24 Mai 2018
Propriedades sem caseiro e sem placa somam 242 hectares e estão em nome da Goytacazes Participações, que já teve FHC como sócio; Jovelino Mineiro foi dono da empresa vizinha.
A reportagem é de Alceu Castilho e Igor Carvalho, publicado por De Olho nos Ruralistas, 23-05-2018.
Um canavial. Sem cerca, sem porteiro, sem casa, sem placa de identificação. Assim são as terras da família de Fernando Henrique Cardoso em Botucatu (SP), no centro-sul do estado, às margens do Rio Pardo. Quem mora e trabalha na região confirma o que se vê nas imagens aéreas: ali só tem cana de açúcar. Mais nada. Vejam aqui o vídeo feito pelo De Olho nos Ruralistas em parceria com a Pavio.
O observatório revela onde ficam as duas fazendas da Goytacazes Participações – de Beatriz, Luciana e Paulo Henrique Cardoso – no interior paulista. Parte dessas terras compradas em 2012 está sendo desapropriada pela prefeitura local.
Os relatos dos moradores coincidem com pelo menos uma das descrições feitas pela prefeitura, em decreto de utilidade pública promulgado em março. No local está sendo construída uma barragem. A Goytacazes tem duas fazendas contíguas na região, a Três Sinos e a Rio Pardo, perto da Cachoeira Véu da Noiva, um dos principais pontos turísticos do município.
Todos confirmam que as terras são “do Fernando Henrique”. A rigor, já foram. Até dois anos atrás ele era sócio da Goytacazes. A empresa está agora apenas em nome dos filhos. Os dados divulgados pela prefeitura de Botucatu – com coordenadas geográficas, divisas naturais, propriedades fronteiriças com números de matrícula – oferecem detalhes sobre as propriedades. Com isso, tínhamos o endereço.
Esta reportagem faz parte de uma série de mais de 25 textos sobre a face agropecuária de Fernando Henrique Cardoso: “FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.
Saindo de São Paulo, são quase três horas até as propriedades, quase na fronteira com a o município de Pardinho. À esquerda da Estrada Municipal Sho Yoshioka começa uma estreita via de terra, com muitos buracos e curvas sinuosas. Por oito quilômetros, o eucalipto toma conta do cenário, ocupando a maior parte das fazendas no trajeto.
Entre elas, pouca distinção, nas culturas adotadas (muito eucalipto) e no aspecto. Uma, porém, se destaca. Nela não há cerca, não há sede, não há uma residência, não há nem mesmo uma placa que identifique seu nome ou o número da propriedade. E nada que sugira algo como uma administração diária do empreendimento – segundo a família FHC, arrendado.
Mais canavial dos Cardoso. (Foto: Vanessa Nicolav/Pavio)
É um enorme canavial. Ele se impõe na beira da estrada. E chama a atenção por sua dimensão. Um dos lados do polígono faz fronteira com as terras da Central Bela Vista – estas com cerca, portaria e logo da empresa. A reportagem entrou no meio do canavial, de carro, foi até perto da represa, voltou. Nenhuma alma. E nem um fio de arame farpado.Embora fosse o lugar certo, conforme a descrição detalhada da prefeitura, não foi simples descobrir qualquer informação adicional sobre o destino da cana arrendada ou sobre os proprietários – que lá nunca foram vistos. Por cinco horas, na primeira visita ao local, na semana passada, despontaram apenas nove pessoas. Três delas eram filhos do caseiro de uma fazenda.
A primeira pista veio do funcionário de uma fazenda próxima. Perguntado sobre a Fazenda Três Sinos (sem menção ao ex-presidente) ele disse: “Olha, essa fazenda que você está mencionando não fica aqui, é mais para cima, de frente com a propriedade do senhor Fernando Henrique Cardoso”.
Em frente dessa Fazenda Três Sinos, homônima da fazenda dos Cardoso, estava o canavial. Em outra propriedade vizinha, o gerente afirmou: “Essa cana aí é tudo do Fernando Henrique. Isso aqui é tudo do Fernando Henrique, essa cana toda aí. É o que a turma fala, eu sou novato aqui”.
Durante o retorno a São Paulo, o condutor de um trator confirmou o que se diz na região, num tom que mistura orgulho com uma aura de mistério: “Todo mundo aqui sabe que essa fazenda aí é do doutor Fernando Henrique, mas nunca vi ele aqui não”. A represa já está sendo construída. Por lá, um sinal de vida humana – máquinas.
O prefeito de Botucatu, Mário Pardini (PSDB), desapropriou 40 dos 242 hectares em abril, para construir uma represa. A área desapropriada fica na divisa com a Cachoeira Véu da Noiva, uma área da prefeitura.
As duas propriedades rurais pertencem à Goytacazes Participações Ltda, empresa registrada em Osasco – no mesmo endereço contábil de empresas do pecuarista Jovelino Mineiro. A primeira é a Fazenda Três Sinos, com 204,77 hectares, matriculada no 1º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Botucatu com o número 28.854.
A Fazenda Três Sinos da família FHC faz divisa com outra Fazenda Três Sinos, da empresa Santo Amaro Reflorestamento, uma sociedade entre Ivan Zarif Junior, Santo Amaro Participações e Rosemary Maluf Zarif, na estrada Botucatu-Pardinho. Essa Três Sinos tem plantio de eucaliptos desde os anos 70.
A fazenda dos Cardoso faz divisa também com a Fazenda Pinheiros, a Estância Santa Marta, o Sítio Santa Emília, a Fazenda Santa Ignes e a Fazenda Campo Verde, da Central Bela Vista – que também teve terras desapropriadas. Os limites naturais da propriedade são a Cachoeira Véu da Noiva e o Rio Pardo, um dos principais da Bacia do Paranapanema.
Trecho em azul é o canavial dos FHC.
(Imagem: Reprodução/Google)
A Fazenda Rio Pardo, de 36,54 hectares, está matriculada no mesmo cartório com o número 28.850. Faz fronteira com a Fazenda São José, da Schincariol Agropecuária, com a Estância Helena, o Sítio Santa Emília, com outra fazenda chamada Rio Pardo e, novamente, a outra Fazenda Três Sinos. Além da Cachoeira Véu da Noiva.
Essa fazenda acaba de passar, integralmente, das mãos da Goytacazes Participações para a prefeitura. Qual a diferença em relação à outra fazenda dos Cardoso, a irmã maior Três Sinos? Isso não é visível. Só se pode concluir que ela fica mais perto da represa. Se tem cana, será tomada pela água.
A escolha de Botucatu para a compra das propriedades passa pelo nome de Jovelino Carvalho Mineiro Filho, o segundo personagem mais importante desta série de reportagens. Foi nessa região que ele construiu parte de seu império agropecuário. Parte dessa história pode ser conferida aqui: “FHC, o Fazendeiro – Em 1994, Fernando Henrique comemorou eleição em fazenda de Jovelino Mineiro, em Pardinho (SP)”.
Canavial na divisa com Central Bela Vista. (Foto: Vanessa Nicolav/Pavio)
O canavial dos Cardoso faz divisa com a empresa de genética bovina Central Bela Vista, vendida pelo pecuarista – muito amigo de Fernando Henrique, antigo parceiro na fazenda em Buritis (MG) – para um grupo holandês em 2011, o CRV. A Goytacazes Participações, da família FHC, foi criada no ano seguinte. Seu capital social, hoje, é de R$ 5,7 milhões.Jovelino Mineiro possui, ainda, um latifúndio com milhares de hectares em Botucatu, do outro lado da Rodovia Castelo Branco. Chegou a explorar as terras em parceria com os portugueses do Grupo Espírito Santo. Ele também tem propriedades na região, como a Fazenda Bela Vista, em Pardinho.
Leia a série completa
“FHC, o Fazendeiro – tudo sobre as terras da família, os amigos pecuaristas e a Odebrecht”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
FHC, o Fazendeiro – Fazenda da família de Fernando Henrique em Botucatu (SP) é um canavial sem casa e sem cercas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU