09 Outubro 2018
"Uma carta para agradecer suas críticas a Francisco, mesmo que não compartilhe delas"
O artigo é de José Ignacio González Faus, jesuíta, teólogo espanhol, autor de importantes livros teológicos, publicado por Religión Digital, 07-10-2018. A tradução é de Graziela Wolfart.
Eis o artigo.
Irmão no Senhor: Chamo-lhe assim porque meu diretor espiritual não tolera palavras como Eminência ou Príncipe da Igreja; sublinha-as de vermelho e quando lhe peço alternativa me oferece outras na linha da fraternidade, do serviço...
Em todo caso, esta é uma carta para lhe agradecer. Particularmente, para agradecer por suas críticas ao papa Francisco. Agradecê-las, mesmo que não compartilhe delas.
Agradeço-lhe pela seguinte razão: durante muito tempo, não poucos cristãos, leigos, religiosos ou presbíteros se sentiram obrigados a levantar sua voz criticando a Igreja. A maioria o fazia com a melhor vontade de servi-la. Mas foram tachados de não terem amor por sua mãe, de pretenderem criar "uma igreja paralela", de buscarem seu próprio protagonismo...
Ao contrário, você declarou nitidamente que suas duras críticas a Francisco estavam inspiradas somente por um grande amor à Igreja, e são fruto de um desejo de ajudá-la a melhorar. Acredito em você. Mas também compreenderá que as pequenas virtudes ou boas intenções que temos não são exclusivamente nossas. Portanto, temos de admitir que também aqueles outros críticos, ao menos muitos deles, trabalharam buscando o maior bem da Igreja e tratando de evitar a dura condenação paulina: "por vossa causa o nome de Deus é blasfemado entre os gentios".
Conheço gente que recebeu um bofetão sagrado por ter dito que a cúria romana criou mais ateus que Marx, Freud e Nietzsche juntos. Não falou contra ninguém concretamente, mas contra um organismo que tantas vezes, e há séculos, está reconhecidamente muito necessitado de reforma.
Você, ao contrário, devolveu à Igreja aquela liberdade de opinião pública que Pio XII, em 1950, declarou como absolutamente necessária na igreja de Deus, acrescentando que se essa liberdade faltava, seria sintoma de uma doença na Igreja, da qual seria responsável não o povo, mas seus pastores.
Também conhece, sem dúvida, o corajoso artigo de J. Ratzinger "liberdade de espírito e obediência" em O novo povo de Deus, que é um de seus melhores livros. Ali ele afirma que o que a Igreja de hoje necessita não são bajuladores, mas gente capaz de arriscar sua carreira por amor a ela. Permita-me dizer, então, parodiando um ditado de meu país que, às vezes, "Deus escreve certo com núncios tortos".
Evidentemente, a liberdade da palavra tem seus limites e nunca se deve perder o respeito à pessoa. Por isso, a única coisa que censuro de suas palavras contra Francisco não são suas críticas (que, repito, não as compartilho), mas a falta de respeito pessoal ao pedir sua renúncia em público. Aí eu acredito que exagerou.
Se, como dizem alguns, você foi vítima de outros poderes econômicos norte-americanos, que o que não toleram não é uma suposta debilidade diante da pederastia, mas a educação econômica deste papa, isso eu não posso julgar. É você quem deve analisar isso.
Depois disso, parece que estamos, ao mesmo tempo, muito longe, mas bastante próximos. Que o Espírito de Deus nos faça compreender que, embora "seja bom que haja dissidências" (1 Cor 11,19...), "Cristo não está dividido" (1 Cor 1,13).
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José I. González Faus, para Viganó: "Deus escreve certo com núncios tortos" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU