27 Setembro 2016
Ainda que pensávamos que a situação econômica havia melhorado e que os piores anos da crise haviam ficado para trás, é possível que o pior ainda esteja por vir. É o que sugere o demolidor novo relatório sobre comércio publicado pelo principal órgão da Assembleia Geral da ONU, que adverte sobre os perigos que pairam atrás da esquina. Assim como ocorreu em 2010, trata-se de uma crise da dívida, mas o alcance pode ser muito maior, uma vez que atinge um grande número de países em vias de desenvolvimento, cada vez mais economicamente vulneráveis.
A reportagem é de Héctor G. Barnés, publicada por El Confidencial, 23-09-2016. A tradução é do Cepat.
“Durante os últimos anos, houve uma preocupação com a fragilidade financeira nas economias emergentes, em razão de uma avalanche de fluxo financeiro e crédito barato a partir de 2009, alimentado até um ponto considerável por programas de expansão quantitativa nos países desenvolvidos”, destaca o relatório Trade and Development Report 2016. “Os sinais de alarma foram disparados há um tempo pela explosão da dívida corporativa nas economias emergentes do mercado”.
Este relatório chamou a atenção dos meios de comunicação globais. O editor de economia do jornal The Telegraph, Ambrose Evans-Pritchard, explicava que “a terceira onda desta depressão global sem remédio ainda está por vir”. A escala, desta vez, será muito maior que em ocasiões anteriores (o caso Lehman Brothers ou Grécia é uma piada ao seu lado): “Pode ser a crise definitiva do capitalismo globalizado, o decesso da ortodoxia do livre mercado liberal promovida durante os últimos 40 anos pelas instituições de Bretton Woods, a OCDE e a fraternidade de Davos”. Não é brincadeira.
O documento publicado pela UNCTAD, a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, se submerge em um panorama global “frágil”, no qual as economias desenvolvidas se recuperam muito mais lentamente que o esperado e o comércio global se enfraqueceu, o que deteve o crescimento de muitos países pobres, excessivamente dependentes do capital estrangeiro. “Na medida em que o capital começa a minar, há um verdadeiro perigo de entrar em uma terceira fase da crise financeira que começou no mercado imobiliário americano, em fins do ano 2007”. Já começou no Brasil, Rússia e África do Sul, países à beira da recessão, nos quais pode se produzir “uma daninha espiral deflacionária”.
O relatório ressalta a armadilha econômica criada pela globalização, que acentuou na última década, como a culpada. As empresas privadas dos países em vias de desenvolvimento devem mais de 25 bilhões de dólares (em fins de 2008, o valor era de 9 bilhões), e a maior parte desta dívida provavelmente nunca se pague. “Não se pode descartar uma daninha espiral deflacionária”, acrescenta o documento.
“Nossa experiência passada nos mostra que se grande parte da dívida do setor privado é alta e está emitida em moeda estrangeira, como na América Latina, termina nas contas de balanço públicos, com o risco de uma crise de dívida externa soberana”.
Como ocorre em uma economia globalizada, um espirro em um lugar do mundo pode acabar contagiando o planeta de gripe. Só que neste caso, a julgar pelos termos empregados no relatório, pode se tratar de uma enfermidade mortal. “O medíocre rendimento dos países desenvolvidos, a partir da crise econômica de 2008-2009, e a crise financeira vão durar, com o risco adicionado que supõe a perda de estímulo aos países em vias de desenvolvimento, durante os últimos anos, que será maior do que se pensava”, explica o documento.
A ameaça é clara: “Sem uma mudança de direção neste aspecto, o ambiente externo enfrentado por estes países será pior, com consequências potencialmente daninhas para sua prosperidade e estabilidade a curto e médio prazo”. Não só para os países pobres e em desenvolvimento, mas também em escala global: “Não se pode descartar um contágio mais amplo pelos ‘choques’ imprevistos que golpeiam de maneira mais forte o crescimento global”. O documento se refere explicitamente ao ‘brexit’, que provoca maremotos em uma corrente já bastante turbulenta em si.
Como recorda Evans-Pritchard, este cenário é a consequência previsível em países em vias de desenvolvimento das medidas de estímulo nos Estados Unidos, Europa e Japão: “Uma inundação de crédito barato que decompõe sua química e os conduz a uma armadilha”. No entanto, apesar que se pensava que isso poderia ocorrer, não se suspeitava que os efeitos fossem tão devastadores. O relatório é um puxão de orelhas em “uma cultura de recompra de ações e uma incansável extração de benefícios” na qual os lucros obtidos pelas empresas não são reinvestidos em postos de trabalho ou crescimento sustentável.
Se o relatório resulta relevante, destaca o economista, é porque contradiz muitas das visões populares sobre os benefícios da globalização, “aquelas que continuam sendo ensinadas em universidades e escolas de negócios, há duas gerações”. A justificativa moral a qual as nações desenvolvidas recorrem é que os investimentos estrangeiros “melhoraram o padrão de vida de milhares de milhões de pessoas na Ásia”. No entanto, o documento da ONU destaca que, na realidade, esta relação econômica não funcionou em muitos países, que enfrentam uma possível “desindustrialização prematura”.
Nos últimos anos, muitos países viram como seu setor industrial se estagnava e deixava de produzir postos de trabalho. É o que ocorreu na Índia, México e muitos países do sudeste asiático. Ainda pior foi na África subsaariana, onde o desenvolvimento das manufaturas parou inclusive antes da industrialização do país. Mas, ainda mais grave é a desindustrialização, acompanhada por uma queda da produtividade, em países como América do Sul ou do norte da África, desde os anos 1980. Em muitos casos, este processo está ligado a “drásticas mudanças para políticas macroeconômicas mais restritivas e uma redução do investimento dos Estado para apoiar as transformações estruturais”.
Nas economias mais pobres, os benefícios das iniciativas para o alívio da dívida dos anos 1990 e princípios dos anos 2000 e da rápida integração nos mercados financeiros, após 2008, estão se evaporando rapidamente”, adverte o relatório. A situação mudou em apenas alguns anos, quando a dívida emitida pelos países em vias de desenvolvimento em forma de bônus parecia infinita (de 2 bilhões em 2009 para 18 bilhões em 2011). No entanto, fatores como uma pior projeção de crescimento fizeram com que seu financiamento saia muito mais caro.
Caso a economia global enfraqueça ainda mais, “uma grande parte da dívida dos países em vias de desenvolvimento, acumulada desde 2008, pode se tornar impagável e exercerá uma considerável pressão sobre o sistema financeiro”. Além disso, o relatório acrescenta que “caso isso ocorra, a comunidade internacional precisa se preparar para renegociar as dívidas de uma maneira mais rápida, mais justa e mais ordenada que a forma como fez até agora”.
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A terceira onda da recessão. Para a ONU, está a caminho a crise definitiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU