Subsídio é elaborado pelo grupo de biblistas da Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF:
Dr. Bruno Glaab
Me. Carlos Rodrigo Dutra
Dr. Humberto Maiztegui
Me. Rita de Cácia Ló
Edição: Prof. Dr. Vanildo Luiz Zugno
Evangelho: Jo 6, 60-69.
Primeira Leitura: Js 24, 1-2a.15-17.18b.
Segunda Leitura: Ef 5, 21-32.
Salmo: 33, 2-3.16-17.18-19.20-21.22-23
Evangelho
O Quarto Evangelho tem como uma das suas características trabalhar a revelação de Jesus Cristo (Palavra Encarnada; cf. Jo 1) através de sinais que se concentram nos primeiros doze capítulos. Por outro lado, podemos dizer que o capítulo 6 deste Evangelho se dedica à comensalidade, com temas como a partilha (6,1-15), Jesus como Pão da Vida/Corpo e Sangue (6,22-59), e as reações dos discípulos a esta teologia (6,60-71). Portanto, o Evangelho deste domingo deve ser entendido neste contexto. No contexto maior este Evangelho descreve tensões e divisões entre as pessoas que formavam a comunidade de Jesus como reflexo de tendências que começavam a se configurar na igreja dos primeiros tempos. Neste sentido é bem significativa a afirmação “muitos discípulos voltaram atrás e não andavam mais com ele” (6,66). Assim o Evangelho explicita a quebra da comunhão sacramental como consequência da incompreensão do mistério de “Jesus/Pão da Vida/Corpo e Sangue”.
O texto em si
A primeira questão a ser levantada é a delimitação da perícope. Sem dúvida, o versículo 60 abre a parte da narrativa que reflete a reação dentro da comunidade de Jesus em relação às “duras palavras” (skleros estin outos o logos). Reação que se conclui com afirmação de Pedro (“Tu és Cristo, o Filho do Deus vivo”, v. 69). A narrativa vai concluir com o anúncio da traição de Judas (v.70-71).
Vejamos como se dá o tecido de palavras neste texto que aborda o tema delicado da partilha e do mistério eucarístico:
- Muitos dos discípulos – “Os muitos discípulos que ouviram e se escandalizaram” (poloi) nos versículos 60-61, se conecta no v. 66 com os “muitos discípulos que voltaram atrás”. Espírito e Vida – No versículo 63 aparece duas vezes a palavra “Espírito” (pneuma) e vida em duas formas: vivifica/dá vida (zoopoiyoun de Zoe = Vida + poyeuo = Fazer/Produzir), rodeado pela referência ao Filho (do Ser Humano, v. 61), Jesus (v.64) e o Pai (v.66).
- Palavras/declaração/falar/dizer – Outro aspecto interessante é a diversidade de termos para se referir à forma como Jesus comunica o mistério em cada uma destas partes. Primeiro (v. 60) diz que são “duras são estas palavras” (logos). Nos vs. 63 e 68, se refere a “declaração/discurso” (remata) de Jesus como Espírito e Vida (Eterna). No v. 65 Jesus fala (eleguen) e afirma ou “reafirma” (eireka). Esta diversidade de formas para se referir a apresentação do mistério mostra a dificuldade do assunto abordado. A palavra (sentido duro do mistério) – v. 60 - se transforma em declaração que manifesta o Espírito que dá Vida (v. 63) e permite, então, dizer e reafirmar o caminho de duas mãos entre o Filho e o Pai (v. 65).
A dificuldade de participar do novo discipulado eucarístico
É importante observar que este discurso (cf. 6.59) foi feito em uma Sinagoga, onde não havia espaço para o mistério eucarístico apresentado em Jesus. Mas, por outro lado entre o grupo dos “discípulos” também havia pessoas que tinham dificuldade de desconstruir dentro a visão legalista (da carne) e abraçar o mistério e partilha que se revelam no Jesus eucarístico, como entendia a comunidade de João.
Relacionando com os outros textos
A primeira leitura é a conclusão do Livro de Josué onde todo o processo da dádiva divina da terra é consumado na aliança entre as tribos e este Deus que luta junto ao seu povo. O chamado a unidade presente no discurso de Josué está centrado na escolha entre as divindades que justificavam as monarquias derrotadas pelas tribos e o Deus Libertador do Egito e força na luta pela terra, a partir da própria experiência de luta de partilha descrita neste livro (Js 24,15-16). Aqui, semelhante à proposta da comunidade de João, a Palavra da Aliança se traduz em espírito e vida para o povo.
O sentido da unidade da mesa não pode ser o sentido patriarcal da sinagoga, mas o novo sentido da igual dignidade de todas as pessoas na mesa eucarística. No texto da Carta aos Efésios (5,21-32) os primeiros quatro versículos falam de uma teologia de submissão da mulher diante do homem (v.21-24), no entanto, esta teologia e relativizada ou até desconstruídas pelos seguintes (v.25-33), onde a mulher deve ser considerada pelo homem como seu próprio corpo. De novo a alternativa entre seguir os velhos padrões ou abraçar o mistério que é Espírito e Vida.