13 Novembro 2018
A pesquisadora brasileira Luciana Panke acaba de apresentar em Buenos Aires seu último trabalho, “Campanhas eleitorais para mulheres”, onde analisa as linhas de ação de Dilma Rousseff, Cristina Kirchner, Laura Chinchilla e Michelle Bachelet. Nesta entrevista, ela detalha o caso argentino, as dificuldades das mulheres na política e a ascensão de Bolsonaro à presidência do Brasil.
A entrevista é de Julia Goldenberg, publicada por Página|12, em 12-11-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
Luciana Panke é uma acadêmica brasileira e atua como consultora de imagem em várias campanhas latino-americanas. Apresentou seu último trabalho, “Campanhas eleitorais para mulheres”, no marco da Reunião Mundial de Comunicação Política, onde também analisou as últimas eleições presidenciais no Brasil. Seu livro, de um rigor acadêmico indiscutível, foi elaborado a partir da observação de diversas campanhas presidenciais de mulheres latino-americanas durante a última década. Além disso, analisou as campanhas das presidentes eleitas na região, que ocuparam seus cargos simultaneamente: Dilma Rousseff, Cristina Fernández, Laura Chinchilla e Michelle Bachelet. Panke assinala que se trata de um tema urgente, pois as mulheres estão ganhando (não sem dificuldades) terreno na política, em uma época onde ser mulher e ocupar um lugar de poder continua sendo uma notícia em si mesma.
Você apresentou seu novo livro em Buenos Aires, “Campanhas eleitorais para mulheres”. Por que analisar isso como um campo específico?
Foi uma grande alegria apresentar meu livro em Buenos Aires. A Argentina é o terceiro país que realiza uma edição da obra, que também foi publicada no México e no Brasil. Curiosamente, os três países fazem parte da história da obra, que é o resultado da minha pesquisa pós-doutoral, realizada na Universidade Autônoma Metropolitana do México.
O tema das mulheres e da política é uma questão urgente para todos os países latino-americanos onde, ainda, a liderança feminina não está naturalizada. Inicialmente, a ideia era pesquisar as campanhas eleitorais de três candidatas à presidência da república nos países com os maiores PIBs da América Latina: Argentina (Cristina Fernández de Kirchner), Brasil (Dilma Rousseff) e México (Josefina Vázquez Mota). No início da pesquisa pude perceber algumas características parecidas entre suas campanhas, suas narrativas e especialmente em relação às críticas que elas recebiam.
Comecei a aprofundar o tema, pesquisando as campanhas presidenciais de todas as candidatas latinas durante uma década e também a entrevistar mulheres políticas. Com isso, 15 países são contemplados na pesquisa, mostrando o conjunto de desafios que as mulheres enfrentam para estar na política, que são muitos e são diferentes dos que os homens enfrentam. Assim, o livro pretende mostrar à população essa realidade e fomentar o lugar das mulheres nos projetos de campanhas, apoiá-las emocionalmente e motivá-las a se candidatar.
Em linhas gerais, o que você encontrou em sua pesquisa sobre as campanhas de Cristina?
O que pude observar nas campanhas de Cristina, particularmente em seus produtos audiovisuais que são os conteúdos que analisei, é que se tratou de uma campanha emocional com personagens, supostamente reais, que compartilham suas experiências. No que se refere ao papel das mulheres que figuravam nestes spots ou, melhor dizendo, a respeito das imagens públicas das mulheres que categorizo em meu livro (a guerreira, a mãe ou a profissional) além da questão da mulher guerreira, Cristina se apresenta como a mãe pública que irá cuidar do seu povo. Por outro lado, sua imagem aparece quase sempre relacionada com a imagem de seu marido, Néstor Kirchner, como se a força viesse dele. De fato, há alguns spots que tinham como slogan “a força dele”. Este foi um aporte emocional muito importante para a imagem de Cristina. Mesmo que já estivesse morto, Néstor figurava nos spots como o padrinho político de Cristina.
Que lugar as mulheres têm na política latino-americana e como isso se vê refletido na comunicação?
As mulheres ainda não alcançaram um lugar de naturalidade na política latino-americana. É muito fácil observar que quando uma mulher é candidata, o fato de ser mulher se torna notícia. Os números de representatividade são pequenos tanto no poder executivo, quanto no legislativo. Os países com mais representantes mulheres são os que mudaram suas leis para conquistar a igualdade. O curioso é que ainda assim, por exemplo, na Bolívia, onde há paridade e onde tive a oportunidade de proferir uma conferência, as mulheres são excluídas das mesas de decisão. Estão em números, mas não em voz.
Também, faz apenas quase um século que o voto feminino foi conquistado e a maioria dos países permitiu às mulheres votarem e serem votadas depois dos anos 50 do século XX. Esse é um dos fatores que explica por que as mulheres ainda não estão na política. Além disso, somam-se outros motivos, como uma cultura eminentemente machista, onde o homem é o responsável pelas atividades públicas e as mulheres devem cuidar dos espaços privados e da criação dos filhos.
Neste contexto, a política é controlada por homens, para homens (especialmente heterossexuais, brancos e de meia-idade). A violência simbólica que as mulheres líderes sofrem se vê diretamente refletida nos resultados eleitorais.
É preciso ter em conta as massivas mobilizações de mulheres, sua crescente organização e o auge do feminismo dos últimos anos...
Que as mulheres estejam monopolizando a agenda pública em muitos países, não somente latino-americanos, como a nível mundial, fortalece o lugar que podemos ter no âmbito público. Com isso, há duas questões fundamentais: por um lado, está se demonstrando que as mulheres têm muito para dizer; por outro lado, os discursos contra o feminismo foram acentuados porque este vai de encontro ao modelo imperante que indica que a palavra hegemônica é a dos homens. Então, quanto mais se fortalece o feminismo, mais se desagrada a sociedade. O importante é que o vigor do feminismo leva a que mais mulheres se identifiquem com este discurso e se orientem a participar da política. Vejo muitas jovens interessadas em ocupar lugares de poder. Creio que continua sendo um panorama de resistência. Está se configurando uma imagem pública das mulheres e é, sem dúvidas, graças às lutas que estão acontecendo.
As mulheres de direita e de esquerda comunicam da mesma forma?
Mudam os discursos, mas os desafios são iguais. Minha pesquisa entrevistou mulheres de todos os campos ideológicos e o que foi possível perceber é que, independentemente da ideologia, elas alternam três tipologias de imagem pública: mães, guerreiras ou profissionais. Parece que as de esquerda se mostram mais guerreiras, enquanto que as de direita são mais ligadas à imagem de mães. É fundamental destacar que o predomínio de um papel ou outro depende de vários fatores, como a personalidade da candidata, o contexto, as demandas dos eleitores, os grupos de tensão e os adversários que existem em cada caso. Os papéis estão explicados em detalhe no meu livro, baseado nas entrevistas que realizei e nas narrativas linguísticas, sonoras e de imagem que as mulheres utilizam em suas campanhas.
Como você caracteriza as últimas eleições presidenciais no Brasil?
Desde a redemocratização no Brasil, quando as pessoas puderam votar para presidente em 1989, até agora, as eleições eram disputadas por dois partidos principais: PSDB (Social Democracia) e PT (Partido dos Trabalhadores). A exceção foi a primeira, onde um partido pequeno ganhou com Fernando Collor de Melo e agora, quando outro partido muito pequeno elegeu Jair Bolsonaro (PSL). Assim, o jogo político estava concentrado nas alianças com os dois partidos principais (PT e PSDB) em uma dinâmica saudável. Em 2018 a cena mudou muito já que é a primeira vez que a ultradireita apresenta um candidato que esteve à frente de todas as pesquisas e chegou ao segundo turno com vantagem.
Como avalia a campanha realizada pelo PT?
Geralmente, as eleições no Brasil são muito personalistas, ou seja, conhecemos os candidatos, não seus partidos. Atualmente, acontece um fenômeno curioso refletido nesta frase: o PT é maior que seu candidato. Inclusive, o “anti-PT” é ainda maior, mesmo que Fernando Haddad seja um homem muito capacitado. A estratégia do PT se relacionou com isso: Haddad tentou se distanciar do partido, tanto que mudou as cores de seu logo no segundo turno e Bolsonaro buscou se apresentar como a única solução contra a corrupção, relacionada diretamente com o PT.
Creio que um dos grandes erros do PT foi manter Lula como candidato quando já era óbvio que a justiça não o capacitaria para isso. Um partido não deveria ter somente um líder, deixando de lado os outros talentos. Este é o caso de Fernando Haddad, que possuía todo o potencial para ser eleito por sua capacidade técnica e seu carisma, mas sem margem de tempo para a campanha e à sombra de Lula, não conseguiu a vitória nas urnas.
Qual foi a aposta da campanha de Bolsonaro?
Com o slogan “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, reforçou os valores de uma sociedade muito conservadora, onde o Estado não é laico, onde o patriotismo se remete aos tempos da ditadura militar, quando se dizia “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Além disso, com esse slogan sintetizou a recusa aos partidos de esquerda e aos movimentos populares, especialmente o PT, com suas bandeiras vermelhas. Também, sua comunicação audiovisual utilizava um estilo caseiro, com o objetivo de mostrar que não gastava dinheiro em campanhas. Bolsonaro aproveitou a falta de uma oposição forte ao PT.
Existia um espaço para discursos anti-PT e Bolsonaro se posicionou como o principal porta-voz disso. Por outro lado, adotou uma estratégia militar de informação e desinformação. É um trabalho sistemático que realiza há muito tempo. Recordemos que ele está na política há quase três décadas e seus filhos também são políticos. Suas frases de efeito mobilizaram o discurso de ódio que circulava na população.
Outro fator muito importante foi o uso das redes sociais, os robôs, para que as fake news se disseminassem mais rápido. A base de informação para muitíssimos eleitores foi o que chegava por Whatsapp e os escândalos e mentiras se moveram com uma rapidez impressionante. Todos os candidatos opositores a Bolsonaro foram atacados, em especial Fernando Haddad. Circularam mentiras muito absurdas, por exemplo, que Haddad iria impor um “kit gay” para ensinar a homossexualidade nas escolas. O mais grave é que uma pesquisa mostrou que 80% do eleitorado de Bolsonaro acreditou nisso.
É surpreendente a vitória de um líder que despreza publicamente certos setores, inclusive dentro de seu eleitorado?
Efetivamente, o Brasil elegeu o capitão do exército Jair Bolsonaro (Partido Social Liberal - PSL), como o novo presidente do país. Desde os anos 40, é a primeira vez que um militar foi eleito para o cargo. Ainda que Fernando Haddad (Partido dos Trabalhadores - PT) tenha vencido em mais cidades, o resultado foi de 55,13% contra 44,87%. O eleitorado brasileiro tem mais de 140 milhões de pessoas.
No Brasil, o voto é obrigatório, mas só 78% dos eleitores se apresentaram para votar. Este é um número inédito de ausentes, votos nulos ou brancos. No total, somaram mais de 89 milhões de votos, o que significa que não é a maioria da população que o apoia; de fato, seus eleitores representam menos de 40% do total dos votantes.
Dito isto, pode-se enfatizar que Bolsonaro conseguiu expressar verbalmente com violência e preconceitos o que muitos consideram uma verdade, mas não tinham a coragem de dizer: como o machismo, a homofobia, a xenofobia e o racismo. Inclusive defende a redução da idade de imputabilidade penal e o uso de armas por parte da população. Por mais contraditório que pareça, era o candidato que falava em nome de Deus e que fez das igrejas sua base eleitoral. Fala de justiça, de Deus e, ao mesmo tempo, defende formas de violência e de autoritarismo. Seus seguidores não creem nos meios, creem nele. Inclusive o chamam de “mito” ou “o capitão”. Quando alguém discorda, ou lhes responde, interrompem o interlocutor, chamando-o de “petista” ou “mentiroso”. Isso pôde ser conferido nas redes sociais e passou para o âmbito das relações pessoais.
Você considera que Bolsonaro ganhou por ter realizado uma campanha vitoriosa ou seu sucesso se baseia em outros fatores?
Entre os fatores que explicam a vitória de Bolsonaro destaco a crise econômica, a decepção com as instituições e o ódio ao Partido dos Trabalhadores, considerado como o único responsável pela corrupção. Para que vocês tenham uma ideia, por aqui, todos os problemas são por culpa do “PT” e se alguém não é bolsonarista, é petista. Qualquer um que defenda políticas sociais ou que tenha votado em Fernando Haddad é classificado como “petista”, como se isso fosse um crime ou como se se tratasse de uma cumplicidade com a corrupção. Muitos dos que votaram em Bolsonaro esqueceram que eles também se beneficiaram com os programas sociais realizados pelos governos do PT. Especialmente, aqueles que levaram os jovens pobres às universidades e todos os programas que favoreceram a ascensão social para determinados setores.
Por outro lado, creio que depois do atentado, Bolsonaro se converteu em um herói. Em seus discursos dizia que nasceu de novo. É curioso que a cena do atentado precisava de sangue, e inclusive as imagens da operação mostram os profissionais sem luvas. Por parte de seu eleitorado, o relato era que o atentado foi uma estratégia dos “bandidos do PT” e sua posterior recuperação depois das eleições um sinal de justiça. Outro fator muito importante a destacar é que Bolsonaro participou somente de um debate. Inclusive, seus médicos permitiram que ele participasse, mas se negou a debater com todos, especialmente com Fernando Haddad no segundo turno. Como é um tipo muito polêmico, a estratégia era deixá-lo longe de ações onde perderia o controle, manipulando toda a informação de sua campanha. Assim, muita gente baseou seu voto em informação falsa, em uma figura heroica, que representava a solução para a corrupção. As pessoas continuam muito eufóricas frente a seu líder e, ao mesmo tempo, contra as minorias que ele estigmatiza: aconteceram centenas de ataques a gays, negros e mulheres depois de sua eleição. As pessoas de centro, os jornalistas, os gays, os negros, os progressistas, as universidades, os imigrantes e os partidários de esquerda temem por sua liberdade de expressão e a volta da ditadura, agora convalidada pelo voto popular.
E sobre as fake news e a denúncia da Folha de São Paulo sobre o financiamento destas através do Whatsapp... Como se explica que, diante desta irregularidade, Bolsonaro continue sendo tão popular?
O jornal Folha de São Paulo revelou um esquema de corrupção eleitoral sustentado por certos empresários a favor de Bolsonaro. De acordo com a legislação eleitoral brasileira, os empresários não podem financiar campanhas. Descobriu-se que milhões de reais foram doados por empresas para que memes e fake news contra Fernando Haddad fossem enviados por Whatsapp. O que aconteceu é que essas empresas e o próprio Bolsonaro negaram o fato e começaram a dizer que a Folha de São Paulo não é uma publicação de qualidade, que não sabem fazer jornalismo e a classificaram como “comunista”. Isto se deve à baixa credibilidade que os meios têm na atualidade. Bolsonaro se pôs contra toda a imprensa. Isto é muito grave e creio que a liberdade de expressão está em risco: a jornalista que fez a denúncia está sofrendo perseguições e ataques nas redes.
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“As mulheres não alcançaram um lugar de naturalidade na política latino-americana” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU