30 Agosto 2019
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 22º Domingo do Tempo Comum, 1º de setembro (Lucas 14,1.7-14). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ainda durante a viagem para Jerusalém, Jesus é avisado de que Herodes quer matá-lo, por isso é convidado a fugir. Mas ele não foge, ao contrário, manda dizer-lhe que aquilo que ele deve fazer, ele o faz com parrhesía, com franqueza, obedecendo à vontade do Pai, até levar a cumprimento a sua obra (cf. Lc 13,31-33). Para Jesus, Herodes é apenas uma “raposa”, um impuro que ele, durante a paixão, não se dignará sequer a um olhar, permanecendo mudo diante dele, sem responder às suas perguntas (cf. Lc 23,8-9).
Jesus não foge, mas completa o seu caminho indiferente às ameaças de Herodes e, no dia de sábado, convidado a almoçar por um dos chefes dos fariseus, aceita entrar na sua casa. Jesus havia se tornado um rabi muito conhecido e, portanto, era frequentemente convidado, muitas vezes após a sua pregação na sinagoga, à mesa de alguns notáveis (cf. Lc 7,36; 11,37).
Esse chefe da sinagoga e os outros escribas e fariseus que convidavam Jesus queriam, talvez, honrá-lo? Queriam discutir com ele sobre a interpretação da Lei? Queriam examiná-lo, pô-lo à prova (cf. Lc 10,25)? Lucas anota que, no presente caso, estavam observando o seu comportamento.
E eis que, diante de Jesus, há um homem doente de hidropisia (cf. Lc 14,2), portanto – segundo a opinião religiosa da época – alguém atingido por Deus por causa de um grave pecado cometido, relacionado à sexualidade. É sábado, o dia do Senhor, dia da vida plena, do triunfo da vida sobre a doença e sobre a morte: Jesus, portanto, sente em si a necessidade de libertar esse homem de uma doença incapacitante e infamante. Ele sabe que será contestado, porque, aos olhos dos doutores da Lei e dos fariseus, aquilo que ele fará parecerá uma operação médica, vetada no sábado. Por isso, ele faz uma pergunta aos seus interlocutores, forçando-os a se manifestar: “É lícito ou não curar em dia de sábado?” (Lc 14,3). Mas eles não respondem, e então Jesus toma aquele doente pela mão, cura-o e despede-o (cf. Lc 14,4). Diante desse gesto e da pergunta subsequente, eis cair ainda um silêncio embaraçoso (cf. Lc 14,5-6).
Somente Jesus, sempre atento e vigilante sobre o que acontece ao seu redor, toma de novo a palavra. Vê que os convidados à mesa buscam o primeiro lugar, como sempre, o lugar daqueles que são honrados pelo chefe, aquele reservado para quem é respeitável, importante. Isso acontece ainda hoje, nos banquetes solenes: à espera do início da refeição, os presentes espiam onde está o lugar do anfitrião e, com olho voraz, identificam a cadeira mais próxima a ele, lançando-se sobre ela como uma presa. Por isso, em alguns almoços ou o anfitrião indica os lugares a serem tomados à mesa ou eles são indicados por cartõezinhos postos ao lado do prato...
Dada essa situação, Jesus dá um ensinamento que adverte contra o protagonismo e o exibicionismo de quem busca os primeiros lugares. Ele faz isso através de uma parábola, que lemos mais uma vez, parafraseando-a. Quando você, leitor do Evangelho, for convidado a um banquete, a uma festa, não procure ocupar o primeiro lugar, isto é, não acredite ser um convidado importante e mais digno de outros para estar ao lado de quem convocou a festa, porque, nesse caso, você corre o risco de ser chamado a dar o lugar para outro convidado mais digno do que você.
É uma questão de modéstia, de não ter um superego que lhe cega e faz você acreditar que vale mais do que os outros. Seria vergonhoso que você fosse forçado a retroceder diante de todos, fazendo emergir assim a sua indignidade, a pretensão da sua importância. Em vez disso, permaneça modesto, perto dos últimos lugares, não se superestime, e, então, talvez acontecerá que aquele que te convidou venha lhe dizer: “Amigo, venha mais para a frente, mais perto de mim!”. Assim, aparecerá a todos os comensais a sua real importância aos olhos do dono da casa.
É claro que essas palavras de Jesus correm o risco de ser entendidas como um convite a uma falsa humildade, aquela de quem se serve também da escolha do último lugar à mesa, desejando no seu coração ser chamado para a frente e, assim, ser exaltado diante de todos. Mas a intenção de Jesus, através dessa parábola, é aquela expressa no seu dito conclusivo: “Quem se eleva, será humilhado e quem se humilha, será elevado”.
Sim, somente quem é humilhado pode ser realmente humilde: ao contrário, ai de quem finge humildade em vista da exaltação! Aqui, mais do que nunca, trata-se de impedir que nós mesmos adotemos estratégias ou táticas. É como se Jesus dissesse a cada um de nós: “Fique no fundo com modéstia, sem atitudes de pequenez forçada e, acima de tudo, não deseje o que não depende de você”.
Simplicidade, discrição, desinteresse devem fazer parte do estilo de uma pessoa, de um cristão, e só assim a festa poderá ser vivida de modo autêntico e não como uma cena, uma oportunidade para aparecer. Aquilo que alguém “é” não deve ser temido; aquilo que não é, mesmo que aconteça, é apenas uma cena. Somente quem se humilha será exaltado, enquanto quem busca ser humilde e parece humilde sem ser humilhado é simplesmente perverso, criador de uma cena que passa (cf. 1Co 7,31). A festa pode ser vivida permanecendo no próprio lugar e não tentando roubá-lo dos outros. E isso vale em qualquer comunidade: estar no próprio lugar sem mirar lugares mais altos, sem buscar lugares ocupados por outros, pode ser fatigante, mas está de acordo com “o pensamento de Jesus”, é evangélico e contribui para a verdadeira construção da comunidade.
Portanto, cada um fique em seu lugar, avaliando a si mesmo segundo a graça e os dons recebidos do Senhor (cf. Rm 12,3-6a), porque quem se superestima cairá lá do alto, de modo desastroso para si e para os outros. Cristo continua sendo o exemplo dessa humildade, ele que, tendo vindo entre nós, tomou o último lugar, realmente o último, que ninguém poderá tirar dele!
Depois, Lucas acrescenta outra exortação de Jesus, não mais sobre os convidados, mas sobre quem convida a uma refeição, a um banquete: “Quando tu deres um almoço ou um jantar, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem teus vizinhos ricos, para que não se sintam forçados a te retribuir o convite”. Triste constatação de Jesus, capaz de fazer emergir o raciocínio de muitos que, sem consciência, dizem: “Como eles nos convidaram, agora é a nossa vez”, segundo uma lógica de troca utilitarista que nega toda gratuidade.
Digamos a verdade: ainda hoje ou, melhor, hoje mais do que no passado, ocorre exatamente assim, e não somos mais capazes de gratuidade, de convidar os outros à nossa casa, porque o ídolo da reciprocidade e do interesse nos domina. Infelizmente, convidamos alguém calculando quantas vezes fomos convidados por ele e apenas por razões que nos asseguram um interesse e um retorno.
Em vez disso, Jesus nos adverte: o almoço ou o jantar festivo só são o que são quando são oferecidos gratuitamente, sem esperar um retorno. Por isso, especialmente na comunidade cristã, é preciso preparar a mesa convidando aqueles a quem ninguém convida, porque não podem retribuir, mesmo quando convidá-los não traz honra ou decoro.
Pobres, aleijados, coxos, cegos, estrangeiros, necessitados (todas as categorias de pessoas que, no tempo de Jesus, eram excluídas do templo, consideradas indignas e atingidas pela ignomínia) devem poder acessar a nossa mesa; se forem excluídos, a nossa mesa não é uma mesa de acordo com o Evangelho, que pede a partilha do alimento, a acolhida de quem é pobre e último, descartado pela sociedade.
A bem-aventurança que Jesus reserva àquele que convida e hospeda é destinada a pessoas capazes de gratuidade: àqueles que, não recebendo recompensa agora dos convidados, a receberão do próprio Deus!
E não nos esqueçamos de que os almoços abertos aos pobres, aos mendicantes de amor, aos pecadores são aqueles dos quais Jesus participava e que ele havia preparado na sua vida. Mesmo a eucaristia que celebramos, se for aberta somente àqueles que se sentem dignos e justos, enquanto exclui os pobres e os pecadores perdoados, não é a eucaristia de Cristo, mas sim uma eucaristia “nossa”: um banquete religioso, mas mundano, não de acordo com a lógica do Evangelho!
Sim, o banquete eucarístico é preparado pelo Senhor, que chama a todos, mesmo aqueles que se consideram indignos, porque não é o pecado que se opõe à salvação, mas sim o fato de se considerar “digno”, munido de uma justiça pessoal: isso impede a comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs.
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A mesa, lugar de ficção ou de comunhão? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU