26 Agosto 2018
O papa Francisco iniciou sua viagem de dois dias à Irlanda reconhecendo que os líderes católicos do país fracassaram durante décadas em proteger as crianças dos abusos sexuais de padres, dizendo que bispos e superiores haviam causado o que ele chamou de "grave escândalo".
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 25-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em um discurso aos líderes políticos da Irlanda, pouco depois de pousar, vindo de Roma, em 25 de agosto, o pontífice disse que a incapacidade da Igreja de prevenir "crimes repugnantes" de abuso "causou uma justa indignação e continua sendo uma fonte de dor e vergonha para a comunidade católica".
"Eu mesmo compartilho esses sentimentos", disse Francisco, antes de citar uma carta de 2010 do papa Bento XVI ao povo irlandês que prometia que medidas "justas e eficazes" seriam tomadas para proteger as crianças no futuro.
Embora o papa não tenha descrito as medidas específicas tomadas para responsabilizar os bispos que protegiam os padres abusivos, ele disse que, com sua recente carta de 20 de agosto sobre o assunto para todos os católicos ao redor do mundo, ele havia assumido "um compromisso... de eliminar esse flagelo da igreja, não importando o custo".
Francisco está visitando a Irlanda, de 25 a 26 de agosto, principalmente para participar do nono Encontro Mundial das Famílias, um encontro trienal organizado pelo Vaticano que busca compartilhar os ensinamentos familiares da Igreja Católica e mostrar sua proximidade com as famílias ao redor do mundo.
Mas o foco da atenção antes da visita foi sobre como ele abordaria o abuso sexual de padres no país, onde uma série de investigações do governo nos anos 90 e 2000 revelaram um amplo abuso de crianças, que foi permitido por instituições da igreja e sistematicamente encoberto por seus funcionários.
Vários sobreviventes de abuso proeminentes pediram a Francisco antes de sua visita para que ele admitisse o papel do Vaticano em ajudar a encobrir os casos de abuso por décadas, o que ele não fez no discurso de 25 de agosto.
Em vez disso, falando a cerca de 250 líderes políticos, civis e religiosos irlandeses no Castelo de Dublin do século 13, Francisco disse estar "muito consciente das circunstâncias de nossos irmãos e irmãs mais vulneráveis".
"Com relação aos mais vulneráveis, não posso deixar de reconhecer o grave escândalo causado na Irlanda pelo abuso dos jovens por membros da igreja encarregados de sua proteção e educação", continuou o pontífice.
"O fracasso das autoridades eclesiásticas - bispos, superiores religiosos, padres e outros - em lidar adequadamente com esses crimes repugnantes causou uma justa indignação", afirmou.
Em seu discurso de saudação a Francisco, o taoiseach (primeiro-ministro) irlandês Leo Varadkar pediu diretamente ao pontífice que "usasse seu cargo e sua influência" para "trazer justiça, verdade e cura para as vítimas e sobreviventes".
"Só pode haver tolerância zero para aqueles que abusam de crianças inocentes ou que facilitam esse abuso", disse Varadkar ao papa. "Precisamos agora garantir que, a partir das palavras, fluam ações".
O primeiro-ministro também se referiu à recente divulgação de um relatório do grande júri da Pensilvânia que revelou que os padres católicos do estado abusaram de pelo menos mil menores em um período de sete décadas.
"Todos ouvimos histórias da Pensilvânia de partir o coração, de crimes brutais perpetrados por pessoas dentro da Igreja Católica, e depois obscurecidos para proteger a instituição à custa de vítimas inocentes", disse Varadkar. "É uma história tragicamente muito familiar aqui na Irlanda".
Vários sobreviventes do abuso clerical e seus apoiadores criticaram as palavras de Francisco sobre o assunto.
Colm O'Gorman, um sobrevivente irlandês e fundador da organização de apoio aos sobreviventes One in Four, disse no Twitter que o papa teve a oportunidade de "finalmente reconhecer a verdade comprovada do papel do Vaticano no encobrimento de crimes perpetrados contra tantas pessoas aqui".
"Ele não conseguiu", disse O'Gorman, que agora lidera a Anistia Internacional Irlanda. "Isto me parece ser um vergonhoso desvio de responsabilidade por parte do papa e um insulto aos fiéis católicos".
Anne Barrett Doyle, codiretora do site de rastreamento de abusos BishopAccountability.org, disse ao NCR que Francisco "deu pouco conforto a vítimas tristes e católicos ansiando pelo fim da crise de abuso e encobrimento".
"O papa tratou da crise, mas novamente optou por não dar um plano específico para acabar com ela", disse Doyle. "Também não reconheceu diretamente sua própria responsabilidade por isso: nada em seu tom sugeria uma mentalidade de 'chega de culpar outros'".
Marie Collins - uma sobrevivente de abuso irlandesa, ex-membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e espectadora do discurso do papa - disse simplesmente: "Decepcionante, nada de novo".
Francisco é apenas o segundo papa a visitar a Irlanda, depois de João Paulo II em 1979. O país mudou de maneiras grandes e pequenas nos 39 anos seguintes, transformando-se do bastião católico da Europa em uma sociedade mais moderna e secular.
Em um exemplo das mudanças dramáticas nas últimas quatro décadas, uma esmagadora maioria do país votou, em maio, para revogar uma emenda à constituição irlandesa que tornou o aborto ilegal em quase todas as circunstâncias. Três anos antes, um referendo semelhante aprovou o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Francisco não mencionou nenhuma das questões em seu discurso no Castelo de Dublin, mas disse que o Encontro Mundial das Famílias é um "testemunho profético do rico patrimônio de valores éticos e espirituais que é dever de toda geração cuidar e proteger".
O pontífice também não se referiu à saída pendente do Reino Unido da União Europeia, que muitos irlandeses temem que possa afetar as relações entre a República da Irlanda, membro da UE, e a Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido.
Particularmente preocupante é a fronteira entre as duas entidades, atualmente aberta e essencialmente imperceptível. Alguns temem que o processo possa levar à imposição dos controles de fronteira, que foram removidos após o Acordo da Sexta-Feira Santa.
O papa elogiou o processo de paz irlandês e expressou a esperança de que a Irlanda e a Irlanda do Norte "superem todos os obstáculos remanescentes e ajudem a gerar um futuro de harmonia, reconciliação e confiança mútua".
Francisco desembarcou em Dublin no meio da manhã de 25 de agosto. Depois de uma saudação um tanto austera na pista, o pontífice se dirigiu de carro para o palácio presidencial do país para uma cerimônia mais formal de boas-vindas e uma reunião privada com o presidente Michael Higgins.
Multidões ao longo da rota do papa pela capital eram escassas, mas havia pequenos aglomerados de pessoas erguendo bandeiras do Vaticano e segurando cartazes. Um dizia: "Nós amamos o papa, ele nos dá esperança".
Mais tarde, o papa visitou a catedral de Santa Maria, onde respondeu a perguntas de dois jovens casais. A catedral é uma estrutura do século XIX construída durante a era das leis penais anticatólicas da Irlanda, que agora mantém uma vela perpetuamente acesa para vítimas de abuso sexual.
Ao chegar à catedral, Francisco sentou-se em oração diante da vela por cerca de três minutos.
À noite, Francisco participou do "Festival das Famílias", um grande concerto e celebração para a última noite do Encontro Mundial das Famílias, que acontece no Croke Park Stadium, em Dublin, com capacidade para 82.000 pessoas.
Entre músicas e danças, o pontífice ouviu depoimentos de famílias indianas, canadenses, iraquianas, de Burkina Faso e irlandesas antes de proferir o seu próprio discurso.
O Encontro Mundial das Famílias deste ano tem como tema “O Evangelho da Família: Alegria para o Mundo”, extraído da exortação apostólica papal de 2016 sobre a vida familiar, intitulada Amoris Laetitia, ou “A Alegria do Amor”.
Francisco concluirá sua visita à Irlanda no dia 26 de agosto com uma visita a um santuário mariano em Knock, cerca de 200 quilômetros a oeste de Dublin, antes de retornar à capital para uma missa pública e um encontro com os bispos do país.
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Francisco admite que a Igreja não ter conseguido proteger as crianças na Irlanda causou 'grave escândalo' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU