29 Novembro 2019
O novo ano litúrgico que hoje se inicia inscreve-se, no entanto, em continuação às leituras dos domingos precedentes. As referências à esperança e à alegria tornam-se mais poderosas em Isaías e no Salmo. Paulo, na epístola, e Jesus, no evangelho, conclamam para um novo despertar e a uma profunda conversão.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 1º Domingo do Advento - Ciclo a (01 de dezembro de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
1ª leitura: « Para o monte da casa do Senhor acorrerão todas as nações» (Isaías 2,1-5).
Salmo: Sl. 121(122) - R/ Que alegria quando me disseram: «Vamos à casa do Senhor».
2ª leitura: «Já é hora de despertar: com efeito, agora a salvação está mais perto de nós» (Romanos 13,11-14)
Evangelho: «Na hora em que menos pensais, o Filho do homem virá» (Mateus 24, 37-44).
O Cristo já veio. Acreditamos na mensagem dos apóstolos. Assim, em meio a este mundo, damos nascimento a um povo novo: povo que se faz num só corpo, manifestando aos olhos de todos que a nossa verdade é a unidade no amor. Seguindo as Escrituras, porém, eis que de alguma forma a Liturgia nos remete ao ponto de partida, prescrevendo que reavivemos em nós a atitude da espera, a abertura Àquele que vem.
Foi longa espera, mantida pela fé, que preencheu toda a Primeira Aliança. O que, aliás, conjuga algo que habita todos nós, mesmo que muitas vezes nem o saibamos: a insatisfação com o que somos e com o que temos de viver. Os publicitários sabem muito bem disto, pois sem cessar nos anunciam algo «novo» ou «outras maneiras de...». Além do que, os anúncios de uma futura sociedade perfeita sempre tiveram o seu sucesso.
Ora, a 1ª leitura também usa todos os verbos no futuro. O Salmo igualmente, mas num contexto de alegria que nem sempre corresponde ao clima de nossas expectativas. Descobrimos que esta insatisfação confusa, que tantas vezes nem parece ter um objeto concreto, de fato recobre a esperança em nosso acesso ao homem novo de que fala Paulo. Homem novo e terminal: não havendo nada que possa superá-lo. Corrijamos, no entanto: não somos nós que fazemos o caminho para o último Filho do homem. É Ele que na realidade vem até nós. Vamos, então, permanecer totalmente passivos? Não: o nosso papel é esperá-Lo e acolhê-Lo. Assim, faremos nossas as atitudes de Maria, quando da Anunciação.
"Ficai atentos", diz Jesus. Está bem, mas em que consiste isto?
Nossos textos não preconizam nada de particular. A lista de comportamentos estabelecida por Paulo (2ª leitura) não prescreve nada que não seja a moral ordinária. Quanto a Jesus, ele nos mostra pessoas ocupadas com seus trabalhos habituais: nada de especial, portanto, há por se fazer. Dois homens vão para o campo, duas mulheres para o moinho; tudo como de hábito.
Se, contudo, os gestos são os mesmos, para todos os que praticam o mesmo ofício, o estado de espírito pode ser muito diferente: o que de fato buscais, quando vais trabalhar o vosso campo? São muitas as motivações possíveis: matar o tempo, alimentar a família, fazer dinheiro, marcar sua própria superioridade, quer real ou ilusória... Algumas motivações são compatíveis com a espera do Cristo, outras não.
Cabe a nós interrogarmo-nos a respeito do que verdadeiramente queremos. Se o nosso desejo é sadio, se se encaminha no sentido da verdadeira humanidade, se se impõe em nós acima de qualquer outro desejo, então a nossa espera da vinda de Deus colore tudo o que escolhemos fazer. O Senhor nos habita até mesmo quando sequer estamos pensando n’Ele. Aí sim, podemos alcançar uma nova alegria; a insatisfação e a espera se tornam felizes, mediante a condição de se fundarem na fé na promessa que nos é feita. Fé que pode ser vivida em meio a todos os transtornos deste mundo, a todos os dilúvios.
Enfim, tudo o que temos de sofrer se junta com a cruz de Cristo, que é um prelúdio à ressurreição.
O evangelho insiste no caráter imprevisto da vinda do Cristo. Paulo sublinha, sobretudo, a sua iminência: «Já é hora (...) a noite já vai adiantada, o dia vem chegando.» De todo modo, o que importa é ficar vigilante. Por certo, os primeiros cristãos, e Paulo inclusive, acreditavam na proximidade do «fim do mundo». Paradoxalmente, esta ilusão pode nos abrir a uma compreensão inédita da irrupção do «Reino». O Evangelho diz que a sua vinda não é anunciada por nenhum sinal premonitório; Paulo insiste em sua proximidade.
Compreendamos que o que chamamos de «Paraíso», de Reino de Deus, de vida eterna, não é para ser situado no final do nosso tempo, mas acima (ou abaixo) de cada um dos nossos momentos. Trata-se de qualquer forma da dimensão invisível do que vivemos. Do que estamos falando quando afirmamos a presença de Deus em todos os nossos «agora»? De que, desde que haja amor autêntico em nossas vidas, a presença de Deus está em nós e a nossa presença está em Deus.
E quando nos recusamos ao amor? Então, mesmo assim o Cristo está aqui, mas crucificado. Como poderíamos escapar ao poder que nos funda e que chamamos de Deus...? A presença da crucifixão se torna um só corpo com a Ressurreição. Ressurreição, aliás, situada neste outro mundo, que sequer podemos imaginar, mas que está sempre aqui, às nossas portas.
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Hora de despertar e de ficar atento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU