14 Março 2018
Quando o Papa Francisco foi eleito, há exatamente cinco anos, ele chegou ao cargo com a missão de reformar e a promessa de tornar a Igreja menos centrada em si mesma, mas sim nas periferias, e não no centro. Muitos dos desafios que viriam pareciam óbvios: mexer com as estruturas da Cúria Romana, limpar as finanças do Vaticano e continuar o trabalho da tentativa de reforma em relação aos casos de abuso sexual por parte do clero.
A reportagem é de Inés San Martín, Christopher White e Claire Giangravè, publicada por Crux, 13-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Havia também a questão das prioridades pastorais e do que seria seu foco como Papa. Cinco anos depois, o tema central da misericórdia tornou-se predominante em seu ministério, juntamente com o destaque renovado nos jovens e um holofote global no meio ambiente e na situação dos migrantes e refugiados.
Neste aniversário, a Crux conversou com líderes católicos ao redor do mundo - de pessoas que trabalham ao seu lado a responsáveis pela realização de sua missão de atingir as periferias mundiais - para ouvir, em primeira mão, o que mais os surpreendeu no papado de Francisco e o que consideram assuntos pendentes.
Cardeal Timothy Dolan, Arcebispo de Nova York
Quando ele visitou Nova York em 2015, eu vi, em primeira mão, a recepção entusiasmada e tumultuada dos milhares - milhões, na verdade - de nova-iorquinos ao Papa Francisco. Até hoje, as pessoas me abordam e dizem: "Fiquei afastado da Igreja por muitos anos, mas estou voltando pelo Papa Francisco" ou "Eu não sou católico, mas adoro este Papa". Para mim, isso continua seu maior dom: levar o dogma atemporal da Igreja e apresentá-lo de uma forma nova, ousada, emocionante. Ele está ajudando as pessoas a terem um novo olhar sobre a Igreja Católica e, assim, virem a conhecer Jesus e experimentar Seu amor e misericórdia.
Acho que é injusto falar de decepções ou assuntos pendentes. Roma se movimenta tão rápido quanto uma geleira! Sempre há trabalho a ser feito. Fui arcebispo de Nova York por quase nove anos, e minha lista de afazeres parece ainda maior agora que no dia da minha posse. Por falar nisso, tenho certeza que, mesmo depois de quase 27 anos como Papa, São João Paulo II ainda tinha "assuntos pendentes” que queria ter podido resolver. Tendo visto este Papa muito de perto, particularmente ao longo de dois sínodos de um mês, achei que ele é muito interessado em ouvir os outros, um estilo de liderança na coletividade e a reforma da burocracia da Vaticano. Tudo isso é importante, sem dúvidas, mas não tanto quanto sua verdadeira missão, de trazer almas até Jesus. E nisso, ele está se saindo extraordinariamente bem.
Irmã Sharon Euart, diretora do Centro de Recursos para Institutos Religiosos (Resource Center for Religious Institutes) e ex-secretária geral da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos.
O Papa Francisco empregou uma nova linguagem em palavras e gestos, energizando as pessoas pela alegria essencial do Evangelho. Sua preferência pelos negligenciados - mulheres, homens e crianças à margem da Igreja e da sociedade - obriga os católicos a olhar para além das preocupações sectárias a fim de abraçar um mundo ferido. Sua mensagem de amor e sua preocupação carinhosa com todas as pessoas atravessa divisões, unindo pessoas distantes e díspares. Seus esforços para construir comunhão (união com) em meio à desarmonia e ao conflito nos motiva a ir além do superficial a fim de reconhecer a dignidade fundamental do outro.
Acredito que um dos assuntos pendentes mais relevantes diz respeito ao papel das mulheres na Igreja. Precisamos de ação significativa para modificar a cultura eclesiástica atual. O Papa Francisco precisa transformar palavra em ação. Minha esperança é que ele incentive bispos e outros líderes a engajar leigas e religiosas de formas novas e significativas em todos os níveis da Igreja. Escolher mais mulheres para cargos de liderança, enquanto continua ouvindo as preocupações das mulheres sobre a vida e a missão da Igreja, responderia à necessidade identificada por Francisco logo no início de seu papado "ampliar os espaços para uma presença feminina mais incisiva na Igreja" (Evangelii Gaudium 103).
Marilú Esponda, porta-voz da diocese da Cidade do México e fundadora da Variopinto, uma agência de comunicação
Há tantas coisas para destacar! Se só posso dizer duas, diria que as melhores coisas do pontificado atual até agora seria, por um lado, que o Papa tenha conseguido gerar interesse pela mensagem de Cristo em muitos que estão distantes da Igreja. Por outro, ele gerou uma autocrítica severa e necessária a quem está dentro, mas acima de tudo aos que têm responsabilidades importantes de liderança, para que vivamos de forma consistente com aquilo em que acreditamos.
O Papa Francisco conseguiu isso com um estilo desafiador e concreto, criticando o que há de errado com o mundo e na Igreja e convidando-nos a voltar ao que é essencial: sermos mais irmãos e irmãs uns dos outros, porque somos filhos do mesmo pai e, assim, sermos mais humanos.
Acredito que o maior desafio do Papa hoje é a falta de docilidade - a resistência à mudança - entre os que pertencem à Igreja. Em cada um de nós, o sapato aperta num lugar diferente, mas todos temos em comum a convicção de que já somos bons o suficiente e não estamos dispostos a mudar, para nos renovar, estar abertos às exigências do Evangelho e do mundo de hoje, como o Vigário de Cristo os interpreta.
O desafio do Papa é garantir que todos nós, batizados, sejamos boas testemunhas da misericórdia divina, à medida que enfrentamos um mundo descristianizado e desumanizado. Todo o resto - as reformas na Cúria Romana, etc. - tem importância secundária, como um caminho em direção ao principal.
Juan Vicente Boo, correspondente de Roma do jornal espanhol ABC e autor de dois livros sobre o Papa Francisco: El Papa de la Alegría ("O Papa da alegria", tradução livre) e Píldoras para el Alma ("Pílulas para a alma", tradução livre)
Eu acredito que ele está suavemente conduzindo os católicos a uma maneira de rezar e agir que é muito mais próxima dos primeiros cristãos, que mudaram de dentro de uma sociedade brutal, materialista e exploradora.
Ele está ajudando todos a superar o maniqueísmo - de algumas pessoas que praticam a oração do fariseu em vez da oração do publicano -, o negativismo e as queixas constantes sobre o mundo em que vivemos.
As conquistas de um pontificado não são medidas em curto prazo, como na política e no futebol, principalmente de um Papa que considera que é menos importante "controlar espaços” do que "iniciar processos".
Francisco "avança”, com vigor e através de seu exemplo pessoal, nas ideias básicas de seus antecessores, como a misericórdia de João Paulo II e a ecologia e a pobreza de Bento XVI.
Sua forma de atuar e seus ensinamentos estão remediando uma anomalia dos tempos Constantinos que o Cardeal Joseph Ratzinger (mais tarde Papa Bento XVI) costumava chamar de "Igreja imperial": quando os bispos chegaram a ter escolta militar, trajes de tribunal, palácios, etc. E restos de anomalias de séculos de Estado pontifício, porque nos níveis intermédios do Vaticano o ar de "tribunal" ainda permanece.
Quanto aos assuntos pendentes, Francisco está administrando de forma mais intensa e eficaz do que João Paulo II em seus primeiros cinco anos, quando a Cúria do Vaticano não o levava totalmente a sério porque ele era da Polônia e porque era místico. Por exemplo, a criação de um conselho de nove cardeais de todo o mundo em paralelo a Cúria do Vaticano, transformar a visita ad limina em dois encontros onde o diálogo é livre, permitiram a Francisco romper com a improdutividade e retomar o protagonismo da evangelização dos que estão na linha de frente. Ele também fez ao nomear cardeais de países periféricos, cujo perfil pessoal se assemelha aos dos primeiros apóstolos.
Eu acredito que a maior decepção vem de ter confiado em pessoas que não corresponderam à confiança ou tiveram uma resposta ruim ao Papa. Por exemplo, no Vaticano, o antigo prefeito da Doutrina da Fé, que não é muito sensível às vítimas de abuso sexual; o líder da Secretaria para a Economia, que não conseguiu trabalhar em equipe; e o prefeito para a Liturgia, que Francisco precisou repreender publicamente duas vezes.
E agora, também vemos certas críticas amplificadas por setores econômicos, como os depósitos de carvão, as empresas petrolíferas, os fundos especulativos e as indústrias de armas, que consideram Francisco um personagem desconfortável ou inimigo.
Irmã Simone Campbell, diretora da NETWORK, de Lobby pela Justiça Social Católica
Adoro quando ele fala ou escreve. Não sei quantas vezes eu já li A alegria do Evangelho e Laudato si'. Que maravilha ter um líder na Igreja que fala tanto ao meu coração!
Quanto a decepções, as duas questões - muito humanas - que assolam a nossa Igreja são a da liderança das mulheres e dos casos de abuso sexual. Gostaria que ele relacionasse ambas ao coração sobre o qual escreve, e não as tratasse como questões políticas ou estruturais.
Carolyn Woo, ex-CEO do Catholic Relief Services e parceira convidada do programa para o Desenvolvimento Global da Universidade Purdue.
Acho que com a sua primeira encíclica o Papa traz de volta de forma muito clara a alegria do evangelho que às vezes pode se perder em toda a teologia e doutrina. É quase como se alguém estivesse cantando, particularmente com sua proclamação de misericórdia, que, claro, foi seguida por um ano de misericórdia. É uma sensação de que a prioridade do Papa é a salvação das pessoas e que ele se importa mais com o fato de as pessoas terem uma forma de se voltar para Deus e que todos nós estejamos aqui para ajuda-las a fazer isso, e não de atrapalhar. Ele desafia a hierarquia da Igreja a pensar se realmente está ajudando as pessoas a se voltarem para Deus e, como pastor, pergunta: “Você conhece o seu rebanho?”
As duas áreas com que estou desiludida são o tratamento dos problemas de abuso sexual na Igreja e a questão da envolvimento e acolhimento das mulheres na Igreja. Apesar de o Papa ter criado uma comissão e pedido uma resposta honesta e corajosa, por algum motivo, ela ficou estagnada. Acho que ainda precisamos nos aprofundar na extensão desse abuso e nos apropriar dele, precisamos nos desculpar, fazer a penitência, buscar o perdão, para que possa haver cura, e principalmente precisamos impedir que isso aconteça no futuro.
Sobre a questão das mulheres, eu não sou uma pessoa que acredita na necessidade da ordenação de mulheres. Eu sei que as pessoas se preocupam profundamente com isso, mas na verdade consigo aceitar a doutrina da Igreja e dizer que isso não está em andamento. Mas ao reconhecer isso acho que muito mais pode ser feito para acolher as mulheres na Igreja. A Igreja não fez o suficiente para envolver os talentos das mulheres, suas capacidades intelectuais, suas capacidades administrativas. Acho que muito mais pode ser feito para reconhecer as teólogas, para colocar as pessoas nos conselhos consultivos de forma a não torná-los um símbolo, para que as mulheres sejam representadas nas academias do Vaticano, para terem um lugar à mesa quando a doutrina é elaborada, para fazerem parte da equipe de importantes conselhos pontifícios e dicastérios, para terem seu papel mais reconhecido nos conselhos das paróquias - em todos os níveis a Igreja precisa legitimar os dons das mulheres.
Greg Burke, diretor da Sala de Imprensa do Vaticano, ex-assessor da Secretaria de Estado do Vaticano e correspondente da Fox News e da Time
Em um mundo que nos bombardeia diariamente com cada vez mais distrações, tentações e falsos ídolos, o Papa Francisco tem feito um trabalho extraordinário no sentido de transmitir uma mensagem muito simples que é o cerne do Evangelho: Deus te ama e te perdoa.
E ainda mais: há alegria, a alegria do Evangelho. Francisco sabe - e demonstra - que ao ler o Evangelho e tentar viver de acordo com Cristo, gera-se uma alegria interior profunda.
Apesar de todos os nossos defeitos, todos os nossos pecados, toda a nossa maldade, grande e pequena, Deus nos ama e nos perdoa. A parábola do filho pródigo surge por diversas vezes no decorrer de nossas vidas. Deus é um pai misericordioso e amoroso, que nos espera para nos abraçar antes mesmo de batermos à porta. Papa Francisco lembrou a todos o quanto Deus nos abraça com seu amor e nos desafiou a compartilhar esse amor com outras pessoas.
Quanto aos assuntos pendentes, um dos principais objetivos do Papa é realizar uma mudança de mentalidade, contribuindo para que todos na Igreja saibam que estão aqui para servir, e não por poder. Isso é um assunto pendente desde o início, se olharmos para as palavras de Cristo aos apóstolos, e não vai mudar do dia para a noite. Mas o Papa Francisco certamente ajudou a definir o tom para essa mudança.
Paulina Guzik, jornalista e professora de comunicação da Universidade Pontifícia de João Paulo II na Cracóvia, Polônia
O melhor do Papa Francisco, que mudou totalmente a vida dos cristãos ao redor do mundo, para mim, é o exemplo que ele está dando, inspirando - através desse exemplo - as pessoas a segui-lo. Ouvimos outros papas, eles nos inspiraram, claro, acabaram com o totalitarismo fatal, ficamos felizes que eles vieram nos visitar. E depois estávamos voltando à vida normal. Papa Francisco tornou seus ensinamentos e realizações tão concretos e, no entanto, tão baseados no Evangelho que as pessoas o seguem - todos os dias. Bancários dedicam suas tardes para trabalhar para os sem-teto, médicos estão passando suas horas de folga em hospitais de campanha em prol dos pobres, famílias inteiras vão descascar cenouras que depois viram sopa para os desabrigados (duas vezes por semana, pela segunda vez, na Cracóvia e em outras cidades da Polônia) - só porque Francisco as inspirou. Ele cumpriu a missão de acompanhamento - venham, vamos juntos, vou mostrar como beijar os pés dos refugiados, vou mostrar o que significa comprar pizza para os desabrigados, vou mostrar o que Jesus faria se estivesse aqui agora. Fazer com que as pessoas sigam seu exemplo diariamente é para mim um grande marco do pontificado atual. A vivência do evangelho tornou-se real com Francisco.
Uma coisa que eu quero muito vê-lo realizar é exercer influência sobre o Pacto Global sobre migração - ele considera a migração um sinal dos tempos, e ouso dizer que melhorar, ou melhor, criar condições adequadas de migração global é uma tarefa política tão importante quanto à queda do comunismo na época de João Paulo II. Quem me dera as estruturas do Vaticano pudessem influenciar não só as Nações Unidas, mas - através de conferências episcopais - governos de determinados países a mudar suas políticas sobre os refugiados. Não me refiro apenas à Polônia, mas também aos EUA e muitos outros países.
Padre John Wauck, professor de comunicação da Pontifícia Universidade da Santa Cruz em Roma
O melhor do papado de Francisco até agora foi sua capacidade de dar voz às pessoas que não tinham na época de Bento XVI e João Paulo II. Faz, literalmente, uma eternidade que não se vê a foto do papa "na capa da Rolling Stone". Essa foto é emblemática de uma nova abertura para o papado por parte de setores da sociedade anteriormente hostis ou indiferentes. Agora, alguns sugerem que essas pessoas só prestam atenção ao Papa Francisco porque ele parece falar o que querem ouvir, mas apesar de isso poder até ser verdade em relação a algumas pessoas, com o passar do tempo, minha própria experiência imediatamente depois do conclave me diz que a resposta extraordinariamente positiva ao Papa Francisco não foi baseada em uma análise de suas posições sobre questões específicas. Foi antes de conhecer seus pontos de vista. Recentemente, o padre jesuíta Antonio Spadaro insistiu que o Papa Francisco não é um papa "legal", mas eu acho que sua popularidade inicial vinha em grande parte da sua personalidade aparentemente natural, acessível, normal. Ele surgiu como uma figura paternal mais familiar do que a figura um tanto professoral de Bento XVI e fora do comum de João Paulo II. Claro, ainda não sabemos qual será o resultado dessa ampla atenção, mas a abertura e o compromisso são claramente evoluções.
É natural que depois de apenas cinco anos de um papado haja muitos assuntos pendentes, e este pontificado não é exceção: a resposta à crise de abuso sexual, a reforma das finanças do Vaticano, a reforma das comunicações e da Cúria Romana caem todas na categoria de assuntos pendentes.
Mas há assuntos pendentes mais profundos também.
Quando se tornou papa, Francisco salientou a necessidade de a Igreja sair da sacristia e ir para o mundo, resistir à tentação de se centrar em si mesma e se envolver com as "periferias" da sociedade e da experiência humana. Cinco anos depois, no entanto, a Igreja parece estar presa num debate interno divisionista, e foi gasta muita energia espiritual e intelectual, que poderia ter sido aproveitada em obras de serviço e apostolado, discutindo Amoris Laetitia e, mais especificamente, as implicações doutrinais e disciplinares de uma questão essencialmente interna: a comunhão para pessoas divorciados e recasadas. Como consequência, a Igreja que olhava ao redor que Francisco queria ainda está lutando para levantar a cabeça. Na saída da sacristia, a Igreja não foi muito além do trilho da comunhão.
Da mesma forma, esperava-se que o primeiro papa sul-americano seria o mensageiro de uma nova era vibrante na vida da Igreja nesse vasto continente e, no entanto, a recente visita do Papa Francisco ao Chile - descrito nestas páginas como "um possível primeiro passo em falso” - foi sua viagem menos exitosa até agora, marcada pela queima de igrejas, pouco público e controvérsias sobre casos de abuso sexual. Além disso, a viagem chamou a atenção para o triste fato de que o Papa ainda não foi visitar sua terra natal, a Argentina, onde, por razões políticas, ele é tratado menos amigavelmente do que no resto do mundo. Ao mesmo tempo, na Venezuela e em Cuba, a Igreja ainda sofre dolorosamente. Em termos de "geografia" eclesiástica, as grandes expectativas criadas pela primeira viagem do Papa, ao Brasil, para a Jornada Mundial da Juventude, em 2013, ainda não foram supridas.
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Avaliação das conquistas e assuntos pendentes dos cinco anos de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU