14 Abril 2018
Após viagem a Roraima, o oficial de assuntos humanitários da ONU Meio Ambiente, Daniel Stothart, alertou para as condições de vida precárias dos venezuelanos na capital, Boa Vista, e em outras cidades. Refugiados e migrantes enfrentam falta de banheiros adequados e de saneamento, o que tem impactos ambientais. Outros problemas incluem o aumento do lixo hospitalar e a derrubada de árvores para a preparação de alimentos.
A reportagem foi publicada por ONU Brasil, 13-04-2018.
Após viagem a Boa Vista, o oficial de assuntos humanitários da ONU Meio Ambiente, Daniel Stothart, alertou para as condições de vida precárias dos venezuelanos na capital. Muitos abrigos estão “superlotados, às vezes até quatro vezes mais do que sua capacidade segura”. “Eles não têm espaço ou banheiros suficientes nem estruturas de drenagem”, ressaltou o especialista em depoimento divulgado no início do mês (3).
Stothart conheceu uma venezuelana que disse se sentir “como um animal”. “Ela dormia numa tenda numa rotatória, com outras 900 pessoas. Não há serviços. O posto de gasolina mais perto cobra dois reais para usar o banheiro, um dinheiro que a maioria não pode gastar. Há uma pequena faixa de terra (na beira da estrada). Então, eles vão em duplas à noite”, conta o profissional do Programa da ONU para o Meio Ambiente.
O oficial de assuntos humanitários diz ainda que encontrou 79 pessoas morando debaixo de um coreto num parque. “As 14 famílias naquele lugar estavam ali por volta de nove a 18 meses. Eles não sabiam o que fazer ou aonde ir. Parecia que estavam aguardando. E esperando por uma mudança na Venezuela para poderem retornar.”
O especialista lembra que demorou três horas de carro para ir da fronteira entre a Venezuela e o Brasil até Boa Vista.
“Você teria de estar desesperado para percorrer todo esse caminho a pé. O terreno é uma mistura de morros e planícies, não há sombra e o sol é intenso. Estamos mais perto do Panamá, que fica a dois países de distância, do que de Brasília.”
O governo de Boa Vista estima que haja cerca de 40 mil venezuelanos vivendo na cidade. Além da capital, outros “municípios agora estão enfrentando problemas ambientais associados com o maior fluxo de pessoas na história recente do Brasil”, afirmou Stothart.
Segundo o oficial da ONU Meio Ambiente, os gestores dos abrigos vivem uma “batalha diária” para esvaziar as fossas sépticas dos centros de acolhimento. Três caminhões fazem um percurso de seis horas, de duas a três vezes por dia, para retirar os resíduos da fossa de um abrigo projetado para receber 200 pessoas. O local já tem mais de 500 residentes.
Outro problema é o manejo do lixo hospitalar. Stothart aponta que a rede de atendimento, já fragilizada, tem de lidar com um influxo de pessoas que não foram vacinadas e cujo estado de saúde é bastante debilitado. “O sistema também tem de gerir operações de saúde para a população (local). O aumento no lixo hospitalar que tem de ser manejado tem uma pegada ambiental própria, que por sua vez apresenta riscos de saúde pública para a população em geral.”
Stothart alerta ainda para o desmatamento associado ao fluxo de venezuelanos, que usam lenha para cozinhar. Para o especialista, “até que essa emergência receba uma injeção de recursos muito necessária, as pessoas continuarão a derrubar e levar árvores”.
“Isso, somado aos vários problemas de gestão de resíduos, é causa de conflitos com a população local”, completa o oficial da ONU Meio Ambiente.
Na fronteira, o esgotamento do lençol freático e a escassez de água continuam a se agravar com a chegada de novos venezuelanos.
“A área também é há muito tempo um criadouro da mineração informal e ilegal. Há cada vez mais relatos de que migrantes e refugiados venezuelanos estão sendo obrigados a trabalhar nessa indústria perigosa para sobreviver. Contudo, a extensão do impacto disso na saúde pública e no meio ambiente permanece desconhecida.”
Stothart elogiou a “liderança moral” do Brasil, que não fechou suas fronteiras a quem foge da crise na Venezuela.
No entanto, problemas internos à sociedade brasileira, como a crise política e econômica e as disparidades de renda, podem ter consequências para a resposta do governo ao fluxo de refugiados.
“Muitos podem dizer que (o Brasil) é um país rico e pode lidar com o fluxo de pessoas por conta própria. Mas os estados fronteiriços do Brasil estão entre os mais pobres e o país tem uma distribuição de renda altamente desigual”, ressaltou o oficial das Nações Unidas.
Na sua avaliação, é preciso implementar ações para evitar os conflitos locais causados pelos impactos ambientais dos movimentos migratórios e também pelas atividades de atores humanitários. Essas tensões poderiam gerar pressão pelo fechamento das fronteiras para pessoas com necessidades urgentes.
“É hora de a comunidade internacional e dos doadores aumentarem (seu apoio) e enfrentarem esses problemas ambientais. Isso permitirá ao Brasil e a outros países dar o apoio de que precisam urgentemente os refugiados e migrantes venezuelanos e as comunidades que os recebem.”
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Falta de serviços essenciais para atender venezuelanos em Roraima tem impactos ambientais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU