28 Novembro 2017
Esta semana, o Senado pretende debater suas propostas de reforma tributária. Na semana passada, abordei algumas questões morais envolvidas neste debate. Mas também é um debate sobre economia, que nunca é desprovido de questões morais, mas tem uma certa integridade disciplinar que deve ser respeitada.
A reportagem é de Michael Sean Winters, publicada por National Catholic Reporter, 27-01-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Faz quatro anos que o Papa Francisco emitiu sua Exortação Apostólica programática Evangelii Gaudium. No parágrafo nº 54, o Santo Padre faz uma afirmação econômica explícita:
"Neste contexto, alguns defendem ainda as teorias da ‘recaída favorável’ que pressupõem que todo o crescimento econômico, favorecido pelo livre mercado, consegue por si mesmo produzir maior equidade e inclusão social no mundo. Esta opinião, que nunca foi confirmada pelos fatos, exprime uma confiança vaga e ingênua na bondade daqueles que detêm o poder econômico e nos mecanismos sacralizados do sistema econômico reinante."
O Pontífice Romano não goza do carisma da infalibilidade ao fazer tais declarações, mas realmente precisa desse carisma para sustentar estas afirmações? Será que não são um tanto óbvias?
Não se tiver ouvido os líderes republicanos defendendo seus planos. Na semana passada, o presidente da Câmara dos Deputados, Paul Ryan falou momentos antes de a casa votar pela aprovação de seu projeto de reforma tributária. Sobre a recuperação econômica "anêmica" dos anos Obama, disse, "e sabem o que isso significa para os contribuintes, que trabalham duro — sabem o que isso significa para os americanos? Ninguém tem aumento de salário, o padrão de vida está estagnado, há elevada ansiedade econômica. Aprovar esta lei é a única coisa de maior impacto que podemos fazer para estimular a economia, recuperar as oportunidades e ajudar as famílias de renda média que estão em dificuldades". Numa conferência de imprensa em seu estado natal, Kentucky, Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, fez eco a questões-chave da fala de Paul Ryan.
É economia trickle-down (de gotejamento) clássica. O principal propósito dessa reforma tributária, e sua peça-chave, é a redução da tributação das empresas, de 35% para 20%. Todas as outras alterações propostas no código tributário giram em torno dessa mudança, assim como os planetas giram em círculos ao redor do sol. É esta redução de tributação das empresas que vai estimular o crescimento econômico de anêmicos 2% para 3% ou mais, prevê o Partido Republicano. E com mais dinheiro para gastar, as empresas dos Estados Unidos vão aumentar os salários para que todos se beneficiem.
O problema com esta análise é ainda mais básico do que a crítica do Papa. Lendo as páginas de negócios, sabe-se que empresas estadunidenses têm muito dinheiro nas mãos e fácil acesso a crédito. Quem quiser começar ou expandir um negócio, não terá problemas para encontrar financiamento. De acordo com um relatório da Moody's deste verão, as empresas dos EUA têm $1,84 trilhões na mão. E ainda que grande parte desse valor advenha de poucas grandes empresas, o mesmo relatório mostrou que as pequenas empresas não estão tendo dificuldades em conseguir empréstimos para seus projetos. Então, por que colocar ainda mais dinheiro nas mãos das empresas vai ajudá-las a fazer investimentos que já não estão fazendo? O Washington Post traçou o perfil de uma empresa em Lebanon, Pensilvânia, e o proprietário admitiu que quer o corte de impostos, mas que não afetará seus planos de negócios, que já permitem novo crescimento.
Ouvimos a promessa de salários mais altos por quem tanto pede pela adoção de uma política econômica trickle-down. Ambas as reduções tributárias de Reagan, em 1981, e de Bush, em 2001, prometiam que todos os barcos subiriam com a maré econômica. Mas, como mostra este relatório do Pew Research Center, os salários estão estagnados desde os anos 70. A Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos demonstra que, ainda que a produtividade tenha tido um grande aumento desde o fim da Segunda Guerra Mundial e os salários tenham correspondido a esse crescimento no início dos anos 70, aumentos de produtividade levaram a maiores lucros e maiores salários para executivos em altos cargos, mas não para o trabalhador comum.
Claro, em sua tentativa de criar um código tributário "limpo", livre de qualquer "interesse especial", o Partido Republicano conseguiu manter algumas vantagens. Tanto os projetos de lei da Câmara como do Senado mantêm lacunas em relação a participação nos lucros que permitem que gerentes de fundos de cobertura indiquem impostos de ganhos menores na sua renda. O projeto de lei do Senado, em uma tentativa de proporcionar “certeza”, cria uma brecha fiscal especial para quem gerencia jatos particulares. Tenho certeza que irá estimular o salário do trabalhador comum. As cervejarias artesanais dão-se bem no projeto de lei do Senado, mas a maioria dos trabalhadores braçais que eu conheço não bebem cervejas artesanais, bebem cerveja comum. E elegeram Donald Trump. Como ele vai enfrentá-los, quando, assim como antes, a economia trickle-down que promete nunca os alcançar?
O Papa Francisco, no mesmo parágrafo citado acima, abordar os efeitos dessa economia, e, de forma mais geral, da nossa situação econômica atual:
Entretanto, os excluídos continuam a esperar. Para se poder apoiar um estilo de vida que exclui os outros ou mesmo entusiasmar-se com este ideal egoísta, desenvolveu-se uma globalização da indiferença. Quase sem nos dar conta, tornamo-nos incapazes de nos compadecer ao ouvir os clamores alheios, já não choramos à vista do drama dos outros, nem nos interessamos por cuidar deles, como se tudo fosse uma responsabilidade de outrem, que não nos incumbe. A cultura do bem-estar anestesia-nos, a ponto de perdermos a serenidade se o mercado oferece algo que ainda não compramos, enquanto todas estas vidas ceifadas por falta de possibilidades nos parecem um mero espetáculo que não nos incomoda de forma alguma.
Como ele foi profético! Os republicanos passaram a primeira metade do ano tentando chutar milhões de pessoas, em grande parte pobres, da assistência à saúde. Agora, os republicanos estão empurrando um plano fiscal que prejudica o trabalho da classe média e dos pobres. Enquanto é possível que os impostos dos mais pobres diminuam, em longo prazo as reduções de impostos tornarão ainda mais urgente a necessidade de encolher o governo, o que irá inevitavelmente prejudicá-los.
O presidente Paul Ryan e o Senador Mitch McConnell gostam de falar sobre oportunidade, mas como observa o Santo Padre, o sistema que defendem não oferece oportunidades reais para muitas e muitas pessoas que já não se beneficiam da economia. Moralmente, é repugnante, mas se ler as páginas de negócios, percebe-se que a reforma tributária do Partido Republicano é, em termos econômicos, exatamente o que o Papa disse: uma teoria que nunca foi advinda de fatos.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
EUA. Reforma tributária do Partido Republicano é uma teoria trickle-down não comprovada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU