20 Julho 2018
A recente reviravolta de Francisco sobre a crise dos abusos sexuais na Igreja do Chile, primeiro defendendo fortemente um bispo acusado de encobrimento, depois abrindo investigações e convocando os bispos a Roma, parece ter sido tratada como um sinal verde para as autoridades civis do Chile. Nos últimos meses, essas autoridades realizaram abordagens em várias dioceses em busca de provas.
A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 19-07-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
O arcebispo de Santiago, Ricardo Ezzati (Foto: César Cortés /Wikimedia Commons)
Talvez para incentivar esses esforços, Francisco disse aos bispos do país em maio que havia sido informado sobre vários crimes relacionados ao abuso sexual clerical, incluindo a destruição de evidências.
O último alvo do promotor regional Emiliano Arias é o cardeal Ricardo Ezzati, de 76 anos, arcebispo de Santiago. Ezzati apresentou sua renúncia pela primeira vez a Francisco quando completou 75 anos. Depois repetiu o feito em 17 de maio, junto com todos os bispos chilenos.
Até hoje, essa renúncia não foi aceita.
Ezzati, assim como seu antecessor, o cardeal Francisco Javier Errazuriz, que atualmente faz parte de um conselho composto por nove cardeais que assessoram o Papa na reforma do Vaticano, é acusado de encobrir abusos. Arias está buscando provas para sustentar as acusações.
Além de ter vistoriado os arquivos arquidiocesanos duas vezes, o Crux pôde confirmar que o promotor está atualmente fazendo entrevistas com possíveis testemunhas em Santiago.
Falando à Rádio T13 na terça-feira, Arias disse que o caso do ex-chanceler de Santiago, padre Oscar Muñoz, e os relatos de uma rede de pedofilia na diocese de Rancagua, poderiam ser vistos como um crime de encobrimento por Ezzati.
"O encobrimento aparece depois que o crime é cometido, e a hipótese que está sendo investigada é se os criminosos foram regularmente favorecidos", disse Arias.
Quanto a Muñoz, de acordo com o promotor, é "um fato inegável" que a Igreja Católica sabia da existência de mais vítimas do ex-chanceler, além de uma terceira que ele auto-delatou em maio.
O fato de que as alegações só foram levantadas na Igreja e não na justiça civil foi o que levou o Ministério Público a abrir uma investigação.
"Uma organização, seja a Igreja Católica ou uma instituição privada, não pode deixar de denunciar crimes tão sérios quanto o abuso sexual de menores a autoridades civis", afirmou Arias.
Muñoz é atualmente acusado de ter abusado de pelo menos sete crianças -das quais cinco são seus sobrinhos. Os crimes teriam ocorrido na última década, com os últimos abusos ocorrendo no final de 2017, antes de ele deixar o cargo, em 05 de janeiro deste ano, 10 dias depois de dizer a Ezzati que abusou de um menor. Um dia depois, a arquidiocese recebeu o testemunho por escrito.
O cardeal, através da arquidiocese, divulgou uma declaração na última sexta-feira, dizendo que ele não sabia dos crimes do chanceler.
Para garantir que os padres sejam obrigados a apresentar acusações às autoridades civis, Arias disse que seria “saudável fazer uma pequena mudança na lei”, para que os padres sejam obrigados a falar “a exemplo do caso de outros profissionais, como os professores”.
Embora nunca tenha realmente citado Ezzati, Arias falou do “bispo” de Santiago, dizendo que ele conhece todas as alegações. Arias disse que a investigação visa determinar se houve outras alegações e se os bispos sabiam sobre elas ou não. Vale ressaltar que ele não descarta o fato de que alguém simplesmente escolheu não informar Ezzati.
Juan Carlos Cruz, jornalista e uma das vítimas do padre pedófilo mais famosos do Chile, Fernando Karadima, é menos cauteloso.
"[Se Arias me ligasse,] eu diria a ele que estou muito feliz pela investigação a Ezzati, que já estava na hora", relatou ao Crux por telefone na quarta-feira.
"A investigação não é exclusiva de Ezzati, pois envolve Errazuriz, e é extensa”, disse. “Espero que os promotores descubram a evidência que falta para provar o encobrimento. É algo que todo mundo sabe, mas necessário que a lei chegue até essas pessoas.” completou.
Cruz disse que está esperançoso de que a justiça prevaleça e confie no promotor.
"Eu não gostaria de os ver pagando de alguma forma por seus encobrimentos, mas temos que deixar a justiça seguir seu curso natural", afirmou.
Cruz é uma das três vítimas que foram recebidas por Francisco em Roma no início deste ano e a quem o Papa pediu conselhos sobre como enfrentar a crise na Igreja chilena. Desde então, o pontífice aceitou a renúncia de cinco bispos. Fontes disseram ao Crux que outras serão aceitas.
Segundo Cruz, Ezzati é um “falso”. A opinião de Cruz sobre o Papa, no entanto, é o oposto: “Eu acredito que ele vai agir. Eu confio nele”, ressaltou.
Isso não significa que Cruz não gostaria de ver um ritmo mais rápido na decisão de Francisco sobre bispos individualmente.
O sobrevivente de abuso clerical, que hoje mora na Filadélfia, falou com o Crux do Chile, onde está visitando a família. “Estou cooperando com o que posso", ressaltou.
Na quinta-feira, Cruz planeja voar para Lima, no Peru, onde irá conceder uma palestra em um teatro local. Ele vai apoiar uma peça chamada "San Bartolo", sobre o Sodalitium Christianae Vitae, uma associação católica fundada pelo leigo Luis Fernando Figari, que o próprio Sodalitium reconheceu ser culpado de abuso sexual.
Cruz também disse que se reunirá com congressistas e mulheres que estão atualmente investigando o Sodalitium. Fundada no Peru, a associação está presente em vários outros países, inclusive no Chile, onde, segundo Cruz, Figari contou com o apoio de Errazuriz.
"Errazuriz é muito amigo de Figari, que veio ao Chile convidado por Errazuriz em mais de uma ocasião. Ninguém deve se surpreender com isso. Onde quer que haja delinquência, Errazuriz está lá” completou.
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Chile. Dois cardeais se tornam foco de investigação de abuso clerical - Instituto Humanitas Unisinos - IHU