12 Mai 2018
O economista ecológico Bruno Peregrina Puga propôs-se a compreender como atores e instituições dentro do sistema de governança hídrica lidaram com a crise decorrente de um evento climático extremo (seca) enfrentado pelo Estado de São Paulo de 2013 a 2015, considerando que ocorrências decorrentes de mudanças climáticas extremas são importantes para revelar as falhas institucionais no enfrentamento desses novos desafios.
A reportagem é de Carmo Gallo Netto, publicada por Jornal da Unicamp, 10-05-2018.
Em tese desenvolvida na área de economia do meio ambiente do Instituto de Economia (IE) da Unicamp e orientada pelo professor Ademar Ribeiro Romeiro, ele adota uma abordagem institucional focada em três aspectos principais da governança hídrica: a distribuição de poder, a capacidade adaptativa e a capacidade de mudança institucional em decorrência da aprendizagem política.
A abordagem considera que a gestão de recursos hídricos envolve uma grande coordenação de diversos e diferentes atores e níveis institucionais; que os problemas que afetam a provisão e a qualidade dos recursos hídricos são difusos e envolvem distintos interesses e visões sobre melhor forma de alocação das limitadas disponibilidades financeiras; que embora a política ambiental tenha deixado de estar centrada principalmente nos Estados e se estendido para várias escalas institucionais e atores sociais, descentralizando a gestão ao nível das bacias hidrográficas, paradoxalmente, a crise analisada trouxe à baila os problemas da falta de transparência dos organismos oficiais e a centralização das decisões no governo do Estado que, mesmo depois dela, não foram resolvidos.
O economista ecológico Bruno Peregrina Puga, autor do estudo: “Temos uma governança pendular que funciona com alguma estabilidade quando não há grandes conflitos, mas que se demonstrou extremamente frágil em tempos de crise”
Para o pesquisador, “o enfrentamento da crise nos diversos níveis institucionais demonstrou sérios problemas de governança hídrica em termos de adaptabilidade, transparência e efetividade de ações. A segurança hídrica em São Paulo, principalmente na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), está longe de ser alcançada e talvez tenhamos perdido a oportunidade de avançarmos na institucionalidade necessária para lidarmos com as incertezas oriundas das mudanças climáticas”.
A crise hídrica constituiu um momento fértil para formação de redes de contatos entre pesquisadores, movimentos sociais, políticos e ambientalistas que se encontravam dispersos mesmo tendo um tema comum. Emergiram daí muitas reflexões, diversas análises e recomendações, mas permanecia ao final o mesmo sentimento comum: a impermeabilidade do processo político como impedimento para a internacionalização desses atores fora da burocracia estatal. Ficou clara a continuidade na adoção de um modelo essencialmente técnico centrado na busca de novas fontes de água para a RMSP, como ampliação de interligações entre sistemas de abastecimento e construção de novas represas, sem considerar a importância de obras de saneamento e da gestão da demanda, ainda ínfimas se comparadas às experiências internacionais estudadas pelo pesquisador.
Exemplos de outros países têm mostrado a impossibilidade da continuidade da adoção desse modelo tecnicista, principalmente em decorrência da inclusão cada vez maior de territórios adjacentes à bacia, e que as soluções que buscam a eficiência hídrica são muito mais bem-sucedidas e de custo-benefício maior. Mas tais soluções foram menos priorizadas sem que se avaliassem os reais custos de grandes obras de engenharia em termos ecológicos e sociais. Em suma, a tese procura mostrar que não houve mudanças fundamentais na gestão dos recursos hídricos em São Paulo, mesmo diante dos anseios da sociedade civil, devido à assimetria de poder e centralismo das decisões no Estado.
Puga mostra que a nova legislação sobre recursos hídricos, promulgada em 1997, ainda não foi capaz de resolver problemas de coordenação e incentivos em várias escalas, a começar dos municípios, responsáveis pelo uso do solo, e que deveriam ser levados a uma atuação mais efetiva sobre a contaminação das águas por esgoto, atividades agrícolas e pecuárias e na recuperação e preservação das matas, fundamentais para a manutenção das bacias hidrográficas. O pesquisador aponta também a pouca autonomia dos comitês de bacia para atuação nos municípios que abrangem. Por fim, destaca a pequena cooperação entre os sistemas de bacias vizinhas que mantêm uma ligação fundamental para as transposições que garantem água para as regiões mais populosas, o que acaba gerando conflitos municipais e até estaduais, amplamente divulgados pela imprensa por ocasião da última grande crise.
Em suma, diz o autor, “temos uma governança pendular que funciona com alguma estabilidade quando não há grandes conflitos, mas que se demonstrou extremamente frágil em tempos de crise, com tendência ao centralismo do poder nas mãos da burocracia estatal”.
Para o autor da pesquisa, a crise hídrica que a RMSP enfrentou entre 2013 a 2015 pode ser vista sob vários prismas. Os meteorologistas a investigam como evento climático extremamente raro e imprevisível. Economistas geralmente a analisam em termos de alterações de eficiência, regulação, investimento em capital e infraestrutura e da perspectiva da privatização ou reestatização das empresas de água, a depender do viés ideológico. Cientistas sociais a observam preferencialmente através do processo político e relações de poder. Pesquisadores ligados às ciências naturais e ecologia destacam a deterioração de características biofísicas e ecológicas dos sistemas na provisão da água. Urbanistas consideram os movimentos de ocupação desenfreado do solo e processos descontrolados de urbanização e concentração territorial.
Outros, exemplifica o pesquisador, destacam os processos de descentralização e mudanças no modelo de gestão dos recursos hídricos, caso das privatizações de empresas do setor de saneamento, como fatores que explicam a insegurança hídrica e o descaso com questões relacionadas ao saneamento. Há os que sustentam a tese de que as crises de abastecimento causadas por eventos extremos decorrem do próprio modo de governança dos recursos hídricos, em que se mesclam ideologia, gestão de água, produção natural e regulação ambiental. Portanto, como definir o escopo da análise configura um desafio dado a complexidade da questão, o pesquisador esclarece sua opção: “Ao adotar uma abordagem holística e baseada em um pluralismo metodológico, busquei analisar a complexidade da governança dos recursos hídricos de forma distinta da adotada na teoria econômica tradicional”.
A questão geral, que a tese buscou responder, é se a atual governança brasileira é capaz de garantir a segurança hídrica frente aos eventos extremos, partindo da hipótese de que somente uma governança policêntrica, em que há múltiplos centros de decisão em um mesmo território e nível institucional, pode levar à capacidade adaptativa do sistema e à garantia da segurança hídrica.
Igualmente, diz Bruno, “deve-se procurar compreender se os processos de descentralização e arranjos institucionais vigentes são realmente efetivos na gestão dos recursos hídricos em uma época em que se vislumbram incertezas climáticas”. Ele considera que a análise em um momento pós-crise de abastecimento urbano em algumas das bacias selecionadas para estudo, particularmente as do Alto Tietê e do sistema Piraciaba/Capivari/Jundiaí, permitiu revelar conflitos e gargalos que estavam escondidos ou eram desconhecidos de seus gestores.
Para o pesquisador, ficou claro que a crise hídrica enfrentada por São Paulo resultou de um conjunto de falhas de governança em que os processos de descentralização da gestão não foram capazes de ampliar a capacidade adaptativa do sistema e contribuíram de forma sistemática para um processo de produção de escassez.
Puga acredita que, ao analisar como as diferentes formas de poder estão configuradas, emergem a descentralização e a governança hídricas, que devem ser consideradas não apenas um evento isolado, mas como um problema de abastecimento urbano resultante do conflito entre usos distintos da água, que teve como gatilho um período de escassez de chuvas, mas que revela uma situação permanente.
“Busquei identificar, do ponto de vista institucional e político, se houve mudanças significativas depois da crise na forma de gerir os recursos hídricos e quais atores as bloquearam ou facilitaram. A forma como esses atores se organizaram e que tipos de estratégias, recursos e narrativas utilizaram, ajudam a entender como foi montada a agenda de enfrentamento do problema”, concluiu Puga.
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Economista mostra que sistema de governança pouco aprendeu com a crise hídrica que atingiu SP entre 2013 e 2015 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU