02 Novembro 2010
Uma das mulheres mais poderosas do mundo. Dilma Rousseff, ao ser eleita a primeira mulher presidenta do Brasil, ganhou esse status. Segundo a socióloga, Fátima Jordão, o voto em Dilma “é um salto de qualidade, cidadania e de democracia, pois faz cair vários mitos de que a mulher não está preparada para altos cargos, que mulher não vota em mulher, de vários preconceitos com estereótipos ultrapassados de que mulher é emocional, sensível e, portanto, não pode ocupar os cargos duros da política”. Durante a entrevista que concedeu, por telefone, à IHU On-Line, Fátima analisou o perfil de Dilma e refletiu sobre as principais dificuldades e demandas que a presidente terá ao assumir o cargo. “Dilma tem uma dependência, na medida em que foi criada pelo lulismo, mas, por outro lado, ela tem qualificações técnicas para ter autonomia em áreas cruciais, como, por exemplo, no setor de energia”, definiu.
Fátima Pacheco Jordão é socióloga e especialista em pesquisas de opinião. Fundadora do Instituto Patrícia Galvão, é assessora de pesquisa da TV Cultura.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que representa uma mulher na presidência do Brasil?
Fátima Jordão – Para um país como o nosso, em que deixou por muito tempo negligente a participação da mulher na política, é um salto enorme, pois nós somos um dos países mais atrasados do mundo nessa questão. É um salto de qualidade, cidadania e de democracia, pois faz cair vários mitos de que a mulher não está preparada para altos cargos, que mulher não vota em mulher, de vários preconceitos com estereótipos ultrapassados de que mulher é emocional, sensível e, portanto, não pode ocupar os cargos duros da política. Caem todos esses tabus e agora o que se aguarda é que ela tenha uma agenda mais balanceada em termos de igualdade de gênero.
IHU On-Line – E a senhora acha que muda alguma coisa com uma mulher na presidência?
Fátima Jordão – Creio que sim. Primeiro, muda o aspecto cultural. Já se discute se é presidente ou presidenta, já se discute como vai ser formado o ministério com uma face mais feminina, já se discute como vão ser formadas políticas contra a violência à mulher, políticas de mulher no poder. A ONU Mulher acaba de publicar uma nota em consideração à Dilma Rousseff e fortalecendo a ideia dela levar a sério a agenda da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Pequim no ano de 1995 e de outras conferências. Faltava essa orientação e essa direção para que isso pudesse criar uma expectativa mais favorável. Vamos lembrar que na presidência da ONU Mulher está uma amiga de Dilma, que é Michele Bachelet, ex-presidente do Chile.
IHU On-Line – Para alguns especialistas, eleita, Dilma será mais poderosa que Hilary Clinton e Angela Merkel. O que isso pode significar?
Fátima Jordão – É um poder extraordinário o da presidente. Embora o Brasil seja um país de presidencialismo de alianças, onde, para se eleger, você precisa formar largas alianças partidárias, trata-se também de um presidencialismo muito forte. A Federação Brasileira constitucionalmente existe do ponto de vista do legislativo, porém do ponto de vista de grandes políticas ainda os estados são muito dependentes do governo federal. Tanto ela quanto Merkel têm poderes semelhantes. Hilary Clinton está aquém de Dilma, pois é apenas uma “ministra” do presidente Obama.
IHU On-Line – E como a senhora avalia o perfil da nova presidente do país, Dilma Rousseff?
Fátima Jordão – É um perfil compatível com o cargo. Ela tem uma longa experiência técnica, ela é uma mulher sofisticada, muito preparada, ela tem certas características que dão alguma autonomia a ela, inclusive um histórico partidário que não vem da raiz do PT. Portanto, é um perfil dos mais adequados. Dilma tem uma dependência, na medida em que foi criada pelo lulismo, mas, por outro lado, ela tem qualificações técnicas para ter autonomia em áreas cruciais, como, por exemplo, no setor de energia.
Na questão do petróleo e da matriz energética do país, Dilma é especialista e o Brasil, efetivamente, vai entrar numa fase em que essa questão vai se complicar no sentido amplo. Isso porque o pré-sal tem reservas extraordinárias. Além disso, o Brasil tem condições de manejar economicamente as escolhas de energia sustentável. Portanto, sua especialidade em energia é uma feliz coincidência para o país, nesse momento.
IHU On-Line – As pesquisas de intenção de voto indicavam que, se dependesse dos homens, o candidato Lula ganharia no 1º turno; mas as mulheres se mostraram mais indecisas. Há, inclusive, um mito de que mulher não vota em mulher, como a senhora falou antes. Como a senhora analisa o voto feminino?
Fátima Jordão – Nesta eleição, foi bastante peculiar. De fato, ao longo do primeiro turno o voto feminino em Dilma foi inferior ao voto masculino, ou seja, quem levou à distância e à vanguarda da Dilma no processo foi o segmento masculino. As mulheres mais reticentes aguardam definições em relação às políticas públicas e, sobretudo, políticas ligadas ao cotidiano demoram mais para isso. No segundo turno, houve até a metade de outubro, um recuo, inclusive, das mulheres em relação à Dilma, e, depois dos embates religiosos e moralistas, sobretudo, depois das pesquisas de 18 de outubro, o eleitorado feminino se descolou permitindo uma vitória de larga margem de Dilma.
IHU On-Line – As mulheres são mais sensíveis às políticas públicas?
Fátima Jordão – Sim, tanto eleitoras quanto gestoras. Elas são usuárias desse serviço. Elas são as verdadeiras consumidoras desse balcão de serviços. Elas estão nas escolas, elas acompanham os filhos na rotina diária, elas frequentam os postos de saúde. Enfim, as mulheres têm uma vivência do cotidiano muito prática e pragmática. Nesse sentido, elas esperaram o máximo possível para se decidir justamente para testar diferentes opções dos candidatos. Por isso, as campanhas foram tão pouco politizadas.
IHU On-Line – O que isso representará, então, sendo Dilma a continuação do governo Lula?
Fátima Jordão – Certas políticas, como violência contra a mulher ou a questão de entender o aborto legal, terão a implementação que tem faltado. Então, os postos de saúde, provavelmente, poderão ter um respaldo técnico para fazer o atendimento a essas áreas mais sensíveis e especificas das demandas das mulheres. É muito difícil prever o que vai acontecer. O Brasil tem uma série de problemas econômicos pela frente, mas certamente a leitura que Dilma fará será mais refinada em relação à especificidade das mulheres no que diz respeito às políticas públicas.
IHU On-Line – O que a senhora espera deste governo?
Fátima Jordão – Olha, uma continuidade das políticas sociais do governo Lula. Isso foi afirmado de maneira tão enfática que os eleitores votaram primordialmente por causa disso. Então, sair deste rumo seria quase que uma impossibilidade política. Mas também espero algumas dificuldades importantes no manejo da articulação política. Dilma, sendo uma experiente técnica, não é experiente politicamente. Então, na articulação com parceiros, como PMDB, ela terá enormes dificuldades. Com relação às outras políticas, como exterior e sociais, prevalecerá a continuidade.
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Uma presidente. O seu significado. Entrevista especial com Fátima Jordão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU