não há nenhuma preocupação com a soberania, uma vez que, regra geral, são os grandes grupos internacionais que acabam comprando essas empresas.
Mas para chegar a tal conclusão não é preciso ir ao programa do candidato, que, aliás, não ajuda muito, porque é muito pobre, como já disse. Basta assistir às entrevistas do Posto Ipiranga, Paulo Guedes. Haddad referiu-se às propostas de Paulo Guedes como sendo produto de um ‘neoliberalismo desalmado’.
Eu concordo e acrescento que esse neoliberalismo desalmado, absolutamente insensível às necessidades da maioria da população, é produto de um ‘neoliberalismo descabelado’, ‘enlouquecido’, que deixado a si mesmo privatiza até o serviço diplomático. Como falar em soberania com uma visão dessas? Essa deve ser, para eles, a última das preocupações.
A tutela militar, que certamente existirá, não garantirá nada nesse sentido, ao que parece, a não ser a tosca tarefa de ‘afastar a ameaça comunista’, que, além de completamente extemporânea, ou exatamente por causa disso, ninguém sabe o que vem a ser.
Assim, tudo indica que teremos uma política de terra arrasada, na qual não haverá a menor preocupação com a colocação, em mãos estrangeiras, de nossos ativos produtivos (mesmo que eles sejam lucrativos e se encontrem em setores estratégicos) e de nossos abundantes recursos naturais.
De outro lado, a política de atuar sempre no sentido de favorecer o mercado financeiro deve levar também à manutenção da taxa real de juros em níveis muitíssimo altos, em média, observados há quase três décadas, ou mesmo a aumentá-la.
Juros elevados implicam apreciação de nossa moeda e a continuidade do processo de desindustrialização, o que evidentemente não combina com qualquer apreço à soberania nacional”.
Segundo Felipe de Holanda, “o amplo programa de privatizações proposto pelo economista Paulo Guedes, realizado em curto espaço de tempo e em cenário ainda de elevadas incertezas (utilizando altas taxas de desconto), deverá render muito pouco ao governo, contribuindo, entretanto, para ganhos extraordinários das instituições financeiras envolvidas, considerada apenas a transferência patrimonial.
A liquidação de ativos estratégicos da Petrobras nas áreas de refino, transportes e varejo, assim como a privatização de ativos da Eletrobras e da área portuária, aumentará a perda de coordenação do setor produtivo estatal, enfraquecendo mais ainda a soberania nacional”.
A diferença em relação ao programa do candidato do PT é imensurável, como explica Paulani: “O termo soberania nacional aparece já no primeiro capítulo do programa de governo de Haddad e Manu e o mínimo que podemos dizer é que esta não é uma preocupação menor. Fala-se ali da necessidade de retomar a política externa ativa e altiva levada à frente pelo ex-chanceler Celso Amorim nos governos de Lula.
"Assim, devem ser retomadas as medidas no sentido do fortalecimento regional da América Latina, bem como aquelas direcionadas à consolidação dos BRICS, iniciativa de caráter geopolítico das mais importantes e que teve no Brasil, até o advento do golpe que tirou indevidamente a presidenta Dilma do poder, seu principal porta-voz e protagonista.
"Há todo um capítulo dedicado à promoção de um novo projeto nacional de desenvolvimento, que passa não só por revogar o legado da era Temer (a EC nº 95, a reforma trabalhista, as privatizações, a entrega do pré-sal etc.), como por tomar as medidas emergenciais capazes de tirar o País da armadilha recessiva (redução dos juros para os tomadores de empréstimo, programa emergencial de empregos associado à retomada dos investimentos públicos e ampliação da isenção do IR para as classes mais baixas de renda estimulando o consumo).
"Ainda mais importante é a preocupação, explícita no programa, com as medidas estruturais capazes de reindustrializar o País. Não por acaso consta no mesmo capítulo a necessidade de manter a taxa de câmbio em níveis competitivos e de torná-la menos volátil”.
Segundo Lacerda, Haddad aposta na autonomia do País diante das grandes potências e conduzir um programa econômico mais sólido fortalece as bases do desenvolvimento autônomo, aspecto relevante para a soberania.
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Como Haddad e Bolsonaro pretendem enfrentar a desigualdade? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU