Subsídio elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Primeira Leitura: 2Sm 5,1-3
Segunda Leitura: Cl 1,12-20
Salmo: 121,1-2.4-5
Evangelho: Lc 23,35-43
No último domingo do Tempo Comum, celebramos “Cristo, Rei do Universo”. Nossa fé nos ensina que a ele foi entregue toda autoridade e poder, no céu, na terra e debaixo da terra.
No evangelho de hoje, vemos Jesus já no alto da cruz, insultado por aqueles que presenciam seu sofrimento. Lucas distingue quatro grupos: o povo, os chefes, os soldados e os malfeitores. No relato das tentações, Lucas diz que o diabo se afastou dele até o tempo oportuno (Lc 4,13). Agora chegou o tal do tempo oportuno.
O povo (v. 35a): No relato de Lucas, as pessoas do povo não passam, param, olham e vão embora (cf. Mc 15,29). Ao contrário, o povo fica parado observando. Este verbo é o mesmo do Sl 22,8: todos os que olham para mim, caçoam mim, abrem a boca e meneiam a cabeça. Mas, ao contrário do salmo, as pessoas que observam Jesus na cruz não zombam nem balançam a cabeça: elas contemplam a cena meditativamente, sem dizer uma palavra.
Os chefes dos judeus (v. 35b): Lucas utiliza o termo “chefes” no lugar de “sumos sacerdotes” e “escribas” (cf. Mt 27,41; Mc 15,31). Ironicamente, o evangelho coloca na boca desses chefes o reconhecimento de que Jesus salvou outros. Eles ainda sugerem que Jesus faça o mesmo para si, se for mesmo o Cristo de Deus, o eleito.
Os soldados (vv. 36-38): A ação dos soldados pode ser interpretada como um cumprimento do Sl 69,22: como alimento deram-me fel, e na minha sede me deram vinagre. Lucas interpreta isso como zombaria. Em vez de vinho misturado com mirra, oferecem-lhe vinagre, a mesma bebida citada no salmo). Lucas não diz se Jesus a aceita ou a rejeita. O evangelista, no entanto, coloca na boca desses soldados palavras muito semelhantes às dos chefes judeus. Os soldados, porém, não usam o título “Cristo”, e sim “Rei dos Judeus”, e igualmente encorajam Jesus a aproveitar tal dignidade para se salvar (v. 37).
Os malfeitores (vv. 39-43): Diferentemente de Mateus (27,44) e Marcos (15,32), Lucas não chama os dois executados de bandidos, guerrilheiros (em grego, lēstai), mas de malfeitores (em grego, kakourgoi). Tanto num como noutro caso, a tradução “ladrões” não é adequada e deve ser totalmente descartada. Para compreender por que “ladrões” é uma tradução incorreta, é necessário entender que tipo de crime era punido com a crucificação. Sob a dominação do império romano, a pena da crucifixão não era aplicada a qualquer tipo de criminoso. Assassinos e assaltantes eram punidos com outros castigos. A cruz, porém, era reservada para os que se levantavam contra o imperador, para os que eram considerados terroristas e guerrilheiros. Por alguma razão, a atuação de Jesus foi considerada subversiva, uma ameaça ao império. Por isso ele foi crucificado. Significa que a proposta de Jesus incomodou alguém importante; significa que o Reino de Deus que Jesus anunciava não agradou a todos. Lucas, como dissemos, não usa bandidos, mas um termo mais genérico: malfeitores. Com tal mudança, Lucas quer que seus leitores leiam a crucifixão de Jesus à luz do Quarto Canto do Servo Sofredor, isto é, Is 52,13–53,12, que afirma “entre os malfeitores foi-lhe dada sepultura (v. 12).
Lucas, porém, dá ênfase à diferença de atitudes entre os malfeitores crucificados com Jesus. Um deles repete a provocação dos chefes e dos soldados e desafia Jesus, caso seja de fato o Cristo, a salvar si mesmo e a eles igualmente (v. 39). O outro crucificado repreende o primeiro por tal conduta, reconhece sua própria culpa e pede a Jesus que se lembre dele (vv. 40-41). Este sabe que Jesus é inocente, que tem um reino no qual logo estará e, já em sua glória, poderá se lembrar dele. Em suas palavras, o segundo malfeitor reconhece Jesus como rei não apenas dos judeus, mas como soberano de um reino que não é deste mundo. Esta fala breve garantiu a este personagem o título de “bom”. Estranhamente, Lucas não nos informa o nome. A tradição cristã posterior dará a ele o nome de Dimas.
Nesta cena exclusiva, Lucas apresenta o contraste entre os que não aceitam a proposta de Jesus, e aquele que, ainda no último momento, percebe que errou. Sendo um terrorista, o “bom” malfeitor tinha se engajado na luta armada para mudar o mundo. Descontente com o império romano, ele tinha acreditado que deveria mudar o mundo por meio da violência. No alto da cruz, ele percebe que fez uma escolha errada. Ele descobre que a proposta de Jesus era melhor do que a sua, que a justiça é sempre melhor que a injustiça, que a paz é sempre melhor do que a guerra, que a solidariedade é sempre melhor do que a violência, e que a partilha é sempre melhor do que o egoísmo.