09 Mai 2018
Em seu espaço virtual, chamado La Pupila Insomne, dá espaço a textos de outros autores e se soma aos que defendem “o pensamento livre de uma nação e de um povo em toda sua multicolorida cultura de resistência e de vida”.
A afirmação é de Iroel Sánchez em entrevista concedida a Gustavo Veiga, publicada no Página/12, 07-05-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
No bairro de El Vedado, aos arredores do célebre hotel Habana Libre, vive Iroel Sánchez. Pela escada se chega até seu apartamento no segundo piso, que compartilha com sua companheira Cuqui e seu filho mais novo. Jornalista, analista político e sobretudo blogueiro da Revolução, nasceu em Santa Clara, em 1964. Seu espaço virtual se chama La Pupila Insomne. É o título de um poema do escritor e militante comunista cubano Rubén Martínez Villena, falecido em 1934. Ali toca os mais diversos assuntos, dá espaço a textos de outros autores e soma aos que defendem “o pensamento livre de uma nação e de um povo em toda sua multicolorida cultura de resistência e de vida”. Essa declaração assinou junto aos colegas da ilha, como o cantor e compositor Silvio Rodriguez.
Como se percebem, em Cuba, as mudanças que se produziram no governo e que levaram Miguel Díaz-Canel à presidência?
Creio que se veem como o desejo de uma continuidade da Revolução. Quiçá não seja como observa a maioria dos meios de comunicação fora de Cuba, que tem uma expectativa um pouco mórbida: ver o país sem os irmãos Castro. Porém se percebe com normalidade, também com expectativa. Para minha geração, em particular, Díaz-Canel é um de nós. Um companheiro de origem humilde, que é engenheiro e estudou em uma boa universidade, das mais importantes do país. Foi professor universitário, colaborador internacional na Nicarágua, aceitou trabalhar profissionalmente na Unión de Jóvenes Comunistas. Nunca foi uma pessoa que perdeu sua conexão com a realidade. Agora tem uma tarefa enorme sobre os seus ombros. Porém, não é alguém de laboratório, nem alienado. Esteve bem situado no momento histórico do país. Um cubano de Cuba conectado com sua atualidade, seu povo. Estou certo de que fará o melhor pelo país.
O que pode oferecer a Cuba o seu primeiro presidente nascido depois da Revolução?
É um homem culto, inteligente, que impulsionou o processo de informatização da sociedade, a abertura da Internet, aproximou o uso das tecnologias, com uma visão não ingênua, mas sim crítica. Tem uma relação também com o mundo da cultura, da informação, trabalhou na esfera ideológica do Partido Comunista. Eu acredito que tudo isso vai contribuir para o seu trabalho. Ademais, tem um vínculo com a intelectualidade, com a ciência, é alguém que vem de um ambiente de trabalho que é dos mais exigentes, pelo peso do mundo intelectual em Cuba, em seu sentido mais amplo. É uma capacidade que ele tem e que guarda relação com as características da geração a que pertence. Uma geração bem formada.
Diz-se que quando era funcionário provincial, Díaz-Canel costumava aparecer de surpresa onde o povo necessitava dele, uma prática que caracterizou Fidel Castro no modo de aproximação ao povo. Ele é assim ou se trata de propaganda oficial?
Não é um homem de protocolos, e sim de estar próximo do povo, aberto ao debate. Por razões de trabalho, interagimos com ele, o conhecemos como um homem arguto, de raciocínio rápido, rápido para ir à essência das coisas, como toda pessoa inteligente. É um homem que se emociona, que tem sentimento por Fidel, por Raúl, pela Revolução, porém, sobretudo, sente pelo povo. E isso guarda relação com a lenda que se criou e o afeto que ele ganhou entre o povo, nos lugares onde trabalhou. Não perdeu essa proximidade com as pessoas.
Poderia afirmar que ele é a ponte adequada, que une a velha geração da Revolução à nova?
Ele tem a tarefa de dirigir esse país nos próximos dez anos e talvez um pouco mais, porque deve terminar um mandato no partido como Raúl lhe explicou. Quando finalizar essa tarefa, terá em torno de 70 anos e será um homem em plenitude, com vitalidade intelectual, não será um ancião. Em Cuba há uma porcentagem muito alta de pessoas com mais de 60 anos, uns 20%, e por isso creio que é uma ponte geracional, porque estará entre essas pessoas de 60 anos e outra geração que andará pelos quarenta e poucos. Porém, mais importante que as idades é a capacidade de diálogo com uns e com outros, a capacidade de conhecer as problemáticas dessas gerações e de interagir com elas.
Ao assumir a presidência nesse mundo em que está, quais são os principais problemas internos que deverá ter em conta?
Ele disse no seu discurso. Não prometo nada, como a Revolução. Ao povo não será dito que lhes será dado algo, e Díaz-Canel afirmou outro dia: venho trabalhar para cumprir o programa que impomos e do qual fica uma parte importante para implementar. Isso é a nível interno, como as questões que geram uma grande expectativa: a unificação modificaria, por exemplo. O problema principal é a economia, e no nível externo o que mais impacta é o bloqueio e a agressão contra a Venezuela, que é o nosso principal e mais próximo aliado, que desde o governo Barack Obama tem sofrido uma guerra econômica brutal com o duplo objetivo de prejudicá-la e também a nós, indiretamente. O governo Trump é uma loucura imprevisível e não só com Cuba, mas também pela situação de instabilidade que impôs ao planeta. Não se sabe contra quem vai se levantar mal em determinado dia.
Vocês estão endurecidos nesse tipo de guerras de alta ou baixa intensidade com os Estados Unidos?
Eu diria que esses são os desafios de ordem interna e externa do novo presidente. E com essa complexíssima situação internacional, Díaz-Canel tratará de preservar os objetivos de desenvolvimento e de não afetar o povo ainda mais.
Há um componente regional que também influencia. Cuba perdeu aliados com a saída de Lula, Rafael Corrêa, Cristina Kirchner... agora há uma onda de governos de direita que configura outro mapa político no continente e que são aliados dos Estados Unidos. Como isso pode influenciar?
O governo bolivariano na Venezuela resistiu a todos os embates e eu tenho a esperança que sobreviverá às eleições de maio. É verdade que se retrocedeu em relação a três ou quatro anos atrás. Porém avançou em relação à 1999, quando Chávez chegou ao poder. Cuba perdeu aliados pela saída de governos progressistas na América Latina, porém também tem um consenso na região, inclusive entre governos de direita como Colômbia, México e até Argentina – não sei como tu vês isso – que não querem conflito com Cuba. O custo de ter conflitos com Cuba para esses governos seria muito alto. Isso eles não querem.
Cuba é o único país da América Latina que mantém relações com as nações mais pobres do mundo, sem importar seu tamanho. Possui embaixadas em muitos países que outros não têm. O que sustentou essa política até agora?
Cuba tem feito uma política externa que está muito adiante da sua demografia, de seu território pequeno com onze milhões de habitantes, de sua economia e é parte do que lhe permitiram sustentar. Não é política externa de um país pequeno. E sobretudo tem tratado com o mesmo respeito as grandes potências e os mais fracos, e isso dá muita autoridade. Cuba recebe da mesma maneira tanto o chefe de Estado de um país africano ou o presidente saharauí que luta para que reconheçam sua República Árabe Saharauí quanto o presidente dos EUA. E segundo, tem uma política de princípios. Na agenda de política externa não faz concessões para receber benefícios. Não troca um voto por um benefício. Isso lhe dá muita autoridade, e quando Cuba fala em um fórum internacional, é a voz dos que não têm voz.
Caso se resolvessem os problemas da política econômica, o cubano médio se aproximaria rapidamente da prosperidade desejada?
Claro, recorde-se de que nós temos um peso em cima que é o embargo. Nós somos como um corredor em que colocaram chumbo nos tênis, que em uma corrida parte mais atrás do que o resto do mundo. E é porque os Estados Unidos necessitam que nosso modelo fracasse, como na Venezuela.
O que diria aos que sustentam que o embargo é uma desculpa do governo cubano para se vitimizar?
Bem, pois então acabem com a justificativa, tirem-na. Se é uma justificativa, vejam se cairemos e fracassaremos sem ela. Porém não nos deixam nem fracassar, é muito óbvio. A União Soviética acabou e nós seguimos, morreu Fidel e seguimos, e agora vai ocorrer o mesmo.
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Cuba. “Díaz-Canel está conectado com seu povo, com sua atualidade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU