02 Junho 2017
A Igreja de Francisco é o oposto pleno de uma Igreja clerical. É uma Igreja a serviço do Evangelho, não uma Igreja preocupada unicamente com sua sobrevivência institucional. O jornal La Croix examina algumas questões cruciais deste seu papado.
A reportagem é de Isabelle de Gaulmyn, publicada por La Croix International, 01-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
“A esperança é realmente como uma vela”, disse o Papa Francisco em sua audiência geral na quarta-feira desta semana, referindo-se à festa de Pentecostes. “Ela recolhe o vento do Espírito Santo e o transforma em uma força motriz que impulsiona o barco, conforme a necessidade, para o mar ou para a terra”.
Será que este tipo de esperança poderá fazer com que as reformas do Papa Francisco conduzam a Igreja de volta para o mar? É esse o tipo de pergunta que se mantém recorrente nas rodas de conversas em Roma.
O motivo é que, embora as reformas de Francisco estejam claramente visíveis, muitos se perguntam quanto tempo elas irão durar. Ou mais diretamente ainda: as pessoas estão se perguntando se as reformas sobreviverão à morte de um papa que já está com 80 anos e que não se poupou fisicamente.
Uma pessoa próxima ao papa empregou a imagem de um barco: a Igreja é como um barco que encalhou e não consegue se mover. Parece estar condenada a ser uma estrutura imóvel, estancada numa tradição de séculos, assistindo impotentemente os católicos aos poucos se retirarem.
Não obstante, o Papa Francisco vem tendo sucesso em colocar o barco de volta ao mar. Ele é o papa que reconheceu a secularização e convidou a Igreja a desempenhar, plenamente, o seu papel no seio da sociedade secularizada.
A Igreja precisa “sair” ao mundo, como já falou o pontífice em diferentes ocasiões.
Ela precisa estar do lado de fora, com as pessoas, com todas as pessoas, diferentemente da noção de Bento XVI, de uma “minoria criativa”, formada por uma elite que se considera responsável de preservar a mensagem cristã contra as adversidades.
Com o Papa Francisco, a Igreja dirige-se a cada pessoa com as palavras-chave: “benevolência e misericórdia”. Não existe mais a divisão entre pessoas de dentro e pessoas de fora. Não mais existe um programa claro que busca certo tipo de restauração, a qual poderia se localizar em um continuum progressista/conversador.
O único programa é o Evangelho, que pode às vezes desconcertar as pessoas.
Consequentemente, a Igreja do Papa Francisco é o oposto pleno de uma Igreja clerical. É uma Igreja a serviço do Evangelho, e não uma Igreja preocupada unicamente com a sua sobrevivência institucional.
Finalmente, a Igreja do Papa Francisco não é uma igreja romana. Ele está trabalhando para limitar a influência dos cardeais curiais, ao chamar os bispos da base, isto é, o famoso C9, o grupo dos cardeais, para assessorá-lo e ao colocar uma ênfase maior na noção de sinodalidade.
Vaticanistas experientes igualmente observam silenciosamente que muitos poucos documentos estão sendo, hoje, publicados pelos dicastérios romanos. Peguemos, por exemplo, a atividade do Pontifício Conselho para a Família.
Antes, este órgão emitia declarações múltiplas sobre todo e qualquer assunto concebível com o único objetivo de lembrar os fiéis das proibições e advertências.
Até mesmo a formidável Congregação para a Doutrina da Fé parece estar em hibernação. Na visão do papa, basicamente são as conferências episcopais nacionais ou continentais que deveriam tomar a dianteira nas iniciativas pastorais.
Como os nossos contatos vaticanos confirmam, na verdade o navio da Igreja já deixou o porto sob as velas do Vaticano II tendo apenas o Evangelho como guia. “Mas por quanto tempo isto vai durar?”, perguntam-se com preocupação.
Certamente um documento constitucional normativo poderia institucionalizar este reequilíbrio dos centros de poder. Mas um papa pode fazer o que quiser fazer. Portanto uma nova constituição não impedirá um futuro papa de voltar a um sistema romano mais formal.
Na realidade, a melhor maneira de um papa continuar seu trabalho é certificar-se de que o sucessor o continue. Daí a necessidade de preparar o próximo conclave.
Esse é o único modo de entender o mais recente anúncio de Francisco, segundo o qual ele irá nomear cinco novos cardeais, movimento que pegou todo mundo de surpresa. Francisco está ultrapassando a regra atual de 120 cardeais eleitores, isto é, aqueles com idade abaixo de 80.
Estes cinco religiosos possuem personalidades abrangentes, porém compartilham a visão que Francisco tem de Igreja. São, antes de tudo, pastores, vindos de países que, por vezes, são ignorados, afetados às vezes por experiências de vida muito poderosas – incluindo experiências dolorosas – e que vêm de uma variedade de culturas.
Quatro anos após sua eleição, o Papa Francisco já nomeou quase 40% do colégio eleitoral para o próximo conclave. É um grande número para tão pouco tempo de papado.
Uma outra área de apoio para o papa é a sua popularidade imensa. Isso fica evidente durante as suas audiências públicas às quartas-feiras.
O papa beija bebês, obre seu coração aos homens e mulheres de um modo como se estivesse em uma festa infantil alegre, na qual tira um tempo para falar com e ouvir a multidão.
Mesmo assim, apesar da insistência de que é apenas um pobre pecador, o Papa Francisco, na verdade, ajudou a criar o equivalente a uma enorme máquina “de adoração ao papa”, muito embora ele a tenha feito sem querer.
É difícil imaginar um sucessor que venha a mudar a direção de um papa tão querido – pelo menos, não abertamente – sem causar um cisma na Igreja Católica.
Enquanto as pessoas estão claramente do lado do papa, os “gerentes” estão surpreendentemente ausentes. Na comitiva papal, tem-se o sentimento de decepção dos bispos locais, que parecem apoiar o papa somente com palavras ou que apenas tomam nota de suas mudanças sem assumir as iniciativas pedidas por ele em muitas ocasiões.
Enquanto grupo, os bispos têm posto Francisco numa espécie de jogo de espera. Por outro lado, talvez o seu tipo de Igreja seja demasiado exigente para eles.
Existe um problema semelhante com os movimentos leigos católicos. Um analista confidenciou: “Por quase 50 anos, os leigos se queixaram do autoritarismo de Roma, de suas posturas excessivamente conservadoras, de sua desconexão com a sociedade. No entanto, agora que estamos chamando-os, onde estão os movimentos da Ação Católica ou os batalhões das associações católicas?”
O Papa Francisco vem obtendo sucesso no sentido de conquistar o apoio dos movimentos carismáticos e outros movimentos novos de dentro da Igreja. Mas quantos destes responderam ao convite do papa a uma Igreja que sai mundo afora?
Quem irá assumir os grandes temas do Papa Francisco e passá-los adiante para as bases? Este talvez seja o principal calcanhar de Aquiles deste pontificado... Mesmo se ainda há motivos para esperança.
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Será que as reformas do Papa Francisco irão durar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU