12 Janeiro 2017
”Sempre que ouço essa linguagem – “o espírito do Vaticano II” –, fico em alerta imediato, pois não há dúvida: já foi demonstrado e pode ser demonstrado novamente que muito do que aconteceu na Igreja depois do Concílio Vaticano II, que invocava o Concílio Vaticano II, nada tem a ver com o que os Padres Conciliares ensinaram. Vimos isso na ruína da Sagrada Liturgia e em outros aspectos também”, afirma o cardeal Raymond Burke, em entrevista concedida a Michael Matt, publicada por The Remnant, 09-01-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
A entrevista foi publicada na edição impressa do jornal The Remnant em 25-12-2016. The Remnant é uma publicação católica tradicionalista dos EUA e Michael Matt é o seu editor.
Eis a entrevista.
Gostaria de começar abordando a polêmica em torno da exortação pós-sinodal do Papa Francisco, Amoris Laetitia. Este documento, especialmente o parágrafo 305, é descrito por vários padres e teólogos como “perigoso”, “perturbador”, “muito problemático”, “um grande equívoco”, “uma contradição direta com Familiaris Consortio do Papa João Paulo II”, e assim por diante. Antes de tudo, Vossa Eminência, qual a autoridade deste documento? E estamos falando aqui apenas de um escândalo, ou será que aqueles parágrafos problemáticos se aproximam de uma heresia?
Antes de mais nada, a própria forma de Amoris Laetitia, como venho afirmando desde o começo, e, na verdade, também as palavras do Papa Francisco neste documento indicam não se tratar de um exercício do magistério papal. E a maneira como o documento necessariamente é lido, como acontece com todos os documentos, encontra-se à luz do ensino e da prática constantes da Igreja. Portanto as declarações em Amoris Laetitia que estão em acordo com o ensino e a prática constantes da Igreja certamente são bem colocadas. Mas há uma série de declarações que estão, na melhor das hipóteses, confusas e que devem ser esclarecidas, e é por isso que quatro de nós cardeais formulamos, de acordo com a prática clássica da Igreja, cinco questões ao Santo Padre tendo a ver exatamente com os fundamentos da vida moral e do ensino constante da Igreja nesse tocante.
Claro está que nós, na apresentação das ‘dubia’ e ao formular as perguntas, acreditamos que se elas não forem respondidas há um grande perigo de uma confusão continuar na Igreja, confusão que tem levado almas ao erro com respeito a questões relativas à salvação. Assim certamente, sem o esclarecimento destas dúvidas, existe um escândalo em potencial.
Com respeito à questão da heresia, é preciso estarmos atentos à heresia material e à heresia formal. Em outras palavras, na heresia material: Há declarações concretas no texto que são materialmente heréticas? São elas contraditórias à fé católica? Na heresia formal: A pessoa – a saber, a pessoa do papa que escreveu o documento – pretendia proclamar ensinamentos heréticos? E, por fim, eu próprio não acredito. Penso que a linguagem é confusa, sendo difícil dizer que estas declarações pouco claras são materialmente heréticas. Elas precisam, porém, ser esclarecidas, e recusar-se a esclarecê-las pode levar as pessoas ao erro, ao pensamento radical com respeito a alguns problemas bastante sérios.
Ouça a entrevista, em inglês, com o cardeal Burke aqui:
Se nada mudar e não haver nenhum esclarecimento no futuro, e visto que estamos falando sobre o ensino católico sobre a indissolubilidade do matrimônio – e dado que o matrimônio já está tão aguerrido, com divórcios rampantes e agora até mesmo o casamento homoafetivo –, o que o senhor enxerga como decorrências do documento Amoris Laetitia, especialmente o parágrafo 305 e a nota 351, caso nenhum esclarecimento venha a ser feito, não só para a Igreja como para o mundo inteiro?
Seria bastante ruim. Recentemente li um artigo de Ross Douthat, no New York Times, que comentava a aplicação de Amoris Laetitia na Diocese de San Diego. O autor disse, corretamente, que se a interpretação desta exortação estiver correta e se for aceitável, então o ensino da Igreja sobre o matrimônio acabou. E nós não podemos ter isso, evidentemente, pois é a lei que Deus inscreveu no coração humano desde a Criação; é a ordem, a lei, que Cristo confirmou em Seu ensino de um modo superclaro, como relatado em Mateus, Capítulo 19, onde confere a graça de um sacramento cristão.
Portanto, as ‘dubia’ devem ser respondidas. As perguntas precisam ser respondidas de acordo com a tradição da Igreja a fim de que esta possa levar a cabo a sua missão de salvação do mundo. Se a Igreja aceitasse simplesmente os modos da nossa cultura com respeito ao matrimônio, então teria traído a si própria e ao seu Senhor, e isso nós simplesmente não podemos permitir.
Em carta datada de 05-12-2016 aos bispos de Buenos Aires, o Papa Francisco escreve: “Não há outras interpretações de Amoris Laetitia” além daquela admitindo católicos divorciados e recasados à Sagrada Comunhão em alguns casos. Ele é bem inflexível aqui, Vossa Eminência. É possível imaginar um cenário onde o senhor descobre que deixou de perceber algo, que os quatro cardeais estão interpretando equivocadamente a exortação e que teriam de concordar que estavam errados? Quero dizer, se algo assim não é possível, então qual é ponto central das ‘dubia’? Os senhores já sabem as respostas às cinco perguntas enunciadas?
Com certeza sabemos. Mas o importante é que o pastor da Igreja universal, em seu ofício de guardião das verdades da fé e promotor das verdades da fé, deixe claro que ele também responde a estas perguntas da mesma maneira que a Igreja as responde. E portanto o que ele escreveu nessa carta significa somente que se trata de um entendimento pessoal do assunto. Mas a carta dificilmente será considerada um exercício do magistério papal. E então temos uma situação dolorosa, mas temos apenas de pressionar no sentido de esclarecer o assunto.
Vossa Eminência, na era do diálogo que vivemos, o próprio Papa Francisco vem propondo uma “discussão aberta sobre uma série de questões doutrinais” e disse que o pensamento dos pastores e teólogos, se são fiéis, honestos, realistas e criativos, “na verdade ajudaria a chegar a uma maior clareza”. O que podemos inferir dessa decisão de não dialogar com vocês nesta busca pela mesma clareza sobre um ponto fundamental de teologia moral?
Ora, acho, para dizer de forma bem clara, que as pessoas estão nos acusando, nós os quatro cardeais, de desrespeito ao oficio papal, [estão nos acusando de termos] uma atitude hostil para com o papa. De forma alguma isso é verdade. Somos cardeais. Temos uma responsabilidade muito séria de auxiliá-lo e, por este motivo, levamos à sua atenção estas dúvidas que permanecem em um documento que carrega a sua assinatura. E não podemos fazer o contrário, tampouco a Igreja pode.
Portanto o tema terá de ser resolvido com certeza. Iniciamos um diálogo propondo as ‘dubia’. Quando fomos informados de que não haveria resposta, vimos que teríamos de trazer o diálogo diante de toda a Igreja porque inúmeros fiéis – muitíssimos padres e bispos – têm expressado uma grande confusão a esse respeito, e também para saber como estas divisões estão criando mais divisões em várias partes da Igreja entre bispos e padres e fiéis em torno dos ensinamentos fundamentais da fé.
Ora, essa é a obra do diabo. E o Espírito Santo gera unidade e a conversão diária de vida à Cristo que nos ajuda a superar os pecados e a viver de acordo com a verdade. E portanto essa divisão, essa confusão, precisa ser resolvida e remediada. Isso faz sentido?
Sim, com certeza. E obviamente, nos parece, como fiéis leigos, que esta é a sua função – o seu dever diante de Deus.
Na verdade, algumas pessoas me dizem: “Por que vocês publicaram essas ‘dubia’? Ele é o papa. Deveriam ficar satisfeitos”. Mas, não, isso não é suficiente porque onde quer que eu vá – e eu viajo muito – as pessoas dizem: “O que há com vocês cardeais? Temos essas questões graves, e no entanto vocês permanecem em silêncio. Não dizem nada”. E elas estão certas. Se devêssemos nos manter silentes, definitivamente estaríamos passando a ideia aos fiéis de que tudo está bem, mas nem tudo está bem.
E quanto à ideia de que esta situação possa chegar ao ponto em que vocês percam o título de cardeal? Acreditam as coisas podem chegar a este ponto?
Sequer penso sobre isso. Quero dizer, com certeza é possível. Já aconteceu, historicamente, de um cardeal que veio a perder o título. Mas eu não penso sobre isso porque sei qual o meu dever, e não posso me distrair dele por este tipo de pensamento – você sabe, preocupar-me sobre se serei de algum modo processado por defender a verdade. Como disse, alguém me falou: “Não está com medo de insistir nesse tema?” Falei que temo ter de aparecer diante do Nosso Senhor no Juízo Final e precisar dizer: “Não, eu não Vos defendi quando estáveis sendo atacado, a verdade que ensinastes estava sendo traída”. Então, eu não penso sobre isso.
