15 Março 2018
Um arcebispo polonês denunciou a condenação vinda de várias partes do mundo após entrar em vigor uma nova lei de responsabilidade por crimes durante o Holocausto.
A nova legislação, aprovada em janeiro com o apoio do partido governante Lei e Justiça, impõe multas ou até três anos de prisão para aquele que “publicamente e contra os fatos atribui à nação polonesa ou ao Estado polonês responsabilidade ou corresponsabilidade por crimes nazistas” ou “flagrantemente reduz, em qualquer sentido, a responsabilidade dos reais perpetradores”.
A informação é publicada por The Tablet, 13-03-2018. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Auschwitz é um dos campos de concentração nazistas na Polônia | Foto: Piotr Drabik
Mais de seis milhões de cidadãos poloneses, metade deles judeus, foram mortos durante a ocupação do país em 1939-1945 pela Alemanha nazista, que organizou muitos dos seus campos de morte – incluindo Auschwitz-Birkenau, Belzec, Sobibor e Treblinka – em território polonês.
Há tempos as autoridades polonesas se opõem às acusações sobre uma cumplicidade polonesa no Holocausto e protestaram quando o presidente americano Barack Obama empregou a frase “campo de morte polonês” durante um discurso em 2012.
A nova medida foi condenada como “infundada” pelo premier israelense Benjamin Netanyahu, e pelo Instituto Memorial Yad Vashem, de Jerusalém, que advertiu que ela impediria a pesquisa e o debate sobre o Holocausto. Enquanto isso, jornais poloneses disseram que funcionários americanos tinham ameaçado suspender projetos militares conjuntos e advertiram que o presidente Andrzej Duda e o premier Mateusz Morawiecki não seriam recebidos pelo presidente Donald Trump ou outros membros do governo.
Dom Waclaw Depo, da Arquidiocese de Czestochowa, criticou aquilo que viu como esforços para “alterar a verdade histórica”.
“Nas últimas semanas, o mundo se afastou da verdade – não só a verdade sobre Deus, mas também a verdade sobre nós e sobre a nossa história, transformando-nos em executores”, disse Dom Waclaw Depo. “Na realidade, somos uma nação de sacrifício e sofrimento, que primeiro sentiu os golpes dolorosos da Segunda Guerra Mundial, e então as tivemos ampliadas pelos anos da ocupação soviética”.
O arcebispo se manifestou depois sobre um apelo conciliatório feito por representantes de 6.850 poloneses homenageados por Israel, por terem salvado vidas judaicas sob a ocupação nazista, e membros da Associação Polonesa dos Justos entre as Nações, fora publicado em jornais dos EUA, da Europa e de Israel.
Enquanto isso, um apelo para um fim da “manipulação odiosa das emoções” foi também feito pelo Cardeal Stanislaw Dziwisz, ex-secretário de João Paulo II, que disse a um evento comemorativo do Holocausto, na Cracóvia, que ansiava por um maior entendimento.
“A única coisa que conta é o respeito pela outra pessoa – para os cristãos, isso cumpre o mandamento do Senhor”, disse o Cardeal Dziwisz. “Devemos dar testemunho da nossa fé através do que fazemos ao nosso próximo necessitado, assim como sendo capaz de reconhecer aquilo que não conseguimos fazer”.
Em seu apelo, a associação polonesa disse que centenas de poloneses pagaram com suas vidas por mostrarem “bondade e responsabilidade” com os judeus perseguidos, enquanto outros “nobres poloneses” haviam “agido em seu próprio nome” contra as vítimas do Holocausto. Ela pediu que os judeus e poloneses continuem construindo “uma aliança e um futuro” com base na “amizade, solidariedade e verdade”, pedindo também “empatia, prudência e consideração ao criarem as leis”.
No entanto, o principal filósofo judeu da Polônia contou que a polêmica em torno da lei havia atiçado uma onda de sentimento antijudaico e pediu que a Conferência dos Bispos do país se pronunciasse.
“Não víamos uma reação assim há bastante tempo; ajudaria a comunidade judaica se os que hoje buscam associar o catolicismo com o antissemitismo fossem propriamente repreendidos”, disse Stanislaw Krajewski, professor da Universidade de Varsóvia e um dos presidentes do Conselho Polonês de Cristãos e Judeus.
“Independentemente do objetivo do governo, o gênio antijudaico está à solta novamente, e certos grupos extremistas parecem achar que agora possuem a permissão, graças aos sinais recentes, de dizer e fazer o que bem entender”.
Na entrevista ao The Tablet, Stanislaw Krajewski disse que havia pessoalmente feito oposição à lei, que entrou em vigor no dia 1º de março, mas acrescentou que os “protestos e reações” subsequentes pioraram a atmosfera e atiçado “declarações antijudaicas terríveis”.
“O modo como a lei está formulada faz dela um instrumento flagrante para paralisar e punir qualquer pessoa. Mas a reação dura por parte do governo contra os críticos incentivou muitos a pensar que agora podem atacar os judeus”, disse o professor. “O governo está arruinando as relações com os outros países, ao mesmo tempo em que fortalece o eleitorado local – é isso o que ameaça e nos preocupa, e seria útil se os bispos poloneses deixassem claro que esta onda antijudaica foi longe demais”.
Acredita-se que aproximadamente 80% dos 13.5 milhões de judeus no mundo possuem laços familiares históricos com a Polônia, cujos 3.5 milhões de judeus compõem um décimo da população antes da guerra. Apenas 100 mil escaparam de morrer durante o Holocausto, dos quais muitos mais tarde imigraram, embora numerosos lugares judaicos foram restaurados e vários festivais culturais e religiosos tenham sido reavivados.
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Arcebispo polonês responde aos críticos da lei do Holocausto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU