31 Janeiro 2017
“Quem ainda acredita que o cristianismo é um motivo de esperança, encontrará na Teologia da Libertação vínculos solidários com todos os credos, filosofias, modos de humanidade e coletivos sensíveis com a sorte dos descartados. Novas alianças ainda são possíveis. Foram-no no passado. Serão indispensáveis no futuro”, escreve Jorge Costadoat, SJ, teólogo chileno, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 29-01-2017. A tradução é de André Langer.
A Teologia da Libertação foi a expressão mais genuína da recepção do Vaticano II na América Latina. O Concílio, no continente, deu lugar a uma nova Igreja, uma Igreja ungida pelo Espírito, capaz de celebrar e pensar como só podem fazê-lo comunidades livres e adultas.
É isto, penso, o que o Papa Francisco reconhece quando disse: “A Teologia da Libertação é uma coisa positiva na América Latina”. E continua a ser? Ou simplesmente se esgotou?
Não tenho dúvidas de que, de um ponto de vista metodológico, a Teologia da Libertação segue vigente. Teria que suspeitar, ao contrário, de teologias não libertadoras. Se não libertam, com o que estão comprometidas? Mas não se pode negar que a Teologia da Libertação, enquanto movimento, enquanto modo de ser Igreja, está em crise.
Observo o tema de uma esquina do continente: o Chile. Minha visão é parcial. O que vejo? Um novo clero combateu a eclesiologia do Povo de Deus. Chegou o bispo e disse: “é melhor um padre ruim do que uma boa freira”. Tirou a irmã, e o padre acabou com a participação comunitária. A religiosa sumiu. Nunca mais se ouviu falar dela. Comunidades cheias de vida, pessoas que aprenderam a ler com a Bíblia nas mãos, catequeses familiares, cozinhas, pratos, coleta de fundos, refúgio contra a ditadura, amparo às vítimas das violações aos direitos humanos, cestas básicas de solidariedade, teatro, visitas aos doentes, as exéquias feitas pelos próprios leigos, iniciativas com os deficientes, liturgias dirigidas por mulheres, drogados, idosos, alcoolistas, isto e muito mais foi ignorado, considerado talvez profano, eliminado ou deixado simplesmente cair.
Deve-se reconhecer, sim, que as crises das comunidades – e de uma teologia que se não se arraiga nelas não tem razão de ser – não dependeram apenas de padres e bispos do pós-concílio revisionista. A mudança cultural em andamento é impressionante. O mercado transforma as pessoas em indivíduos solitários, inermes; arma e desarma redes precárias de clientes. Todas as formas de associatividade experimentam mutações radicais. Surgem novas. As antigas morrem, enfraquecem e, em alguns casos, conseguem transformações positivas. A religiosidade encontra-se na mão de um grande mercado, no qual até mesmo o cristianismo é oferecido em produtos e a preços com os quais o próprio catolicismo não pode competir.
A situação é tão grave que, não pela questão de uma teologia melhor ou pior, o futuro da Igreja na América Latina está comprometido. Dir-se-á que a religiosidade popular ainda é vigorosa. Certo, mas na perspectiva do Evangelho, esta é mais cristã quanto mais fraternal e solidária for. E é exatamente isso que está fracassando. Haverá, no futuro, comunidades cristãs que celebram sua fé e compartilham o pão com os necessitados? Quem correrá riscos pelo amor ao próximo? Os devotos das pulseiras milagrosas? Na minha opinião, as comunidades são fundamentais. Se elas vierem a faltar, o resto importa menos, pouco ou nada.
Contudo, mesmo no caso de só restarem cristãos solitários, sem comunidades, crentes zumbis, utópicos do Reino dos Céus, eles podem travar uma batalha nesta guerra, embora seja como franco-atiradores; também Jesus, ao final, seguiu em frente sozinho. A comunidade o abandonou. Poderão apenas resistir, porque as razões para vencer, nesta terra, são quase nulas. Ainda poderão identificar-se com a Teologia da Libertação aqueles que militam contra os abusos à dignidade humana.
O capital concentra-se em um grau pavoroso, a necessidade de ter um trabalho compromete mais do que nunca a honra das pessoas, o planeta se incendeia e pode fracassar pela razão menos pensada. Quem ainda acredita que o cristianismo é um motivo de esperança, encontrará na Teologia da Libertação vínculos solidários com todos os credos, filosofias, modos de humanidade e coletivos sensíveis com a sorte dos descartados. Novas alianças ainda são possíveis. Foram-no no passado. Serão indispensáveis no futuro.
Talvez a Teologia da Libertação ainda reside na Igreja. Caso contrário, esperamos que assim seja.
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O futuro da Teologia da Libertação - Instituto Humanitas Unisinos - IHU