Rezo para que isso o que Vossa Eminência diz se torne contagiante na vida da Igreja e nos níveis mais elevados. O senhor sabe que conta com um grande apoio. Na realidade, ao demonstrarem o apoio ao senhor e aos outros três cardeais, uma série de pastores, pesquisadores e professores, tanto na Europa como aqui nos Estados Unidos, assinaram uma carta de apoio também poucas semanas atrás onde apontam que, como consequência da confusão generalizada e da desunião que se seguiu à promulgação de Amoris Laetitia, a Igreja universal está agora entrando e um “momento gravemente crítico em sua história”, que, de acordo com eles, possui semelhanças alarmantes com a grande crise ariana do século IV. Tenho curiosidade de saber: O senhor concorda? Acha que esta situação tem o potencial de chegar a algo semelhante à crise ariana?
Sim, concordo. Agora, no caso da crise ariana, esta tinha a ver com as duas naturezas na única pessoa do Nosso Senhor Jesus Cristo. Aqui, porém, estamos lidando também com a própria verdade fundamental, realmente as duas verdades fundamentais: a verdade sobre o Sagrado Matrimônio e a verdade sobre a Sagrada Eucaristia. E se essa confusão não for parada, iremos ter uma situação onde haverá, dentro da Igreja, grandes grupos de pessoas que não acreditam na fé católica como, por exemplo, Santo Ambrósio se encontrava quando se tornou bispo de Milão. Então é uma questão séria, e eu particularmente não acho que as pessoas estão sendo extremas ao fazerem esta observação (comparar com o arianismo). Não creio que estejam sendo extremas, de maneira alguma.
Dom Athanasius Schneider, que aparentemente é um parceiro seu a esta altura, apoiando-o, graças a Deus, com uma carta de apoio endereçada aos quatro cardeais, fala daquilo chamado por ele de “reações intolerantes às “dubia”, e salienta que os quatro cardeais têm sido castigados como “ingênuos, cismáticos, heréticos e mesmo comparáveis aos hereges arianos”. Isso deve ser doloroso pessoalmente para o senhor obviamente, Vossa Eminência. Mas o que aconteceu de errado na Igreja quando uma simples solicitação de esclarecimento sobre uma matéria de moral e doutrina é respondida com uma tal reação visceral de parte de membros da hierarquia? O que houve de errado?
Vou dizer o que penso que houve de errado e é algo bem mundano, um modo mundano de pensar que entrou na vida da Igreja. A Igreja dividiu-se em partidos políticos, ao invés da unidade de todos os católicos e da unidade em Cristo. E o modo mundano de pensar permite que as pessoas se engajem nesse tipo de abordagem ad hominem intemperado e ridículo.
As questões apresentadas na dubia estão formuladas de forma respeitosa; são dúvidas muito honestas e merecem uma reposta honesta. O que vejo nestas reações intemperadas é um sinal de que as pessoas que não querem responder à nossa dubia percebem, na realidade, que elas não se fundamentam em uma base sólida. Não podem responder às dúvidas corretamente e, portanto, tentam desacreditar a pessoa que as levantou. É uma reação humana antiga, porém mundana, secular. Não tem lugar na Igreja.
Então, qual o próximo passo, Vossa Eminência? Se o Papa Francisco não responder às vossas dúvidas, qual a próxima ação a ser tomada? O senhor falou da possibilidade de elevar o caso a uma correção formal. Mas o que é isso exatamente?
Não é muito diferente das “dúbia”. Em outras palavras, as verdades que parecem estar sendo postas em questão em Amoris Laetitia seriam simplesmente postas ao lado com aquilo que a Igreja sempre ensinou, praticou e anunciou no magistério oficial da Igreja. E, nesse sentido, estes erros seriam corrigidos. Isso lhe faz sentido?
Sim, absolutamente. Um tema um pouco fora disso que estamos falando: quando estive em Roma cobrindo o Sínodo 2016, percebi um assunto constante em todo o evento – a ideia de acompanhamento, “Igreja do acompanhamento”, como se no passado a Santa Mãe Igreja não soubesse acompanhar os pecadores. Isso me deixou confuso. O Cardeal Peter Turkson, por exemplo, nos garantiu na Sala de Imprensa do Vaticano, que, no próximo Sínodo, essa “Igreja do acompanhamento” abordaria as chamadas “uniões homoafetivas”. O senhor vê alguma mudança por vir inclusive na maneira como este pontificado “acompanha” os que se encontram em uniões homoafetivas? É possível que no próximo ano estejamos discutindo uma dubia sobre uma exortação pós-sinodal que pareça aprovar o modo de vida gay?
Essa noção de acompanhamento certamente não possui nenhum significado teológico ou doutrinal clássico. E certamente não se justifica pôr em questionamento as verdades morais, especialmente no que respeita os atos que são sempre e em todos os lugares maléficos. E se o acompanhamento é entendido dessa forma, você está plenamente certo – essa ideia pode nos levar a todo tipo de debates prejudiciais e confusos.
Porém acho que essa noção falsa de acompanhamento, na medida em que tem manifestado os seus efeitos danosos na discussão da situação daqueles em uniões matrimoniais irregulares, irá nos levar ou a esclarecer o que significa acompanhar ou irá nos levar a abandonar o emprego desta categoria. Isso nos conduz à relação de fé com a cultura. Somos chamados pela fé ao encontro da cultura, mas encontramos a cultura com as verdades da fé e a convidamos a uma transformação.
Em outras palavras, conformar-se sempre mais à verdade que Deus inscreveu na própria natureza e, em particular, no coração humano. Mas se esta noção de encontrar a cultura não tiver um embasamento teológico, se não for compreendida corretamente, a Igreja começará a parecer-se como se estivesse correndo atrás da cultura. Em outras palavras, que está tentando imitá-la. Agora, se a cultura fosse perfeitamente cristã, ela ainda não seria correta, mas a fé não seria prejudicada. Estamos vivendo numa cultura que é contrária à vida, à família e à religião. Portanto deixar qualquer impressão de que a Igreja endossa uma tal cultura – isso é loucura.
Sim, é o que parece. Quero dizer, o Santo Padre admoestou os padres contra transformarem o confessionário em uma “câmara de tortura”. Mas hoje, mais do que nunca, parece que essa cultura, que é tão cristofóbica, se preferir, precisa ouvir a voz da Mãe Igreja de um jeito que seja corretivo... talvez não acompanhando. O que quero dizer é o ato de tentar corrigir e ajudar o pecador – não é esta a maneira ulterior de acompanhar aquele que peca?
Exatamente! E isso tudo se faz com caridade. Não nos aproximamos das pessoas balançando o dedo, gritando a elas ou agindo com histeria. A nossa fé nos torna serenos, mas também nos faz firmes. Nós também nos aproximamos da cultura com a verdade da lei moral e com a verdade que o próprio Cristo ensina.
E, em verdade, isso é exatamente o que a cultura deseja. A cultura não tem respeito pela Igreja que simplesmente diz: “Ah, tudo está bem” e a endossa. Essa cultura espera que a Igreja se aproxime dela com um desafio. Muitas vezes pensei isso em termos de relação dos pais com os filhos. Quando os filhos demonstram um comportamento indesejado, elas necessitam ser corrigidas e orientadas. Se os pais simplesmente os mimarem: “Ah, está bem, está tudo bem”, os filhos crescerão de um modo bem desordenado e nutrirão grandes problemas. Eles acabam não respeitando os pais por isso.
[Em risos] Posso lhe dizer, Vossa Eminência, que como pai de sete eu não acompanho muito os meus filhos. Eu os amo e os corrijo quando necessário, mas acompanhá-los? O que isso quer dizer?
Exato. Inclusive como professor, eu corrijo os alunos e eles gritam a mim: “Eu te odeio”. Têm pais que me disseram que o filho sai correndo da sala dizendo: “Odeio vocês”. Mas penso que, em última instância, esse jovem será grato pela correção recebida. Pode não ser uma gratidão imediata, mas é aí que vemos o aspecto importante – temos a eternidade e o bem eterno do filho e também o destino eterno da cultura e de poder agir em conformidade.
Certo. Sabe, Vossa Eminência, nesta última década os católicos têm vivido momentos ímpares, com os escândalos envolvendo padres, a abdicação do Papa Bento e esse pontificado nenhum pouco convencional do Papa Francisco. E agora isso. Sei que pode ser cedo demais, mas qual o seu conselho aos fiéis leigos caso Francisco continue a não responder à dubia?
O meu conselho é este, e se inspira na verdade, a realidade que Cristo está vivo para nós na Igreja, nos ensinamentos dela, nos seus sacramentos, na vida de oração e devoção, em sua disciplina: continuem a elevarem-se no conhecimento da fé e no conhecimento de Cristo, pois Ele está vivo para nós na Igreja. Estudem o Catecismo da Igreja Católica e outras expressões do ensino constante da Igreja, por exemplo: a exortação apostólica Familiaris Consortio de São João Paulo II. E então continuem a aprofundar a sua participação na Sagrada Liturgia e vida de oração no lar e na vida devocional.
Ao mesmo tempo, esforce-se em conformar suas vidas cada vez mais às verdades da nossa fé, seguindo o ensino moral da Igreja e o ensino da lei moral. Hoje, depois da Oração de Ação de Graças, oramos na Forma Ordinária que estaríamos sendo tochas para acolher Cristo via orações e testemunho à Sua verdade, e é sobre isso que devemos nos preocupar. Se fizermos isso, estaremos encorajados e não nos deixaremos desgastar por causa destas dificuldades através das quais estamos passando.
Vossa Eminência, eu nasci em 1966, basicamente um filho do Concílio Vaticano II, e em toda a minha vida parece que houve uma diminuição gradual da Sagrada Tradição e uma substituição dela por algo novo. Sabe, a Comunhão na mão ou coroinhas femininas, anulamentos facilitados e outros exemplos. O Papa Francisco se descreve como alguém que está agindo na fé de acordo com o espírito verdadeiro do Concílio Ecumênico Vaticano II. E eu me pergunto: O senhor tem a preocupação de que o que estamos vendo hoje é, na verdade, uma sequência de algum tipo de continuum daquele espírito do Vaticano II que tem menos a ver com Francisco e mais a ver com uma nova orientação da Igreja Católica de modo geral?
É uma inquietação legítima. E sempre que ouço essa linguagem – “o espírito do Vaticano II” –, fico em alerta imediato, pois não há dúvida: já foi demonstrado e pode ser demonstrado novamente que muito do que aconteceu na Igreja depois do Concílio Vaticano II, que invocava o Concílio Vaticano II, nada tem a ver com o que os Padres Conciliares ensinaram. Vimos isso na ruína da Sagrada Liturgia e em outros aspectos também.
Então, eu acho que o que temos de fazer é voltar ao ensino constante da Igreja conforme expresso no Concílio Vaticano II, mas também em todos os concílios ecumênicos e em todos os ensinos autênticos da Igreja no decorrer dos séculos. Somente quando os católicos estiverem imersos por completo nos ensinamentos da fé é que estarão preparados para dar aquele testemunho necessário hoje e também é aí que irão estar preparados para serem membros fortes da Igreja e mantê-la forte.
Hoje, sofremos de décadas de uma catequese pobre, ou de não termos catequese alguma. E isso tudo tem gerado efeitos. Porém possuímos instrumentos para resolver essa situação e precisamos usá-los. Vejo muitos sinais, pessoas que realmente querem conhecer a fé que professam e aprofundar seus conhecimentos. Querem que a Sagrada Liturgia seja realmente aquilo que deve ser: um encontro com o Céu em toda a sua beleza. Estas pessoas estão profundamente preocupadas em aprender com levar uma vida boa e moral.
Uma última pergunta, Eminência, é se o senhor pode dizer alguma coisa que venha a nos ajudar. Somos membros da imprensa católica, e há muitos da imprensa católica que apoiam o senhor e os três outros cardeais. Mas queremos fazer parte da solução. Não queremos fazer parte do problema. O que quer que façamos enquanto se desdobra esta situação dramática em torno da dubia? Existe algo que gostaria que não disséssemos? Em outras palavras, qual a melhor coisa que podemos fazer para ajudá-lo nesta posição em que se encontram?
Creio que a melhor coisa que podem fazer para ajudar, e vários de vocês têm feito isso já, é simplesmente imprimir a verdade, mas de uma maneira serena para manter o respeito absoluto pela Igreja em todos os seus aspectos, incluindo o ofício petrino, que é essencial em nossa vida na Igreja.
Mas, ao mesmo tempo, falem claramente a verdade de um modo amoroso. Se fizerem isso, como uma série de membros da imprensa vem fazendo, será bastante útil. Não queremos contribuir para a divisão assumindo uma abordagem agressiva e ousada, que dividirá as pessoas e que fará com que aquelas que não compreendem tudo o que está ocorrendo fiquem escandalizadas. Isso queremos evitar. Porém penso que se expressarem as verdades da nossa fé desse modo sereno e amoroso, estarão ajudando a todos, incluindo os que podem talvez não entender a dificuldade em que estamos.
Vossa Eminência, realmente agradeço por tirar este tempo para responder a estas perguntas. Nem precisa dizer que estamos todos rezando por você e estamos tão felizes pela postura que assumistes. E se em algum momento haver algo que possamos fazer para ajudá-lo, por favor nos informe. E, claro, tenha certeza do nosso apoio e de nossas orações.
Obrigado. Continuem rezando por mim e eu fico muito grato por isso. Gostei muito de conversar com você nesta manhã.
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Amoris Laetitia e a crise ariana, segundo o cardeal Raymond Burke - Instituto Humanitas Unisinos - IHU