07 Dezembro 2018
O leilão de uma carta de Albert Einstein de 1954 organizado pela Christie’s House (Nova York) para dezembro próximo, na qual pode ser lido que "a palavra de Deus para mim não é mais que a expressão e produto da fraqueza humana", foi apresentado por algumas mídias como uma prova irrefutável de sua negação da existência de Deus.
O artigo é de Jesús Martínez Gordo, doutor em Teología Fundamental, padre da Diocese de Bilbao, professor de Teologia e membro do Centro "Cristianisme i Justícia", de Barcelona, publicado por Settimana News, 05-12-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Provavelmente os promotores, visando a um preço inicial de um milhão de dólares, quiseram destacar que a razão para tal soma é devida ao seu conteúdo, supostamente uma ruptura com as outras declarações nas quais o gênio da física moderna se referia a "essa força que está além da nossa compreensão" e na qual ele afirmava que "Deus não joga com os dados".
No entanto, acredito que seja temerário ou, de qualquer forma, uma falta de rigor considerar que, com essa carta, possa ser atribuído a Einstein a qualificação de ateu. Isso porque não se toma na devida consideração a diferença que existe entre se reconhecer deísta (Deus aparece no cosmos como Inteligência), teísta (conceber Deus como uma pessoa) ou ateu (nem uma. nem a outra hipótese. Só existe o acaso e a matéria).
A diferença transcendental voltou às cenas em 2004, quando Antony Flew (o patriarca do ateísmo de matriz científico-empírica do século XX) afirmou, em um simpósio realizado na Universidade de Nova York, que ele aceitava a existência de Deus por coerência com a máxima que havia dirigido seu ateísmo militante: "siga a argumentação racional onde quer que ela te leve".
Sua passagem para crente não tinha nada a ver com a fé, com as Igrejas ou com as confissões religiosas, mas era o reconhecimento que a explicação pela crença era muito mais sólida racionalmente do que o ateísmo, do qual tinha sido líder até então.
Eu, - argumentava Antony Flew - eu nada sei da interação de corpos físicos em duas partículas subatômicas. Mas estou interessado em saber como essas partículas ou qualquer outra realidade física possam existir e, inclusive, a própria vida. Movido por esse interesse, tento encontrar uma explicação racional a partir das evidências às quais a ciência está chegando.
Obviamente - continuou ele - as possíveis explicações são muitas e diferentes. Nós todos sabemos que a superioridade de uma sobre as demais é jogada sobre uma coerência mais ou menos racional, muito além do fato de ser educador, marinheiro, engenheiro, filósofo, advogado ou cientista. Exercer uma ou outra profissão não oferece qualquer vantagem especial na busca de uma explicação racional a partir das descobertas alcançadas, assim como ser um astro de futebol não traz maior clarividência quando se trata de avaliar os benefícios profiláticos de determinados cremes dentais.
Pois bem - afirmou Antony Flew -, em minhas primeiras contribuições ateias eu não conhecia, entre outras evidências, o Big Bang. Quando percebi a força explicativa que apresentava o consenso que estava sendo criado entre os cosmólogos, eu reconheci publicamente que nós não crentes tínhamos uma enorme fonte de preocupação: estava sendo oferecida uma prova decisiva de que o universo teve um começo. Portanto, já não valia mais a pena continuar a defender o fato de que o cosmos fosse pura e simples matéria e nada mais e "porque sim". E nem sequer era possível continuar a refugiar-se em explicações que, de uma forma ou de outra, acabavam por apoiar o acaso ou a casualidade.
Seria muito mais razoável concluir que "o Big Bang inicial exigia um certo tipo de Causa Primeira (trigger)". Seguindo esse resultado, eu não tive outra escolha a não ser negar o ateísmo que eu havia liderado e em que havia militado até então.
Como esperado, a surpresa foi estrondosa. Talvez por isso Flew lembrou que ele tinha dado esse passo não porque tivesse ficado mentalmente incapaz ou como consequência de sua idade avançada, mas por coerência racional com as evidências cosmológicas e biológicas que haviam sido atingidas há alguns anos. A partir dessas, ele percebeu que a explicação crente era mais sólida do que a explicação ateísta.
Em algumas mídias, houve um debate para saber se essa passagem de Antony Flew era para o deísmo (para um Deus inteligente) ou para o teísmo (um Deus pessoal). Eu acho que se trata da primeira hipótese. E mais ainda depois de reler seu ponderado estudo sobre a explicação que Albert Einstein dá do cosmos, da natureza e da vida com a qual se identifica.
O pai da física moderna recusa - como se observa na carta posta em leilão - a existência de um Deus pessoal, mas reconhece o cosmos, a natureza e a vida como lugares onde transparece uma Inteligência deslumbrante e inacessível - ao mesmo tempo impessoal - e considera que o deísmo seja a explicação mais racional.
Eu suspeito que os promotores do leilão agendado para o próximo mês em Nova York não conheçam essa diferença, que – mantidas as proporções - seria como se alguém confundisse um sinal de pare com um de reduzir a velocidade, ou um pênalti com um passe dentro da área.
Haverá outra oportunidade para explicar a relação de continuidade ou de ruptura entre o deísmo e o teísmo e a entrada na cena de um imaginário de Deus que, além da Inteligência, é também Persona.
Certamente, uma ideia ou uma representação fundamentada na sua transparência na história como articulação original e surpreendente de Amor e Justiça, é perceptível, ao mesmo tempo, como presença solidária e como ausência estimulante.
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Deus e a carta de Einstein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU