09 Outubro 2018
Agora que já sabemos quem serão nossos deputados e senadores pelos próximos anos, podemos passar para o que de fato interessa: o que os atuais 513 deputados e 81 senadores ainda devem decidir até dezembro.
A reportagem é de Amanda Audi, publicada por The Intercept, 08-10-2018.
No Congresso, há o costume de “limpar a pauta” de temas controversos para evitar desgastes aos novos governantes em início de mandato. No final do primeiro mandato de Dilma Rousseff, em dezembro de 2014, por exemplo, foi aprovada uma manobra fiscal que liberou a União de cumprir a meta de economia para o pagamento de juros da dívida, o que poderia levar Dilma a responder por crime de responsabilidade fiscal. Em troca, cada um dos 594 deputados e senadores recebeu R$ 748 mil para gastar em seus redutos eleitorais, o que aumentou o gasto com emendas em R$ 444,7 milhões (em valores da época).
A aparência é de um “acordo de boas intenções” para permitir que o novo presidente assuma sem precisar lidar com esqueletos no armário. No fundo, porém, esses últimos dias do governo Michel Temer, o mais detestado da história, são vistos como uma janela para aprovar projetos impopulares, uma vez que a população e a imprensa estarão entretidos com as novidades do futuro governo.
Eunício Oliveira, do MDB, e Rodrigo Maia, do DEM, respectivamente os presidentes do Senado e da Câmara, evitam afirmar com todas as letras quais serão as prioridades da agenda das Casas nas próximas semanas. Mas é possível fazer um exercício de futurologia baseado nos projetos que estavam previstos para serem votados nos últimos meses e foram protelados por causa do período eleitoral. Desde junho, com a Copa, os trabalhos estão parados.
Mas, no primeiro dia após as eleições, o Senado terá projetos importantes para avaliar: a privatização de estatais da Eletrobras já esta pautada e a expectativa é de que a PL do Veneno, demarcação de terras indígenas e reforma da Previdência também entrem na pauta em breve.
O que os parlamentares querem votar este ano:
Logo no primeiro dia da volta do Senado está pautado o projeto que regulamenta a venda de seis companhias de distribuição de energia controladas pela estatal no Acre, Rondônia, Roraima (já leiloadas em agosto), Alagoas (suspensa pela Justiça), Piauí (vendida em julho) e Amazonas. A Câmara já aprovou o texto em julho. A medida não deve encontrar resistências na Casa.
O último balanço da estatal, de agosto, mostrou lucro líquido de R$ 2,83 bilhões no segundo semestre deste ano. O aumento foi de mais de 700% em comparação com o mesmo período de 2017, que registrou R$ 344 milhões. Segundo o governo, o resultado é relacionado ao processo de privatização, pelo reconhecimento das dívidas das distribuidoras.
O assunto é de interesse de Temer, que alega que as empresas dão prejuízo à União. Mas já gerou mal-estar com o Judiciário. O ministro Ricardo Lewandowski suspendeu a venda de uma das distribuidoras e determinou, em liminar, que o governo seja impedido de privatizar empresas públicas de economia mista sem o aval do Legislativo.
Uma das bandeiras de Temer desde que assumiu o governo, o tema encontra resistência no Congresso pela impopularidade das medidas. Ainda assim, o presidente quer construir um consenso para levar a cabo as votações a toque de caixa como parte do seu legado. A proposta é estabelecer idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres para requerer aposentadoria e aumentar o tempo de contribuição mínima ao INSS de 15 para 25 anos. Também seria necessário contribuir pelo menos 40 anos para obter o benefício integral. A intenção é economizar R$ 650 bilhões em 10 anos.
Prioridade da bancada ruralista, o projeto 6.299/02, mais conhecido como a PL do Veneno, que flexibiliza a liberação de agrotóxicos antes da conclusão de estudos de órgãos ambientais e da saúde, está pronto para ser votado no plenário da Câmara. A expectativa é que isso ocorra logo após as eleições. O projeto foi apresentado por Blairo Maggi, o atual ministro da Agricultura, em 2002. Ficou adormecido por anos. Quando Temer pediu apoio da bancada ruralista na aprovação das reformas econômicas, a proposta foi colocada como uma das condições. Só então ela foi discutida e votada em uma comissão especial, cujo relator fez carreira vendendo agrotóxicos. Como comparação, o ritmo de tramitação é mais acelerado do que o projeto 6670/16, que visa reduzir o uso de agrotóxicos. O projeto foi apresentado em 2016, mas só em fevereiro deste ano o presidente Rodrigo Maia autorizou a criação de uma comissão especial para discutir o assunto. A comissão só começou a funcionar três meses depois porque ainda faltava uma canetada de Maia para instalá-la.
A PEC 215/00 tramita desde 2000, mas está em vias de ser ressuscitada. A proposta repassa ao Congresso a competência sobre a demarcação de terras indígenas e quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental, que hoje são do Executivo. Na prática, vai dar o poder de decidir sobre esses assuntos à bancada ruralista, que têm 261 parlamentares, a maioria dona de terras e com interesse em diminuir os territórios demarcados. O texto também proíbe a ampliação de terras já delimitadas e permite a indenização a fazendeiros de forma retroativa. No final de junho, o deputado Marcos Rogério, do DEM de Rondônia, pediu para que o projeto fosse incluído na pauta de votações do plenário, que logo se esvaziou por causa do período pré-eleitoral e deve ser retomado agora.
O texto permite o leilão de áreas do pré-sal na bacia de Santos que excedam os 5 bilhões de barris acertados em acordo com o governo federal em 2010. Especula-se que a área tem cerca de 15 bilhões de barris. Além disso, abre espaço para que outras empresas possam operar nos seis blocos de pré-sal que hoje são controlados pela Petrobras. A matéria já foi aprovada na Câmara e deve ser tratada com prioridade no Senado. O governo estima que os rendimentos podem ser de até R$ 100 bilhões.
Emperrado na Câmara desde o começo do ano, o projeto pode ser retomado como mais um aceno favorável ao mercado. Ele permite que empresas estrangeiras com sede no país possam deter até 100% do capital de companhias de aviação. Hoje, o limite é de 20%.
O projeto permite a criação de até 400 novas cidades – e, consequentemente, novas prefeituras e câmaras legislativas, com muitos novos cargos. A estimativa é que os novos municípios custem pelo menos R$ 500 milhões. O texto é exatamente igual ao de outro projeto aprovado em 2014 e vetado por Dilma justamente por causa do impacto econômico. Ele já foi aprovado no Senado e com requerimento de urgência para ser votado na Câmara.
O cientista político da Universidade de Buenos Aires Leandro Gabiati, que acompanha a política de Brasília há 15 anos, acredita que, no caso de as votações atrasarem e ficarem para 2019, tampouco encontrarão resistência. Para ele, os temas econômicos devem receber o maior foco neste período, de modo a tranquilizar o mercado para o próximo governo. Ele cita como exemplo a abertura de empresas aéreas ao capital estrangeiro, uma prioridade de Temer. “O Congresso eleito é o mais conservador das últimas décadas. Então se não aprovarem os temas específicos agora, como os ligados a agrotóxicos e aborto, não haverá problema para que eles sejam votados a partir do ano que vem”, diz.
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Esqueça as eleições: O Congresso se prepara para votar agenda de retrocesso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU