23 Mai 2016
A Áustria deixou neste domingo os destinos do Estado no ar. Em uma tarde eleitoral inédita, o ultradireitista Norbert Hofer (FPÖ) e o independente apoiado pelos Verdes Alexander Van der Bellen mal se distanciaram na contagem e protagonizaram um empate técnico que deixa a decisão à mercê do voto pelo correio. O auge da ultradireita divide em dois a sociedade austríaca — polarizada pela crise migratória e pelo descontentamento com a falta de reformas para reativar a economia — e causa profunda inquietação em Bruxelas.
A reportagem é de Sara Velert, publicada por El País, 23-05-2016.
A ultradireita austríaca partiu com uma clara vantagem na corrida presidencial. Com Norbert Hofer como candidato, o partido anti-imigração e eurocético FPÖ obteve o melhor resultado de sua história ao vencer o primeiro turno das eleições presidenciais austríacas em 4 de abril passado, com 35% dos votos. As urnas deixaram o segundo lugar para Alexander Van der Bellen, com uma diferença de 14 pontos que neste domingo desapareceu logo com as primeiras projeções de voto. Os candidatos a ocupar a presidência trocaram várias vezes o primeiro lugar sem que nenhum conseguisse vantagem suficiente para proclamar-se vencedor.
Na última hora da tarde, o Ministério do Interior austríaco anunciava um resultado provisório, sem as cédulas enviadas pelo correio, que dá uma ligeira vantagem ao candidato ultranacionalista, com 51,9% frente aos 48,1% de seu concorrente.
Agora os candidatos devem esperar a decisão que nesta segunda-feira acrescente a contagem dos votos pelo correio, dos quais — segundo o ministro do Interior, Wolfgang Sobotka — fizeram uso cerca de 750.000 cidadãos, que representam 14% do eleitorado.
Tanto Hofer quanto Van der Bellen se mostraram surpresos diante do resultado apertado e ao mesmo tempo confiantes em ocupar finalmente a presidência do país quando se resolver o impasse. “Nunca vivi uma noite eleitoral assim”, reconheceu o dirigente do FPÖ.
A longa campanha dividiu os cidadãos austríacos e os deixou diante de duas opções opostas. A ultradireita protagonizou o debate depois da vitória do FPÖ no primeiro turno, o que causou um terremoto político ao deixar fora da corrida presidencial pela primeira vez em mais de 50 anos os socialdemocratas (SPÖ) e democratas-cristãos (ÖVP), partidos que dominaram a cena política austríaca desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
A derrota eleitoral forçou pouco depois a queda do chanceler socialista Werner Faymann, acossado por críticas internas, depois do endurecimento da política de asilo e da ascensão de uma ultradireita que conseguiu capitalizar o descontentamento da população pela ausência de reformas que impulsionem a economia e a preocupação com a entrada no país de milhares de refugiados. A Áustria registrou no ano passado cerca de 90.000 pedidos de asilo e as pesquisas refletem uma inquietude crescente com a qual Hofer se conectou com um discurso contra a imigração e a favor de fechar as fronteiras aos “falsos refugiados”.
A possível vitória de Hofer, que fez campanha sob o lema de “Áustria e os austríacos primeiro” em função da imigração e da rejeição às decisões políticas tomadas em Bruxelas, é seguida de perto por outros grupos populistas e radicais europeias como a Frente Nacional e a Alternativa pela Alemanha, que veem o crescimento do FPÖ como um impulso para seus interesses.
Bruxelas também depende do resultado austríaco diante da possibilidade de que a presidência seja ocupada por um partido eurocético cujo candidato afirma que hoje votaria contra a entrada do país na UE. O presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, não escondeu sua rejeição a uma vitória da ultradireita na Áustria. “Não gosto. Sei que os austríacos não querem ouvir isso, mas não me importa: com a extrema direita não há debate nem diálogo possível”, declarou na sexta-feira, dia 20, em uma entrevista ao jornal francês Le Monde.
Os comentários de Juncker e também do presidente do Parlamento Europeu, Martin Schulz, que afirmou que uma vitória do FPÖ e partidos similares mudará o caráter da Europa, não passaram desapercebidos na Áustria, que ficou marginalizada por meses por seus colegas quando em 2000 a ultradireita — liderada então por Jörg Haider — formou uma coalizão governamental com os democratas-cristãos.
A situação, porém, mudou desde então e o FPÖ segue seu curso ascendente às custas do retrocesso constante dos partidos tradicionais. Ampliou sua base de eleitores com mensagens sobre emprego, insegurança e advertências contra a islamização da Áustria com a chegada de migrantes.
Colapso governamental
As urnas premiaram sua estratégia no primeiro turno das eleições. Mas também castigaram os dois grandes partidos tradicionais — socialdemocrata e democracia cristã, juntos na atual coligação governamental — que não conseguiram reunir entre os dois mais de 22%, mas que também enviaram pela primeira vez ao segundo turno um candidato que, mesmo se declarando independente, conta com o apoio e o financiamento dos Verdes, dos quais foi porta-voz no Parlamento.
Van der Bellen, de 72 anos, apelou aos votantes para que apostassem em uma Áustria aberta e europeia, e denunciou que o candidato ultranacionalista pretende transformar o país em uma “república autoritária” sob o comando de seu líder, Heinz-Christian Strache.
Sua mensagem parece ter mobilizado o eleitorado que rejeita a ideia de que a extrema direita ocupe pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial a presidência de um país da Europa ocidental. O candidato se aproximou assim de Hofer, que mantém sua base de votos, mas se complicou em uma eleição na qual começou como favorito.
Toda a política europeia fica em suspenso diante de um resultado com um valor especial em meio de um marcante crescimento das forças de ultradireita e uma queda das famílias políticas tradicionalmente no poder.
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O auge da ultradireita divide a Áustria em dois e inquieta a Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU