11 Outubro 2018
“A mãe de Jesus estava presente” (Jo 1,1)
A reflexão bíblica é elaborada por Adroaldo Palaoro, sacerdote jesuíta, comentando o evangelho da Festa de Nossa Senhora Aparecida (12/10/2018) que corresponde ao texto bíblico de João 2,1-11.
O papa Francisco, em uma homilia proferida no Santuário Nacional de Aparecida, convidou a "nos deixar surpreender por Deus" constantemente.
Deus espera que nos deixemos “surpreender por seu amor, que acolhamos as suas surpresas”.
O papa nos mostrou como modelo de surpresa a história do Santuário: três pescadores depois de um dia inteiro sem apanhar peixe encontram, nas águas do Rio Paraíba, a imagem da Senhora Aparecida. Sabemos que os pescadores, após encontrarem a imagem milagrosamente, têm uma pesca abundante e conseguem o que precisavam para atender ao conde de Assumar. O Papa Francisco vai além, vai ao essencial desse episódio para entendermos melhor como Deus atua: “Quem poderia imaginar que o lugar de uma pesca infrutífera, torna-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, sempre nos reserva o melhor”.
É decisivo estar dispostos a abrir espaços em nossa história a novas pessoas e situações, novas vivências, novas experiências... Porque sempre há algo diferente e inesperado que pode nos enriquecer.
A vida está cheia de possibilidades e surpresas; inumeráveis caminhos que podemos percorrer; pessoas instigantes que aparecem em nossas vidas; desafios, encontros, aprendizagens, motivos para celebrar, lições que aprendemos e nos fazem um pouco mais lúcidos, mais humanos e mais simples...
Em Maria nos inspiramos para viver também uma presença inspiradora em nossa existência cotidiana.
Maria foi aquela que, como ninguém, abriu-se ao Deus surpreendente e deixou-se conduzir por Ele. Dela não se diz muito nos evangelhos, mas o que ali se diz nos revela uma presença surpreendente, capaz de ver mais além do cotidiano e estabelecido.
Sua presença revela um gesto profético de solidariedade e de anúncio: presença que aponta para uma outra presença, a de seu Filho. Sua presença dignifica e revela um novo sentido à presença de Jesus numa festa de Casamento.
É o evangelista João quem nos apresenta Maria em sua verdadeira missão de presença mobilizadora e mediadora junto a Jesus. Não porque ele fale muitas vezes dela, mas porque a situa claramente nos dois momentos-chave da vida de Jesus: no início, quando faz adiantar a Hora, e na Hora da Cruz.
No relato da festa de casamento em Caná, o evangelista, com uma frase tipicamente sua, quer realçar um aspecto que muitas vezes nos escapa. Ele nos diz: “a mãe de Jesus estava presente”. E desta maneira, pela primeira vez, João apresenta a Virgem Maria em seu evangelho. E a nomeia como a mãe de Jesus. E será a primeira e única vez em que nos relata algumas palavras de Maria. Só duas frases curtas: a primeira é para avisar o seu Filho que o vinho tinha acabado – “Eles não tem mais vinho”.
Maria, que sempre se revelou como uma mulher atenta à realidade, certamente andou pela cozinha da casa e se inteirou da dificuldade dos noivos e do problema que significaria interromper a festa do casório. Com sua sensibilidade feminina, entendeu a difícil situação e soube que atitude tomar.
Em outras palavras, Maria é aquela que sabe entrar em sintonia com os sentimentos dos outros e construir vida festiva, e vida em abundância. Ao sussurrar no ouvido de seu Filho - “Eles não tem mais vinho” - ela se revela sensível e atenta às necessidades das pessoas que vivem ao seu redor e as põe em comunicação com Aquele que pode remediar tais necessidades. O vinho simboliza o dinamismo da vida, a alegria, a festa contínua, a celebração...
E disse a segunda frase que ficará para sempre como um grande convite para todos os seguidores e seguidoras de Jesus: “Fazei tudo o que Ele vos disser”. É como se esta frase fosse a condensação da mensagem e da atitude de Maria no evangelho. Ela se apresenta como caminho que conduz ao Caminho verdadeiro; foi aquela que mais conheceu e mais seguiu seu Filho; precisamente por isso, sua presença é capaz de alimentar em todos nós a confiança em Jesus e nos acompanha até Ele.
Porque estava presente a Deus, Maria fez-se presente nos momentos decisivos de seu Filho, bem como fez-se presente na vida das pessoas. Uma presença que faz a diferença: presença solidária, marcada pela atenção, prontidão e sensibilidade, próprias de uma mãe que acompanha com ternura.
Sua presença não era presença anônima, mas comprometida; presença expansiva que mobilizou os outros, assim como mobilizou seu Filho a antecipar sua “hora”.
Trata-se de uma presença que é “música calada” nos lugares cotidianos e escondidos, que sabe enternecer-se e escutar as inquietações que procedem desses lugares. Uma presença que descobre o próximo no próximo, que sabe resgatar a solidariedade na vida cotidiana; uma presença que se manifesta na ausência de recompensa ou de interesse próprio.
A presença silenciosa, original e mobilizadora de Maria des-vela e ativa também em nós uma presença inspiradora, ou seja, descentrar-nos para estar sintonizados com a realidade e suas carências. Tal atitude nos mobiliza a encontrar outras vidas, outras histórias, outras situações; escutar relatos que trazem luz para nossa própria vida; ver a partir de um horizonte mais amplo, que ajuda a relativizar nossas pretensões absolutas e a compreender um pouco mais o valor daquilo que acontece ao nosso redor; escutar de tal maneira que aquilo que ouvimos penetre na nossa própria vida; implicar-nos afetivamente, relacionar-nos com pessoas, não com etiquetas e títulos; acolher na própria vida outras vidas; histórias que afetam nossas entranhas e permanecem na memória e no coração.
Disto se trata: aprender dos outros; recarregar nossa própria história de um horizonte diferente, no qual cabem outras possibilidades e outras responsabilidades; descobrir uma perspectiva mais ampla que ajuda a formular melhor o sentido de nossa própria vida.
Em Maria descobrimos a verdadeira vocação de todo ser humano. Ser como Maria não é uma simples meta a alcançar, pois partimos da mesma realidade da qual ela partiu. O que estamos celebrando, nesta festa da Mãe Aparecida, nos indica o ponto de partida de nossa trajetória humana, não o ponto de chegada.
E fazer este percurso vital é abrir-nos às surpresas do Deus Surpreendente.
Por onde você tem transitado normalmente? Somente por lugares conhecidos, junto às pessoas amigas? Sua presença eleva, anima, desperta os outros?
Você se deixa afetar pelas presenças provocativas? os pobres? os marginalizados? as minorias?...
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Aparecida: A Mãe que nos acompanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU