29 Setembro 2018
O Brexit domina hoje a política britânica, mas no congresso trabalhista, concluído na quarta-feira, se debateram muitos outros temas que formam parte de um projeto de governo de esquerda cada vez mais definido.
A reportagem é de Marcelo Justo, publicada por Página/12, 28-09-2018. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
Isso foi dito por John McDonell, porta-voz econômico e cérebro da estratégia trabalhista, mas cai como anel no dedo para a situação argentina. Salvo por um detalhe: a palavra “radicais”. Não se trata, certamente, de um surpreendente Yrigoyenismo trabalhista. Em inglês, “radical” se diferencia de “extremist” e “moderate”. A diferença se explica pela sua etimologia latina: “mudar de raiz”. Quanto mais profundo e enredado o labirinto neoliberal, menor serão as opções de sair da crise com mudanças superificiais: tem que mudar os fundamentos próprios do sistema. Obvio que cada país é um mundo. O Reino Unido leva oito anos de austeridade conservadora: em somente 33 meses a destruição macrista foi infinitamente superior em uma economia muito mais precária que a britânica.
Se pode ver muitas iniciativas, mas talvez as mais relevantes para a Argentina sejam a nacionalização das empresas privatizadas nos anos 1980 e a participação da força laboral nas empresas. Em sua versão atual, o trabalhismo vai mais além da plataforma eleitoral do ano passado que propunha a nacionalização da eletricidade, os trens e o correios. No modelo Corbyn.2 de 2018, a nacionalização dos serviços de água centra-se na criação de um diretório formado por trabalhadores, consumidores e conselheiros que sintonizem com a população e neutralizem a formação de impessoais capas burocráticas que com frequência desprestigiam as empresas estatais.
A essa forma de participação direta dos trabalhadores, o Congresso Anual Trabalhista adicionou a representação sindical no diretório de grandes companhias e a criação de um fundo de 10% dos dividendos das grandes corporações que se dividirá entre o estado e os trabalhadores.
Uma das estrelas do congresso trabalhista foi o município de Preston, uma cidade de 141 mil habitantes no noroeste da Inglaterra. Em vez de buscar o investimento de multinacionais como estratégia de crescimento, Preston favorece um modelo baseado no investimento de companhias locais, o fomento de cooperativa de trabalhadores e o fim da terceirização de serviços. Em 2011 Preston estava na bancarrota. Com a mudança de política, se converteu no primeiro município do noroeste em pagar um “living wage” (“salário digno” que está acima do salário mínimo), fundou uma companhia energética sem fins lucrativo e uma entidade creditícia para combater a proliferação de agiotas que haviam aproveita a austeridade para fazer grandes negócios. O trabalhismo quer estender ao resto dos municípios britânicos essa estratégia de “localismo municipal” (dar prioridade e estímulo às empresas da vizinhança). Uma pesquisa do “Center for Local Economic Strategies” mostra que por cada libra esterlina que investe uma pequena ou média empresa do município, uns 63 centavos são gastos em companhias ou comércios da comunidade. Em grandes corporações, somente 40 centavos de cada libra investida circulam pelas veias da economia local. O resto vai para fora. Com novos mecanismos em marcha, como um bando de desenvolvimento de Preston para toda a província de Lancashire, o trabalhismo crê que a diferença se tornará mais esmagadora a favor das pequenas e médias empresas locais.
Uma característica notável da política britânica é o peso que tem os partidos que se reflete nos congressos anuais, transmitidos ao vivo pela BBC, e plataforma de grandes diretrizes que seguirão os dirigentes nos 12 meses seguintes. Esse poder se viu às claras na quarta-feira quando o líder Jeremy Corbyn adotou a estratégia do segundo referente sobre o Brexit depois que o congresso votou esmagadoramente a favor dessa política. No Reino Unido, os partidos são muito mais que uma vetusta ou oxidada ferramenta eleitoral. Corbyn deu um estímulo adicional com campanhas massivas de filiação que converteram seu partido na maior força socialdemocrata da Europa. Se comparar, o peronismo sempre deu mais peso ao movimento que ao partido, ainda que o mesmo Perón pensou em chamar Partido Trabalhista ao que depois seria chamado de justicialismo. Caberia explorar uma revalorização do partido à britânica, concebendo-o como um espaço de comunicação entre as bases e os distintos estratos partidários (sindicais, municipais, parlamentares, dirigentes, etc.).
A irrupção de Jeremy Corbyn como líder do trabalhismo em 2015 mudou a cara e a dinâmica de um partido que havia se convertido em uma força de centre nas duas décadas prévias. Desde 2015 houve duas tentativas de substituir Corbyn, uma nova eleição interna que o líder trabalhista ganhou com esmagadora maioria e múltiplas acusações de intimidação e caça às bruxas dos “centristas” e “blairistas” contra a nova direção. O Brexit aprofundou essas divisões. Corbyn nunca foi um grande entusiasta da UE enquanto que o partido parlamentar (os deputados) estão majoritariamente a favor de permanecer no bloqueio e convocar um segundo referendo. A votação no congresso sobre esse tema acalmou, nesse momento, por essas diferenças. No seu discurso de encerramento, Corbyn convocou à unidade para enfrentar os conservadores e exortou ao seu partido para “gritar menos e escutar mais”. Claro que sempre há distância entre as retóricas e a práxis cotidiana, muito disseminada em uma multidão de ações e protagonistas. Em todo caso, em comparação com as divisões que assolam os conservadores, os trabalhistas pareceram serum modelo de respeito e unidade. Nisso as enquetes britânicas são claras: o votante rechaça partidos mais preocupados com as suas questões internas que com a nação.
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Cinco lições do trabalhismo inglês - Instituto Humanitas Unisinos - IHU