21 Agosto 2017
No início da manhã de 8 de janeiro de 2008, Luz Marina Bernal deixou sua casa para acompanhar o marido nas compras. Ao voltar, por volta das 16h, eles não encontraram ninguém em casa. O casal supunha que três de seus filhos haviam ido à escola. E que o mais velho, Fair Leonardo, estava ajudando alguém da vizinhança. Leonardo era uma pessoa boa e prestativa. Mas ele nunca mais voltou para casa.
A reportagem é de Cristina Esgueira, publicada por Deutsche Welle, 21-08-2017.
Nos meses seguintes, Luz Marina e sua família procuraram por Leonardo ininterruptamente. Eles buscaram em hospitais, prisões e institutos médico-legais, como também entre viciados e sem-teto em Bogotá. "Eu mesma comia regularmente, mas não sabia se meu filho recebia comida suficiente ou tinha uma cama limpa", lembra-se Luz Marina do tempo desesperador de busca.
Em 16 de setembro daquele ano, ela recebeu um telefonema de um instituto médico-legal. "Eu soube imediatamente que se tratava de meu filho, que ele estava morto."
Segundo o atestado de óbito, Fair Leonardo Porras foi morto no dia 12 de janeiro de 2008 em confrontos entre insurgentes e uma brigada militar em Ocana, no departamento de Norte de Santander, a mais de mil quilômetros de sua casa. Segundo o atestado, ele era o líder dos rebeldes.
Depois de um processo judicial que se arrastou por quatro anos, Luz Marina pôde provar que seu filho não era membro e muito menos líder de um grupo rebelde. O jovem de 26 anos era portador de deficiência intelectual. Além disso, ele não podia usar corretamente o seu braço direito e mancava da perna direita.
Foi a primeira vez que um caso dos chamados "falsos positivos" foi reconhecido como crime contra a humanidade. Seis membros das Forças Armadas foram condenados a mais de 50 anos por – entre outros crimes – incitação conjunta ao crime.
O processo em torno de Fair Leonardo rendeu duas constatações. Primeiramente, que um crime como esse deveria ser julgado por um tribunal civil. E, em segundo lugar, que esse assassinato não era um caso isolado, cometido por alguns poucos soldados. Por trás havia o objetivo de apresentar os militares como vencedores na luta contra as guerrilhas.
Sob o governo do ex-presidente Álvaro Uribe, entre 2002 e 2010, as Forças Armadas eram recompensadas com dinheiro, promoções, medalhas, dias de férias e outras vantagens quando eliminavam rebeldes oposicionistas – sobretudo os esquerdistas radicais das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Para esse fim, os militares não se intimidavam em manipular as estatísticas com a morte de civis inocentes. "Álvaro Uribe mentiu quando disse que em seus oito anos de governo foram mortos 7 mil insurgentes. Os militares não matavam rebeldes, mas nossos filhos", diz Luz Marina.
Homens de famílias pobres como Fair Leonardo, mas às vezes também mulheres e adolescentes eram sequestrados, assassinados a bala para então serem apresentados como guerrilheiros mortos em combate. Até agora são conhecidos 5 mil casos de tais "falsos positivos". A maioria deles remonta ao período entre 2002 e 2010.
"Até agora, por volta de 97% dos casos não foram punidos legalmente", afirma Carolina Lopez Giraldo, membro da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, no departamento de Caldas.
Depois que o acordo de paz entre o governo e os rebeldes das Farc foi assinado, em dezembro de 2016, o debate público passou a girar em torno de como questões de verdade histórica, justiça e reparação devem ser abordadas, e como o tema dos "falsos positivos" deve ser avaliado. É discutível se eles devem ser julgados pelo mecanismo judicial de transição criado no contexto do tratado de paz, a Jurisdição Especial para a Paz (JEP).
"Todos os seis homens que participaram do assassinato de Fair Leonardo avaliam se beneficiar da JEP", diz Luz Marina. A questão decisiva para a sua condenação é se os crimes, em última análise, ocorreram em consequência do conflito armado na Colômbia. Para se chegar a um veredicto, a resposta a essa pergunta é de considerável influência.
Para Carolina Lopez Giraldo e Luz Marina Bernal, os "falsos positivos" foram mortos pelos militares porque isso gerava vantagens pessoais nas Forças Armadas. Segundo o ponto de vista delas, esses assassinatos não têm nada que ver com o conflito.
Juan Carlos Henao, presidente da Universidade Externado, em Bogotá, e advogado do governo colombiano durante as negociações de paz com as Farc, diz ver as coisas de forma diferente. Segundo a sua avaliação, os casos agora em julgamento têm uma relação indireta com o conflito armado. As estatísticas sobre os guerrilheiros mortos remontam a uma iniciativa do Estado colombiano.
Além do sistema de justiça de transição JEP, também deverá ser instalada uma comissão da verdade segundo os moldes da África do Sul. "Dessa forma, a verdade jurídica é separada daquela que a comissão da verdade procura encontrar", explica Henao. "Ambas as instituições se diferenciam. Uma não deve interferir na outra."
De acordo com uma reportagem da influente revista Semana, até 2015 por volta de 3 mil militares foram processados por familiares dos "falsos positivos". Desses, 815 foram condenados. Entre eles, no entanto, havia somente cinco comandantes. O resto era, em sua maioria, soldados ou sargentos. Na época da publicação da reportagem, outros cinco tenentes-coronéis foram condenados pelo assassinato de 72 civis entre 2006 e 2007.
O Tribunal Penal Internacional (TPI) pode interferir nos julgamentos se crimes contra a humanidade permanecerem impunes. A corte já sinalizou interesse especial nos casos dos "falsos positivos". A atenção do TPI se volta para 23 generais e seis comandantes, entre eles o atual chefe das Forças Armadas colombianas, general Juan Pablo Rodríguez Barragán.
"A ideia de que os soldados vêm de famílias semelhantes à minha é dolorosa", revelou Luz Marina. "Aqueles que lutam não são os filhos de senadores e deputados. São os nossos filhos que servem ao seu país. Guerra significa que pessoas pobres matam outras mais pobres ainda."
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Colômbia. Os "falsos positivos" e a busca por justiça - Instituto Humanitas Unisinos - IHU